VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Nunca ouvi dizer que alguém houvesse morrido, porque comeu uma tapioca. “Na prática, a teoria é outra”…

Dona Lia, minha Mãe, era, essencialmente, uma mulher “do lar”, apesar de ser Professora de Inglês, no Colégio Nossa Senhora do Carmo, em Nova-Cruz. Adorava costurar e cozinhar. Bolo “Cabano” era sua receita de bolo preferida, Também, fazia tapioca divinamente, habilidade da qual muito se orgulhava. Aliás, Dona Lia sabia cozinhar tudo muito bem. Sabia até fazer macarronada, fabricando a massa ela própria, artesanalmente, abrindo-a com um rolo de madeira e cortando-a em tiras largas, com a ajuda de uma faca de mesa. Colocava as tiras para secar, num pano de prato enxuto, estirado sobre uma mesa e polvilhado de farinha de trigo. Isso, numa época remota, quando ainda não havia, em Natal, e muito menos em Nova-Cruz, máquina de fazer macarrão.

Dizia sempre que não conhecia ninguém, que fizesse tapioca tão bem quanto ela. Tinha empregada, mas gostava de fazer, ela mesma, as tapiocas. A empregada se encarregava, somente, de raspar o coco.

Depois da goma permanecer de molho algumas horas, numa panela de barro, quando a goma “sentava”, ela escorria a água e colocava para secar, às vezes, sob o sol. Em seguida, peneirava a goma, colocava sal e esquentava bastante uma assadeira rasa. Baixava o fogo e espalhava na assadeira duas colheres de sopa cheias da goma e por cima uma colher de sopa de coco natural, que havia sido partido em duas quengas e raspado no tradicional “raspador”, que se colocava num tamborete e se prendia, sentando em cima do cabo. Sobre o coco, espalhava mais duas colheres da goma. Com a ajuda de uma faca, verificava se a parte de baixo estava toda unida, e virava a tapioca para que assasse do outro lado. O movimento era rápido, para que a tapioca não queimasse ou ficasse chamuscada. Sobre a mesa, mantinha um pano de prato limpo e seco, e em cima dele espalhava as tapiocas para esfriar. Depois, molhava cada uma delas com leite de coco puro e fresquinho, ao mesmo tempo em que encostava uma borda na outra, dobrando-as.

Numa tarde, em que Dona Lia tinha se esmerado, para fazer uma travessa de deliciosas tapiocas, no estilo tradicional, molhadas com leite de coco, eis que entra de casa a dentro uma parenta nossa, do tipo que não faz elogios a nada nem a ninguém. Como manda a boa educação, a parenta foi convidada a sentar-se à mesa e participar do nosso lanche da tarde, onde o prato único eram as tapiocas, acompanhadas de um excelente café, coado num pano, e cujo cheiro se espalhava pela casa toda.

A parenta comeu muita tapioca com café, sem fazer um só elogio. Enquanto isso, Dona Lia elogiava suas próprias tapiocas e as filhas e neta faziam eco:

– Que tapiocas maravilhosas, mamãe!!! Ô vó, que tapioca gostosa!!! Quero mais!!!

A parenta, então, empanturrou-se de tapioca, sem querer acordo com ninguém. Não deu um pio, para elogiar a habilidade de Dona Lia, por mais que ouvisse os elogios que nós lhe fazíamos.

De repente, para surpresa nossa, a mulher parou de comer e quebrou o silêncio:

– Lia, outro dia eu comi uma tapioca tão gostosa, na casa de Maria de Lourdes, uma amiga minha! Ela faz tapioca tão bem, como eu nunca vi igual!!!

Esse elogio, às tapiocas feitas por uma pessoa desconhecida de Dona Lia, soou-lhe aos ouvidos como uma grosseria, uma ofensa, uma desfeita das grandes.

O sangue de Dona Lia ferveu nas veias, ela ficou vermelha como uma pimenta e não se conteve:

– Tapioca melhor do que a minha??? Invente outra coisa!!! ISTO MESMO NÃO!!!

Dona Lia perdeu a graça, e teve de se controlar, para não dizer à parenta os desaforos que ela merecia ter ouvido.

Era uma parenta muito próxima. Quanto mais, se fosse uma “CONTRAPARENTA!!!

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