A fartura na mesa do seridoense é coisa conhecida aqui, ali e alhures. É próprio do nosso povo uma mesa cheia com diferentes tipos de comidas, doce e salgados postos para uma mesma refeição. Não importa a hora do dia, a mesa do seridoense é feito exército em tempos de guerra, está sempre ali, pronta para ser usada.
Em recente viagem ao Rio de Janeiro, na casa de uma seridoense, aliás, em sua cozinha, eu fui praticamente obrigado a fazer duas refeições em menos de três horas. Ouvi da boca da dona da casa a afirmativa que “no Rio quando chega uma visita, eles fecham a porta da cozinha. O seridoense não! Escancara a dispensa e parece, até, querer matar o visitante pela boca”. Sônia de Chico Velho foi quem me despertou para isso tudo, apesar de eu já saber há tempos da fama das nossas mesas.
Tal fato, das mesas fartas, vem de longe sendo apreciado. Não sei bem quem foi o autor – Chico de Seu Bilé me garante que foi o “doutor” Juvenal Lamartine, em seu livro Velhos Costumes Do Meu Sertão -, mas, ainda na primeira metade do século passado alguém escreveu que a mesa de José Braz do Talhado, o primeiro do nome, era a mais farta do Seridó.
E era! Ainda segundo Chico de Seu Bilé, sobrinho do dono da casa, lá se costumava fazer quatro refeições diárias. O café servido antes das seis e meia, o almoço estava à mesa antes do meio dia, a janta vinha pouco depois das dezesseis horas e, por fim, a ceia por volta das dezenove horas no máximo.
Do mesmo Chico ouvi a história que passo a narrar agora.
Seu Bilé acordou cedo para ir às compras em Currais Novos, cidade onde também fecharia alguns negócios. Combinara com Antônio Marrada essa ida.
O sol ainda, não mostrara a cara e repousava frio quando pegaram a camionete, e arribaram em busca da cidade vizinha.
No meio do caminho Seu Bilé sabendo da mesa sempre posta na casa do cunhado, sem delongas ou falsa etiqueta, resolveu fazer uma visita de surpresa a fim de realizar a primeira refeição ali.
Depois da alegria demonstrada dos donos da propriedade pela visita inesperada, dos cumprimentos e das bênçãos de Seu Zé Braz Velho e Dona Cantídia, sua esposa, ao afilhado Antônio Marrada, as perguntas tradicionais nesses tipos de chegadas foram feitas, respondidas e o grupo seguiu para se sentar no grande alpendre frontal, onde bancos de madeira maciça davam à parede da grande construção as vezes de espaldar.
A casa já se encontrava movimentada, com gente saindo e entrando e, na cozinha, as tapiocas e outras comidas sendo feitas. O cheiro das carnes e de queijo tomando conta do ar.
Uma boa conversa corria solta e os primeiros raios de sol chegavam ao alpendre, quando alguém anunciou na porta que o café estava pronto.
Os donos da casa, gentis, deram passagem para Seu Bilé e Antônio adentrarem pela sala espaçosa cheia de retratos dos velhos antepassados, passando por uma espécie de saleta para irem todos até uma segunda sala grande, onde a mesa estava posta. Seu Bilé e Seu Zé Braz seguiram bem devagar na frente tratando de negócios, conversando sobre chuvas, sobre gado, sobre safra de algodão… assim chegaram e se sentaram à mesa.
Bolos, biscoitos, cuscuz, leite, coalhada, canjica, pamonha e milho, mais café, frutas, sucos, pães, tapiocas, broas, carnes, ovos… e queijos. Queijos de coalho e de manteiga, já fatiados, cada tipo em sua própria travessa.
Todos começaram a se servir. Numa espécie de ritual puseram o café nas xícaras, trouxeram as tapiocas aos pratos, e foram separando cada um a sua comida.
Antônio Marrada esticou-se até o meio da enorme mesa e pegou a travessa do queijo de manteiga. Trouxe para junto do peito e com um garfo foi depositando as fatias em seu prato. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis… a metade!
Já se esticava novamente para devolver a travessa ao seu lugar de origem, quando Seu Zé Braz, vendo o exagero de queijo em seu prato, advertiu o afilhado:
– Antônio, lembre-se que os outros também gostam de queijo.
Nesse momento Antônio já tinha encostado a travessa de volta à mesa, embora não a tivesse largado de tudo. Mas, num impulso, recolheu-a de novo para junto do peito e, empurrando o restante do queijo para o prato, foi respondendo:
– Mais do que eu, eu duvido, padrinho.
Ô medo fila da mãe de ficar sem queijo!
Meu pai contava muito essa estória!
Saudade de Gabriel.
Tou pra ver numa peleja quem gosta mais de queijo. Um seridoense ou um mineiro? E aquele de mãe seridoense e pai mineiro será que morre por um tiquim?
Morre e vive!
Amo queijo, afinal fui criada dentro da queijeira de minha avó Severina do Queijo em Acari, desde a mais tenra infância observei, vivi, aprendi e hoje reproduzo a mesa farta, como boa sertaneja que sou.
Sou testemunha de sua mesa farta.
Não apenas de comida das mais saborosas; mas, também de uma prosa das melhores por esses sertões.
Não bastasse a combinação, ainda temos como sobremesa pós sobremesa as melhores risadas do litoral.
Grande Jesus de Ritinha de Miúdo! Amigo, sou testemunho da fartura da mesa do seridoense até os atuais dias. Há poucos dias fui prestar serviço numa residência na fazenda Umarí, de propriedade do amigo Novo Baé, e quando finalizei o serviço, faltavam poucos minutos para 11:00 horas, mas, só pude sair após o almoço. Vou acrescentar mais uma coisa amigo, que faltou na narrativa: Farta e deliciosa.
Sem igual!
Verdade. Estive recentemente em Natal e o que mais tem é restaurantes do Seridó.
Oswaldo, a conterrânea Vânia de Dona Cuncun abriu uma filial do Camarões em São Paulo.
Recebeu a visita de um “crítico da arte culinária”.
O único ponto negativo em sua crítica publicada foi “os pratos são servidos com comida demais”.
Não conhece nossa fama, né?
Lindíssimo texto, caro amigo Jesus de Ritinha de Miúdo!
A mesa farta dos fazendeiros de Acari mostra a solidariedade do povo do interior nordestino, guardando-se as devidas proporções.
Parabéns pela emocionante crônica!
Feliz 2024!
Querida Violante, está no nosso DNA.
Obrigado pela visita.
Gosto de ler sua prosa fluente. É rio lavando a alma da gente. É prosa poética. Escreva mais e mais. Assim, o mundo fica bem melhor.
Somos privilegiados por sermos seridoenses, não somente pela mesa farta, mas pela fartura de gênios, dentre os quais, meu primo Jesus de Miúdo, um gênio da literatura seridoense.