VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Por mais que se queira esquecer as amarguras da vida, as armadilhas do destino, e as pedras que encontramos pelos caminhos, as lembranças tristes sempre ocupam espaço na nossa mente.

Tento me fixar nas boas lembranças e desterrar os pensamentos amargos. para o Céu, onde os anjos, que não desceram à terra, continuam com a mesma idade e as mesmas asas.

As marcas que tenho na alma são tão profundas, que, mesmo na maturidade, muitas vezes sonho na casa grande de Nova-Cruz, de quintal enorme, ouvindo o apito do trem, e com a certeza de que depois da Rua Grande, correm os Rios Curimataú e Bujari, os rios temporários da minha infância.

A vida acumulou em mim tempestades de emoções. Ventania, chuva, e vida que segue. Há muitos anos, pessoas queridas moram no “convento” que há além da morte e que se chama Paz!” Penso na minha Mãe.

Esqueci o berço, mas não esqueci o colo. Carícia que volta, com doçura de eternidade..

Nova-Cruz não tinha energia elétrica e era fácil admirar o Céu estrelado. Eu, Salete e Auxiliadora, minhas amigas de infância, gostávamos de olhar para o Céu todas as noites, para contar as estrelas. Matina, a avó de Salete, nos alertava para o perigo que corríamos em contar estrelas. Esse costume, segundo ela, iria resultar no aparecimento de verrugas nos nossos dedos. Crendice popular, que nunca se concretizou.

Eu tinha pavor a dentista. Certa vez, precisei de tratamento dentário e minha mãe me prometeu o presente que eu quisesse, para que eu não desse escândalo no Consultório Dentário do Dr. Gilberto Tinoco, como eu, ainda criança, costumava fazer. Escolhi um presente impossível: A estrela Dalva. Mas me comportei bem e não gritei. O presente foi substituído por chocolates “torrone”.

Quando minha Mãe morreu , escolhi a estrela mais brilhante que vi no Céu, para ela habitar.. Ainda hoje, quando a tristeza me pega de frente, converso com minha mãe, olhando para essa estrela, minha estrela-guia.

Mesmo na maturidade, ainda me sinto a mesma menina, à procura de uma estrela. Sinto saudade de ser embalada. Insônia é isso…. É o milagre do amor de Mãe, o amor puro e verdadeiro.

Mais triste do que sentir saudade, é não ter do que sentir saudade. Só se tem saudade de momentos felizes.

O bom seria que pudéssemos segurar a felicidade e manter no olhar a magia dos sonhos. Que nunca esquecêssemos as brincadeiras da infância, a solidariedade e a compaixão.

Temos que desfrutar das coisas boas da vida. Não adianta vivermos à espera de ocasiões especiais, nem de apoteoses de felicidade. Cada dia é especial e deve ser vivido intensamente.

O amor, já se descobriu que é a solidão a dois. Então, a solidão sempre perseguirá o homem, sozinho ou acompanhado.

14 pensou em “LEMBRANÇAS

  1. Violante,

    A crônica me deixou com uma saudade saudável da minha infância. O medo do dentista era muito comum, pois a zoada da broca significava que a dor chegaria. Lembro que mudava o lado da rua para evitar passar na frente de um consultório dentário. As lembranças mais agradáveis eram passar as férias em Iguaraci/PE. O transporte utilizado era o trem. Cada estação tinha vendedores de laranja cravo, sanduíche de galinha, rolete de cana, cocadas e outras delícias.
    Carlos Drummond de Andrade tem uma frase belíssima sobre essa fase da vida:”Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons”.
    Aproveito esse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar um poema desse poeta, contista e cronista mineiro com a prezada amiga:

    INFÂNCIA – Carlos Drummond de Andrade

    Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
    Minha mãe ficava sentada cosendo.
    Meu irmão pequeno dormia.
    Eu sozinho menino entre mangueiras
    lia a história de Robinson Crusoé,
    comprida história que não acaba mais.

    No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
    a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
    chamava para o café.
    Café preto que nem a preta velha
    café gostoso
    café bom.

    Minha mãe ficava sentada cosendo
    olhando para mim:
    – Psiu… Não acorde o menino.
    Para o berço onde pousou um mosquito.
    E dava um suspiro… que fundo!

    Lá longe meu pai campeava
    no mato sem fim da fazenda.

