CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

XEXÉU E O DR. ÁUREO

Sempre tenho em alta consideração que Deus protege os tontos, os bêbados e os caipiras.

Meu curso ginasial (sou daquela época) foi feito na Escola Agrícola Gustavo Dutra em São Vicente, a 90 quilômetros de Cuiabá, hoje Instituto Federal de Mato Grosso. Nesse tempo a Escola era subordinada ao Ministério da Agricultura. Lá entrei em 1955 e saí em 1959. Em um raio de mais de 50 quilômetros só havia pequenos fazendeiros e sitiantes, além de onças, tamanduás, jararacas e lobos guará. A Escola foi fundada em 1943 por Getúlio Vargas e se destinava à preparação de jovens do campo para a agricultura e pecuária.

O Diretor da Escola nesse período foi o renomado Dr. Áureo Lino da Silva, Médico Veterinário, que tinha acabado de voltar de um curso de pós graduação nos Estados Unidos, algo absolutamente inédito para a região e para a época (o nome e o personagem são reais – Dr. Áureo veio a ser meu sogro muitos anos depois). Com tão elevado currículo, além de uma inteligência e carisma sem par, Dr. Áureo era tudo naquele fim de mundo na década de 50: era o Diretor, o Líder, o Delegado, o Juiz, o Educador, o Guru máximo, sendo que a sua fama chegava a Cuiabá, a capital do estado, que hoje tem uma rua com seu nome.

Ora, um de nossos colegas era conhecido pelo apelido de Xexéu, um capiau mais grosso que buzina de navio, alcunha que pregaram em sua pessoa, eclipsando totalmente seu nome verdadeiro, que até hoje ignoro. Era filho de garimpeiros em Poxoreu, à época nada mais que um vilarejo ao lado do chamado Morro da Mesa e que tinha sua maior atividade econômica baseada nos garimpos de diamante.

Xexéu era um aluno comum, sem nada que o distinguisse de um simples e ingênuo filho de garimpeiro que tinha grandes dificuldades em meter na cabeça como se calculava uma regra de três ou a diferença entre o pretérito perfeito e o imperfeito.

Após o término do curso ginasial agrícola em 1959 diagnosticou que ir adiante nos estudos era uma tarefa intransponível e decidiu retornar a Poxoreu para trabalhar no garimpo com o pai.

Diziam à época que, logo que voltou ao garimpo, um dia resolveu subir o tal Morro da Mesa e lá, avistando a paisagem ao redor, anunciou aos quatro ventos sua deslumbrante descoberta:

– “Nossa, não sabia que o mundo era tão grande!”

O Morro da Mesa em Poxoreu

Pois bem, nos inícios de 1960 o Dr. Áureo se mudou para São Paulo com a família, para trabalhar em outra área do Ministério da Agricultura: o Serviço de Inspeção Federal.

Pouco tempo depois nosso personagem Xexéu resolveu que o garimpo não era seu futuro e anunciou sua nova meta na vida: iria para São Paulo, onde as oportunidades abundavam e, com a recomendação do Dr. Áureo, seria facílimo arranjar um bom emprego à altura de sua elevada capacidade.

Em vão tentaram demovê-lo da ideia.

– “Vocês são uns invejosos. Vou procurar o Dr. Áureo e em dois tempos terei meu emprego.”

– “Mas como, se você não sabe nem onde ele mora em São Paulo? Aquela gigantesca cidade não é Poxoreu, meu caro, e lá o Dr. Áureo é só mais um entre milhões de pessoas!”

– “Vocês são uns ignorantes e estão menosprezando nosso Diretor. Isso não será problema, já que todo mundo sabe quem ele é e, por conseguinte, saberão onde mora.”

E lá veio o Xexéu, inocente, enfrentando uma viagem de 3 dias até São Paulo. Em uma manhã fria e nevoenta desceu do ônibus na antiga estação rodoviária no bairro do Bom Retiro. Tinha uma mala na mão, 684 gramas de poeira no cabelo e, diante de si, uma visão aterrorizante: uma sequência de arranha céus, gente, ônibus, bondes e carros por todos os lados numa zoeira infernal inimaginável para um caipira de Poxoreu. Estava mais perdido que grilo em galinheiro. Nessa hora começou a ter consciência da besteira que havia feito, mas como todo valente mato-grossense, não recuou. Viu um rapaz com uma mala entrando na rodoviária e disparou à queima-roupa:

– “Você conhece o Dr. Áureo Lino?”

– “Dr. Áureo Lino que foi diretor da Escola Agrícola em São Vicente?”

– “Sim, ele mesmo.”

– “Claro que conheço. Você quer saber onde ele mora?”

– “Sim, claro.”

E deu o endereço e todas as instruções para tomar o ônibus e chegar à casa do Dr. Áureo.

Para encurtar a estória, Xexéu encontrou o Dr. Áureo em sua casa, aproveitou para tomar um banho e deixar a poeira nativa em terras paulistanas, comeu algo, conversou, ganhou uma foto com a dedicatória do tão venerado Diretor e foi por ele convencido que São Paulo estava para Xexéu assim como o Deserto da Namíbia estava para botos cor de rosa.

No dia seguinte voltou à rodoviária e tomou o ônibus de volta para sua querência.

Na chegada em Poxoreu tirou o maior sarro de seus críticos. Mostrou que não teve problema nenhum em São Paulo, já que qualquer peão na rua conhecia o ilustre Diretor e, para não ter dúvidas, mostrou a foto com a dedicatória e uma mensagem de próprio punho aos antigos colegas de Xexéu. Reduziu seus desafetos a substrato de pó de traque.

Ah, e o rapaz da rodoviária?

Pois bem, seu nome era Gilson Nogueira, também foi aluno da Escola e estava tomando o ônibus para voltar a Cuiabá quando foi abordado pelo Xexéu.

6 pensou em “MAGNOVALDO SANTOS – PALM COAST – ESTADOS UNIDOS

  1. Meu caro Magnovaldo,

    Conheci São Vicente em agosto de 1981, Quando recém formado, fui vender Adubos Manah para a gauchada que estava invadindo o Matogrossão.
    Ali perto, entre D. Aquino e Poxoréu, tinha um garimpo de diamantes, o Alcantilado, no Buraco da Mundica.
    Garimpei um tempo ali também.
    Em 1983 fui para Sinop, onde fiquei até 1986.
    Fazem uns 8 anos que não vou lá.

    • Beleza.
      Estive de volta a São Vicente em 1979 e depois disso nunca mais voltei àquela região, da qual sinto uma saudade imensa.
      Abraços

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