Literatura de cordel é um gênero literário popular, escrito de forma rimada, originada em relatos orais e depois impressa em folhetos. Remonta ao século XVI, quando o Renascimento difundiu a impressão dessas narrativas, mantidas até a atualidade, como forma de expressão poética no Brasil. O nome tem origem na forma como tradicionalmente os folhetos eram expostos para a venda em Portugal, pendurados em cordas, cordéis ou barbantes.
No Nordeste do Brasil o nome foi herdado, entretanto a tradição portuguesa não se perpetuou: o folheto brasileiro pode ou não estar exposto em barbantes. Alguns poemas são ilustrados com xilogravuras, também usadas nas capas. As estrofes mais comuns são as de dez, oito ou seis versos. Os autores ou vendedores de cordéis recitam esses versos de maneira melodiosa e cadenciada, algumas vezes acompanhadas de pandeiro, além de fazerem leituras ou declamações muito empolgadas e animadas para conquistar os possíveis compradores.
Os temas abordados na literatura de cordel são diversos, geralmente estão ligados a acontecimentos do cotidiano, lendas, religião e episódios históricos. Qualquer assunto pode virar material inspirador para o escritor de cordel. Para compreender essa criatividade poética, transcrevemos os versos do talentoso cordelista Francisco Diniz:
O QUE É LITERATURA DE CORDEL
Literatura de Cordel
É poesia popular,
É história contada em versos
Em estrofes a rimar,
Escrita em papel comum
Feitas para ler ou cantar.
A capa é em xilogravura,
Trabalho de artesão,
Que esculpe em madeira
Um desenho com punção
Preparando a matriz
Pra fazer reprodução.
Mas pode ser um desenho
Uma foto, uma pintura,
Cujo o título, bem à mostra,
Resume a escritura.
É uma bela tradição,
Que exprime nossa cultura.
7 sílabas poéticas,
Cada verso deve ter
Pra ficar certo, bonito
E a métrica obedecer,
Pra evitar o pé quebrado
E a tradição manter.
Os folhetos de cordel,
Nas feiras eram vendidos,
Pendurados num cordão
Falando do acontecido,
De amor, luta e mistério,
De fé e do desassistido.
A minha literatura
De cordel é reflexão
Sobre a questão social
E orienta o cidadão
A valorizar a cultura
E também a educação.
Mas trata de outros temas:
Da luta do bem contra o mal,
Da crença do nosso povo,
Do hilário, coisa e tal
E você acha nas bancas
Por apenas um real.
Literatura de Cordel é um tema que admiro e leio. Sou um fã de Braulio Bessa que renouvou com seu talento esse gênero literário.
Bráulio Bessa Uchoa nasceu no município de Alto Santo, no Sertão do Ceará, no ano de 1986. Com 14 anos aprendeu a amar a poesia de seu conterrâneo Patativa do Assaré (1909-2002), depois que uma professora passou um trabalho escolar de pesquisa sobre o grande poeta de cordel.
Bráulio Bessa entrou em contato com a poesia de Patativa e se tornou um “fazedor de poesias”, como ele mesmo se define. Com grandes sonhos, ingressou na faculdade, no curso de Análise de Sistemas, que lhe motivou a criar um movimento na internet para divulgar e defender o povo e a cultura nordestina, do preconceito que aflora no resto do país.
Em 2012, Bráulio criou o blog “Nação Nordestina”, que logo conquistou milhares de seguidores. Com a força do projeto e o objetivo de divulgar a literatura de cordel, o poeta reuniu sua paixão pela cultura popular, pela poesia matuta de cordel e a internet, e em sua cidade natal, através do celular gravou um vídeo onde faz um protesto contra as drogas e postou na internet. O vídeo fez grande sucesso. Ciente do poder da mensagem que a literatura de cordel leva para as pessoas, Bráulio passou a gravar com frequência e postar suas poesias na mídia. Logo, seus vídeos conquistaram 30 milhões de visualizações.