    E eu não sabia que minha história
    era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

    Saudações fraternas,

    Aristeu

    • Obrigada pelo gratificante comentário, prezado Aristeu Bezerra! Fiquei feliz por você se identificar com o medo que eu tinha do dentista…rsrs. Conheci pessoas adultas, que esperavam os dentes caírem, para procurar um dentista. Inclusive, um médico de Natal, que foi trabalhar em Nova-Cruz. rsrs

      Obrigada por compartilhar comigo o belíssimo soneto “INFÂNCIA”, de Carlos Drummond de Andrade! Adorei!!!

      Um grande abraço e um feliz fim de semana!

      Violante

  2. Mexeu comigo. Na próxima segunda minha mãe faria 97 anos. Há quatro anos partiu e a saudade é imensa. As lembranças cutucam o passado intensamente.

    • Obrigada pelo comentário, prezado Maurício Assuero! Imagino a imensa saudade que está sentindo da sua querida Mãe, principalmente às vésperas dos 97 anos que ela completaria na próxima segunda. Um grande abraço para você, amigo, e a minha solidariedade!

  3. Durante a leitura de sua crônica, viajei no tempo e fui para Caruaru dos anos 50, voltei para a infância distante, senti a presença de minha saudosa mãe Biliu Cajueiro, ouvi o apito da Maria Fumaça, pesquei no Ipojuca e nadei no Riacho dos Mocós.
    Obrigado pelo despertar de lembranças boas.

    • Obrigada pela gentileza do comentário, prezado Claudemiro Cajueiro! As histórias da nossa infância são bem parecidas. Isso me emocionou…Conheço bem essa saudade…

      Um grande abraço!

  4. nesta vida,Deus tem o poder de responder muitas petições,em respostas a nossas orações, mas não todas , simplesmente porque não vai fazer nesta dipensação , aquilo que está reservado para a proxima. para aqueles que nele esperam.um abraço.

    • Obrigada pela presença e pela bela mensagem, amigo Francisco Pereira!

      O tempo de Deus, só ele é quem sabe. Queremos sempre mais…

      Um grande abraço!

  5. Cara Violante

    Teu texto invocou em mim tantas recordações e emoçoes que seria difícil comentar sobre todas elas.

    Me identifiquei muito com tua poética relação com o céu e as estrelas.

    Também cultivei tal relação e, hoje não encontro mais a poesia celeste de minha infância. Mudou o céu ou mudei eu?

    Obrigado e parabéns pelo texto

    • Obrigada pelo generoso comentário, prezado Pablo Lopes! Fiquei feliz por você também se identificar com o céu e as estrelas. Na minha adolescência, gostava de escrever sonetos e buscava inspiração no lirismo do céu estrelado. É o que existe de mais bonito! Lamentavelmente, o romantismo de antigamente já não existe.

      Um abraço e uma ótima semana!! .

  6. Obrigado pela crônica, queridíssima Violante Pimentel.

    Transportou-me à tenra idade de dez anos quando papai me levou ao dentista do Centro de Carpina (PE) para o “Dr.º João Silva” observar-me um dente que estava doendo há dias!

    Até hoje eu carrego uma dúvida que papai nunca contou, ou talvez nem ele mesmo sabia, que o “Dr.º João Silva” não era formado. Assim que eu sentei na cadeira e que eu lhe contei as dores que vinha sentindo, eu me olhou, com cara de poucos amigos e disse: “é caso de extração!”

    “Dr.º João Silva” dirigiu-se a papai e disse: “vou arrancar o dente do garoto, não prejudica a estética e não doe mais. Prometa um presente a seu filho.”

    Assim que papai me disse: “eu vou dar-lhe um peão” o “Dr.º João Silva” arrancou-me o dente que nem senti. Mas perdi meu dente para um “médico” irresponsável e até hoje lamento a perda!

    As recordações da infância sempre nos marcam, positivamente ou negativamente, dependendo dum “Dr.º João Silva” no nosso caminho, na nossa infância!

  7. Obrigada pela gentileza do comentário, querido cronista Cícero Tavares! Antigamente, nas cidades do interior nordestino, havia muito charlatão se passando por médico ou dentista. A carência de profissionais fazia com que o povo se submetesse a tratamentos grosseiros, imaginando que estavam se tratando com verdadeiros profissionais Restauração de dente não existia. Só havia mesmo extração…kkkk Os “dentistas” queriam sempre extrair os dentes do povo, para colocar uma prótese (dentadura) , principalmente na época da política…kkkk…

    Um abraço, amigo e uma ótima semana!

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