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Editorial Gazeta do Povo

Após a vitória, o presidente eleito da Argentina, Javier Milei, cumprimentou os apoiadores reunidos para ouvir seu discurso, em Buenos Aires.

Após a vitória, o presidente eleito da Argentina, Javier Milei, cumprimentou os apoiadores reunidos para ouvir seu discurso, em Buenos Aires

Em um segundo turno cujo resultado acabou não sendo tão apertado quanto se imaginava, o libertário Javier Milei superou seu adversário, o peronista de esquerda Sergio Massa, por pouco mais de dez pontos porcentuais de vantagem, e será o novo presidente da Argentina a partir de meados de dezembro deste ano. O candidato governista e atual ministro da Economia acabou sendo o primeiro a reconhecer a derrota, parabenizando o vencedor, em uma demonstração de civilidade que, a julgar pelas primeiras reações deste lado da fronteira, não será repetida pelo petismo – que, aliás, jogou pesado em favor de Massa, inclusive emprestando marqueteiros que usaram uma retórica de campanha baseada no puro medo de uma vitória de Milei. Tampouco funcionou para o governista a estratégia de elevar benefícios e subsídios na reta final da campanha.

As votações expressivas que Milei acumulou desde as primárias, em agosto, levaram inúmeros comentaristas a usar termos como “raiva” e “revolta”, como se os argentinos estivessem votando com o fígado e não com cérebro. No entanto, em segundos turnos que costumam ser verdadeiros “concursos de rejeição”, rejeitar o candidato que representa o governo responsável por inflação descontrolada e pela ampliação da pobreza não deixa de ser uma escolha bastante racional. Mesmo no primeiro turno, quando havia uma candidatura competitiva na centro-direita, a de Patricia Bullrich, pode ter pesado na memória dos argentinos o período em que Mauricio Macri, ao optar por reformas graduais, não foi capaz de controlar a crise econômica e terminou seguindo as mesmas receitas do populismo de esquerda, inclusive congelando preços. Milei é uma aposta, sem dúvida alguma; mas não seria aposta menor manter no poder a esquerda acreditando que ela seria capaz de fazer algo diferente do que tem feito.

Vencer a eleição não foi um desafio simples para Milei, mas ainda assim foi apenas o primeiro e o mais fácil deles; assim que tomar posse, o libertário terá a árdua missão de tirar a Argentina de um enorme atoleiro construído ao longo de muitas décadas: Estado inchado – muito mais inchado que o brasileiro – e uma enorme parcela da população vivendo na pobreza e dependendo de auxílios estatais, o que por sua vez pressiona o orçamento. E, para realizar o choque necessário, ele certamente terá de amenizar seu plano de governo, deixando de lado promessas radicais como a dolarização da economia e a extinção do Banco Central, pois, ainda que sua coalizão tenha aumentado significativamente o número de cadeiras tanto na Câmara quanto no Senado, o novo presidente ainda dependerá do apoio da centro-direita e, provavelmente, de outros grupos políticos para conseguir maioria parlamentar.

Assim, as medidas iniciais devem seguir a linha do corte de gordura do Estado argentino. Milei já anunciou a privatização de empresas de comunicação, e manifestou a intenção de vender também a estatal petrolífera YPF. A empresa, que completou seu centenário no ano passado, já foi privatizada uma vez, em 1999, sob Carlos Menem, e reestatizada em 2012, no governo de Cristina Kirchner; no entanto, a venda não ocorreria imediatamente, pois, na avaliação de Milei, a YPF está muito deteriorada e precisa ser recuperada para se tornar um ativo mais interessante e valioso. Já o enxugamento das estruturas de Estado será bem mais difícil, pois os sindicatos argentinos são extremamente poderosos e resistirão a qualquer tentativa de redução de pessoal ou corte de custos.

Um Milei mais pragmático, com os pés no chão, que deixe de lado as plataformas impossíveis e concentre esforços em fazer o que pode ser feito com a rapidez necessária, terá muito mais chance de sucesso – ou, ao menos, de frear o processo de caos econômico – que um presidente obcecado em demonstrar que o libertarianismo funciona. Corte de gastos, privatizações, fim das amarras ao comércio exterior e avanço na liberdade econômica e na facilidade de fazer negócios são medidas já testadas e aprovadas internacionalmente, e que podem e devem ser implantadas na Argentina. Que ele aproveite o capital político conquistado com a vitória de domingo para levar adiante as reformas essenciais, mostrando que é possível, sim, escapar da prisão mental em que o populismo aprisionou o sofrido povo argentino.

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