CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

NOVOS COMPROVANTES

A todo o instante o cotidiano brasileiro expede comprovantes pelos quais as tecnologias vão, crescentemente, expandindo o desábito à leitura, no papel.

No dia 7 de abril, por intermédio do texto publicado aqui no JBF, intitulado APOLOGIA AO LIVRO, exaltei a importância desse companheiro, fiel, desapaixonado, o livro. Porém, apontei circunstâncias que concorrem para a sua gradual obsolescência.

Afirmei que os livros já são encontrados rotineiramente nos lixões e que a inapetência à leitura, à beira do enjoo, por sobradas razões sugere conjecturar que as gerações pósteras poderão incorrer em falta grave, quiçá contravenção, se forem flagradas em ato de leitura ostensiva. No mínimo, será encaminhado a um manicômio aquele que, em via pública, se detiver às páginas de um livro. Por essa afirmativa tachas me vieram ao lombo: exagerado, escatológico, disparatado, hiperbólico, airado e por aí além.

Pois bem, agora me chega a notícia, fidedigna, relativa à colisão frontal entre dois caminhões. Um transportava frangos abatidos, o outro, livros. Em vinte minutos um magote de circunstantes encarregou-se de saquear completamente a carga de frangos não sobrerrestando sequer um naco de galináceo para uma canja a um enfermo.

No dia seguinte compareceu ao local dos destroços um inspetor educacional, incumbido de erguer um relatório circunstanciado acerca do que sucedera ao caminhão livreiro. Tomado de assombro o inspetor, — até então de face decomposta em desgosto —, constatou, satisfeito, que, salvante o escangalho das embalagens, nenhum livro fora furtado pelos saqueadores.

Tudo bem que livros e letras não fazem parte do cardápio dos que, entregues ao propósito de guarnecer-se de provisões de boca, habitam as franjas da sociedade.

Porém, com o perdão da virtude que me faz companhia desde o berço sertanejo, os saqueadores se houveram muito mal em não expandir suas práticas ilícitas ao carregamento livresco, subtraindo pelo menos um livro, ainda que a título de curiosidade. Se tal houvesse ocorrido isso se prestaria a refrigerar o ideário do livro que é o de ter sido concebido para tornar-se andejo, viver pelos caminhos, de mão em mão, de porta em porta, não em caixas mortuárias, se deslocando em múltiplas direções, procedimento similar ao das abelhas que, ao alçarem voo em busca do néctar, prestam valioso serviço à natureza e à humanidade. Durante o seu trajeto, as abelhas vão espalhando, naturalmente, por sobre os ovários das flores, os grãos de pólen que carregam nas suas corbículas, realizando, desse modo, a polinização responsável pela fecundação de frutos e, consequentemente, das árvores.

O fato da carga livreira ter recebido apenas olhares desinteressados dos saqueadores acentua a convicção de que o livro se encaminha, desapressadamente, para o rol das peças museológicas. Não é achismo, é realismo exato.

Quem já foi herói da utilidade, quem já prestou inestimáveis serviços, agora vai-se encaminhando para a obsolescência, para a necrópole da desutilidade. O sopro da modernidade é impiedoso, empurra todos para o ostracismo. Que diga o carro de boi, o jumento e outros personagens. Que amanhã o livro não seja tão caluniado e vilipendiado quanto sucedeu ao jumento!

Mas assim como um tango triste vivifica Carlos Gardel e a Guerra de Carnudos ressuscita Euclides, tu reaparecerás neste leitor escasso, amigo livro, sempre que uma tecnologia se propuser a substituir a tua linguagem.

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