Para Sancho Pança, que conhece todos os cabarés do Brasil
Um cabaré à semelhança do de Maria Bago Mole
Maria Bago Mole amanheceu cantando para si mesma naquele dia. Seu coração estava em festa. Depois de vários dias de espera pelo seu amado, a cafetina mais famosa da Zona da Mata Norte de Carpina (PE), resolveu promover uma festa de arromba no cabaré, à espera do fazendeiro Bitônio Coelho, que mandou avisar por um capanga da fazenda que estaria na comemoração do aniversário dela.
Somente as “meninas” antigas na “casa” e de confiança de Maria Bago Mole é que sabiam que era o dia do seu aniversário. Para as “novatas” e os frequentadores assíduos do cabaré era um dia de comemoração qualquer promovido pela cafetina, que gostava de cativar seus clientes com “novidades.”
Duas semanas antes da festa, ela avisara pessoalmente a cada cliente das noites que ia haver uma comemoração especial no cabaré, uma festa de arromba, com “carne nova na praça.”
Cedo começaram a chegar os peões, caminhoneiros, posseiros e fazendeiros das redondezas, sedentos por sexo. Na frente do cabaré havia uns troncos de madeira à moda do Velho Oeste, instalados para os clientes apearem seus cavalos, jumentos, éguas…
Já passavam das dez da noite quando Bitônio Coelho chegou no seu sobretudo de linho diagonal branco, bota preta, chapelão de couro e, à cintura, sua pistola Parabellum (1906). Apeou o cavalo alazão branco no toco feito exclusivamente para ele. Maria Bago Mole, como sempre, correu em sua direção, deu-lhe um abraço, um beijo, pôs as duas mãos na cintura dele e o conduziu à porta dos fundos, também feita exclusivamente para ele entrar sem ser visto pelos frequentadores do cabaré que, antes das onze da noite, já estava fervilhando de homens prontos para disputar as carnes mijadas novas que a cafetina havia prometido e que foi buscar nos sítios circunvizinhos.
Maria Bago Mole, como de costume, deixou seu amado no aposento dos dois, dirigiu-se ao salão do cabaré, passou um “rabo de olho” pelos quatro cantos, certificou-se se estava tudo em ordem, deu instruções às “meninas” para que cuidassem dos seus “homens.” Verificou se a cozinha estava tudo nos conformes, organizada, e se mandou para ficar com seu amado.
Quando se dirigiu para o aposento, um coronel afoito das redondezas, que há muito vivia doido para comê-la e logo cedo já estava no cabaré bebendo, passou-lhe as mãos na bunda, se atracou com a cafetina murmurando no ouvido dela que daquela noite não passava suas intenções:
– Vamos, mulher! Por que tu não queres me dar, hem? Só queres saber daquele sacripanta que te deixa aqui sozinha? Hoje tu és minha!
Maria Bago Mole, mulher que não engolia desaforo, deu umas joelhadas nos cunhões do coronel afoito e, antes de ele cair com a dor, gemendo, ela chamou duas “meninas”, ordenou que o arrastassem para a rua e lhe dessem o destino desejado, mas sem antes de dizer-lhe umas poucas e boas no ouvido:
– Homem nenhum desrespeita minha “casa”, está me ouvindo?! Enquanto eu mandar aqui homem nenhum desmoraliza meu “lar” – disse ela com o olhar firme no salão abarrotado de homens bebendo, comendo e agarrando suas “meninas” e se dirigiu ao aposento para comemorar o aniversário com seu amado.
Maria Bago Mole nasceu para ser cafetina.
Maria Bago Mole nasceu para ser cafetina e Sancho para apreciar as coisas cafetinísticas e maravilhísticas que Cícero, do Trio Los Tavares, nos escreve aqui no Cabaré do Tio Berto. Grande semana ao escritor, a quem homenageio com frase de coluna dele onde colocou frases de nossa amada Bago: “No dia que você der uma cagada no mato, limpar o cu com uma folha de urtiga e as beradas não ficarem vermelhas, coçando, você nasceu com o rabo virado para lua de sorte. A urtiga tinha as folhas abicharadas.”(Maria Bago Mole).
Uma ótima semana sem urtiga para todos nós, fubânico Cícero.
Querido Sancho Pança,
Brigadão pela visita, apreciação das estripulias de Maria Bago Mole com a reprodução de uma de suas frases antológicas.
Vem muito mais por aí!
MBM aprendeu com a vida. As porradas dos momentos ruins ela soube transformar em lições que não se aprendem nos bancos escolares.
Acolhia mais do que desfrutava. Quantas “rapariquitas” do mato não fizeram sucesso no seu cabaré e de lá saíram com o futuro assegurado? Vamos ver!
Uma mulher que é expulsa de casa pelo pai rigoroso, que sai de cabeça erguida e encontra acolhimento numa vila sem esperança e transforma essa vila em esperança aos nativos, possuía um espírito empreendedor só encontráveis em mulheres inteligentes.