O sucesso de suas poesias chegou ao ambiente da televisão e Bráulio passou a se apresentar em programas de entrevistas, onde declamava e contava suas histórias. Foi convidado pelo programa Encontro, da Rede Globo e com o sucesso conquistado passou a ocupar semanalmente um quadro intitulado “Poesia com Rapadura”.
Vitorino,
Agradeço ao seu comentário que complementou o meu artigo sobre a literatura de Cordel com uma minibiografia de Braulio Bessa. Aproveito a oportundidade nesse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar os versos rimados, metrificado e criativos de Bráulio Bessa num poema sobre a saudade com o prezadado amigo:
DEFINIÇÃO DE SAUDADE
Eu já vi muitos poetas
falando sobre saudade,
da dor que a danada causa
e de sua crueldade.
Meu resumo é mais miúdo:
é a lembrança de tudo
que faz falta de verdade.
Quem tem um pé de saudade
no vaso do coração
adubado de lembrança,
regado de solidão,
vê a raiz se espalhar
sem conseguir respirar
pois vai bater no pulmão.
Saudade é uma inquilina
que aluga nossa mente
sem contrato de aluguel,
sem nos pagar mensalmente.
E ligeiro se revela
que a gente mora nela
e ela mora na gente.
A saudade se espalha
na alma feito alergia,
quanto mais a gente coça
parece até que dá cria.
Uma doença comum
que atinge qualquer um
que já foi feliz um dia!
Há quem viva nesta vida
poupando tudo que tem,
se preocupando em deixar
carro, casa ou outro bem.
Mas lhe digo uma verdade:
bom mesmo é deixar saudade
no coração de alguém.
Já vi muita evolução
pro bem da humanidade,
vi cientistas curando
tudo que é enfermidade.
Mas até hoje eu duvido
inventar um comprimido
pra aliviar a saudade.
Por mais que seja cruel,
não age com preconceito,
pelo menos nesse ponto
admiro o seu conceito
baseado em igualdade:
tem um tipo de saudade
pra todo tipo de peito.
Se abrir um coração
e revirar pelo avesso,
tem o mapa de um tesouro
que ninguém conhece o preço:
tem rua, bairro e cidade,
afinal toda saudade
tem um nome e um endereço.
Bráulio Bessa, Poesia que transforma
Saudações fraternas,
Aristeu
Literatura de Cordel era uma leitura muito comum há alguns anos atrás. Lembro-me que acontecimentos importantes eram retratados nos cordéis. Funcionava como um jornal para os nordestinos se atualizarem. Hoje, temos a televisão, a internet e ficou na história essa literatura que tanto agrada aos ouvidos por serem versos rimados. Continuo a ler os cordéis apesar da mídia nos atualizar porque gosto de ler belos versos.
Messias,
Muito obrigado por seu ótimo comentário. Aproveito para fazer um pequeno relato de Leandro Gomes de Matos, o talentoso cordelista que escreveu mais de seiscentas histórias, distribuídas em mais de 10 mil edições. Leandro Gomes de Barros nasceu no sítio Melancia, município de Pombal (PB), em 19 de novembro de 1865, morrendo em Recife (PE), em 4 de março de 1918. Foi o primeiro a escrever e editar histórias versadas em folhetos. Atéos 15 anos viveu em Teixeira, centro de poesia popular.
Mudou-se em 1880 para Pernambuco, tendo vivido em Vitória de Santo Antão, Jaboatão e Recife. Começou a escrever em 1889 e, sobrevivendo de folhetos, sustentou uma numerosa família.
Compartilho com o amigo o poema, abaixo, de Leandro de Barros declamado no vídeo em que Ariano Suassuna ratifica sua crença em Deus:
O MAL E O SOFRIMENTO
Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?
Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?
Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?