E a profissão que ela escolheu? O fado lhe pôs no caminho e ela soube profissionalizá-lo!
Excelente texto. Nos cabarés do Crato também tinha a Cafetina, suas asseclas e os Coronéis do asfalto, industriais e comerciantes abastados, cada qual com sua Bago Mole carinhosa e semore disposta a distribuir carinhos, afetos e sexo.
Grande Xico,
Eu tomei conhecimento das estripulias de Maria Bago Mole por meio do meu irmão José Tavares Sobrinho, apreciador contumaz de suas crônicas curtas e sábias.
Ele conheceu e conversou com muitos remanescentes da época da instalação do cabaré na Vila dos Vinténs. Falavam que MBM era realmente uma mulher muito avançada para o seu tempo. Sabia negociar com carne mijada. Só não revolucionou e expandiu o cabaré por outras paragens porque preferiu ser amada pelo coronel Bitônio Coelho e morrer por ele. O amor falou mais alto.
MBM é um misto de ficção e realidade. A Vila dos Vinténs realmente existiu e lá foi onde ela instalou o cabaré quando percebeu que havia uma carência de mulheres para dar diversão os homens naquela época tão sisuda.
Imagine como era o cérebro dessa mulher?
Caríssimo Amigo Ciro.
Maria Bago Mole nasceu para ser cafetina. Concordo.
Também digo que o nosso querido Ciro nasceu para nos deleitar com as
sensuais aventuras e presepadas da grande personagem de sua criação,
a famosa, amada e desejada Maria Bago Mole.
Ciro, meu caro, quando você nos premia com os fabulosos relatos desta
personagem , para nós, já icônica, é um festão para os seus leitores e
admiradores, pois nada parecido e tão ” ciceriano ” acontece ao acaso.
Todas segunda feiras, quando acesso o JBF e dou de cara com uma
nova aventura da famosa Maria Bago Mole, exclamo com prazer ” ganhei o dia ”
Como dizem os mineiros : Caiu muita linguiça no meu pirão.
PS. Já pensou em escrever um diário sobre as aventuras e
acontecenças naquele paradiso de amor e loucuras ?
Um grande abraço querido Amigo.
Estimado irmão do coração D.Matt.
Só em saber que o mestre dos filmes de faroeste é um apreciador das estripulias de Maria Bago Mole, cuja história de vida é fascinante, aumenta-me mais ainda a responsabilidade de contar “os causos eu conto como os causos foram,” sem macular a imagem dessa figura fascinante que, apesar de ser cafetina, viveu para um único homem sem dele precisar de nada material, só o amor!
Como explicar essa trajetória de vida fascinante é o que vou tentar fazer ao logo dos capítulos aqui publicados.
Maria Bago Mole não conquistou nenhum império, não foi rainha, não enfrentou batalha, mas conquistou o amor do seu homem e encantou-se feliz à sua maneira.
A história dela é linda, fascinante, comovente, impagável!
Maria Bago Mole era uma empreendedora, gerente de uma empresa de entretenimento
Exatamente isto Professor !. Empreendedora com cnpj e assessoria semelhante ao Sebrae !.
Uma mulher que mudou o slogan : Quem tem conhecimento vai pra frente , e as vezes atrás também !. ( brincadeira de domingo com cerração forte ).
Caríssimo Joaquimfrancisco,
Realmente, se Maria Bago Mole não fosse empreendedora e de pulso firme, o cabaré que ela fundou teria sucumbido ao primeiro assassinato que houve no entorno do puteiro por disputa de mulheres entre peões, posseiros, fazendeiros e empresários…
Interessante é que pelos relatos dos remanescentes ela nunca procurava os “comissários de polícia” da época da resolver os “conflitos”. Ela mesma era de tudo um pouco. Encontrava sempre uma saída para o imbróglio.
Maurício,
Ela era realmente um empreendedora nata!
Expulsa de casa nem ela mesma sabia por que, por causa dos preconceitos arraigados da época, com uma “mão na frente e outra atrás”, enxergou naquela Vila inóspita a oportunidade de montar um cabaré para dar emprego duro às “meninas” que eram jogadas na rua da amargura pelos pais que não aceitavam viver em casa filhas “defloradas”.
Maria Bago Mole juntou o útil ao agradável e montou um cabaré dos sonhos dos homens da época, que nunca tinham visto nada igual.
Era uma empreendedora nata! Detalhe: viveu para o seu homem até morrer.
Como morreu? Só no último capítulo da saga.
Tenho uma grande curiosidade: MBM é personagem real ou fictício?
Caríssimo Pablo Lopes,
Gosto demais dos comentários do nobre comentarista.
Desde já agradeço a apreciação e participação nessa história fascinante, comovente, impagável.
Maria Bago Mole é um misto de ficção e realidade. O mais importante nessa história é que ela existiu de fato, construiu o cabaré e o transformou numa casa de diversão para os homens da época.
Deu “emprego” a muitas jovens que eram expulsas de casa por puro preconceito da época.