Saudações fraternas,
Aristeu
Parabéns pela excelente postagem, prezado Aristeu! Aprendi a gostar de Cordel desde criança. Na feira de Nova-Cruz havia um vendedor de Cordéis, (folhetos pendurados num cordão), que lia em voz alta versos rimados, contando dramas e acontecimentos familiares, quase sempre trágicos ou pitorescos.
Gostei muito .do poema sobre a saudade, acima postado por você, do poeta Bráulio Bessa,
Um abraço e uma ótima semana!
Violante Pimentel Natal (RN)
Violante,
Muito obrigado pelas generosas palavras. Você possui sensibilidade poética que constatamos nas suas crônicas através de metáforas belíssimas. Bráulio Bessa possui talento que justifica o seu sucesso. Fico contente quando vejo seus livros nas livrarias sendo disputados por pessoas de todas idades. A boa poesia vende bastante, entretanto há um certo preconceito com esse gênero literário. O poder de sintese do poeta é uma qualidade nesse tempo de correria, então nada melhor do que ler poesia de excelência feita com poucos versos. Aproveito a ocasião para compartilhar um poema de Bráulio Bessa com a prezada amiga:
RECOMECE
Quando a vida bater forte
e sua alma sangrar,
quando esse mundo pesado
lhe ferir, lhe esmagar…
É hora do recomeço.
Recomece a LUTAR.
Quando tudo for escuro
e nada iluminar,
quando tudo for incerto
e você só duvidar…
É hora do recomeço.
Recomece a ACREDITAR.
Quando a estrada for longa
e seu corpo fraquejar,
quando não houver caminho
nem um lugar pra chegar…
É hora do recomeço.
Recomece a CAMINHAR.
Quando o mal for evidente
e o amor se ocultar,
quando o peito for vazio,
quando o abraço faltar…
É hora do recomeço.
Recomece a AMAR.
Quando você cair
e ninguém lhe aparar,
quando a força do que é ruim
conseguir lhe derrubar…
É hora do recomeço.
Recomece a LEVANTAR.
Quando a falta de esperança
decidir lhe açoitar,
se tudo que for real
for difícil suportar…
É hora do recomeço.
Recomece a SONHAR.
Enfim…
É preciso de um final
pra poder recomeçar,
como é preciso cair
pra poder se levantar.
Nem sempre engatar a ré
significa ca voltar.
Remarque aquele encontro,
reconquiste um amor,
reúna quem lhe quer bem,
reconforte um sofredor,
reanime quem tá triste
e reaprenda na dor.
Recomece, se refaça,
relembre o que foi bom,
reconstrua cada sonho,
redescubra algum dom,
reaprenda quando errar,
rebole quando dançar,
e se um dia, lá na frente,
a vida der uma ré,
recupere sua fé
e RECOMECE novamente.
Desejo uma semana com paz, saúde e alegria
Aristeu
Obrigada pelas palavras gentis, Aristeu, e por compartilhar comigo este belo poema do grande Bráulio Bessa, “RECOMECE”! Adorei!
Grande abraço!
Do hilário, coisa e tal
E você acha nas bancas
Por apenas um real.
Aproveito o espaço para recordar a todos a musa fubânica do cordel, a Wonderful Woman Dalinha Catunda.
Saudações sanchianas, grande abraço, Arisnosso…
Sancho Pança,
Grato por seu valioso comentário. Muito bem lembrado a cordelista Dalinha Catunda. Ela é uma das talentosas poetisas do admirável mundo da poesia popular. Compartilho uma glosa de Dalinha catunda sobre o mote de Bráulio Bessa:
QUANTO MAIS SOU NORDESTINO
MAIS TENHO ORGULHO DE SER.
Eu sou cria do sertão
Nasci no meu Ceará
Como cuscuz com jabá
Tapioca em vez de pão
A paçoca de pilão
Como até não mais caber
E chego a me embevecer
Com esse mote Agrestino:
QUANTO MAIS SOU NORDESTINO
MAIS TENHO ORGULHO DE SER
Saudações fraternas,
Aristeu