MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Logo após seu segundo casamento em 1952, seis anos após ficar viuvo, meu pai trouxe a nova esposa, Joaninha Macedo, além dos dois filhos que haviam sido deixados aos cuidados da avó materna, para a Bolívia, onde trabalhava na construção da Estrada de Ferro Brasil – Bolívia.

Sertãozão brabo de meu Deus! A cidade mais próxima, El Tinto, era apenas um amontoado de casas toscas. Havia duas ruas principais: a “Calle Alta” e a “Calle Baja”, sendo que no meio ficava uma espécie de largo com árvores cheias de bichos-preguiça e de velhos desdentados contando patranhas uns aos outros. O acampamento do pessoal da empreiteira, onde morávamos naquela ocasião (cada 6 a 7 meses mudávamos, conforme o avanço da estrada), estava a uns 20 quilômetros de El Tinto, no meio do mato, e era circundado por aldeias indígenas – os índios eram chamados de “bugres”.

Há, grosso modo, duas grandes famílias indígenas na Bolivia: as do altiplano, região de La Paz e do Lago Titicaca, e os da planície, na região de Cochabamba e Santa Cruz de La Sierra, onde estávamos. No altiplano as temperaturas são baixas devido à altitude (variam de 5 a 15 graus), ao passo que na região das planícies o clima é quente e úmido, o que provocava que os índios dessa região andassem basicamente sem roupas, apenas com curtos pindurucalhos a cobrir uma visão mais agressiva das partes pudendas (estou falando da década de 1950).

E aí estava minha madrasta, recém-casada, professorinha do interior do Rio Grande do Norte, vinda de uma família tradicionalíssima, cujo casamento com meu pai foi acertado por correspondência entre ele próprio e o sogro, sendo introduzida involuntariamente no mundo da selva boliviana.

Na sua segunda semana boliviana o acampamento do pessoal da construtora foi praticamente invadido pela manhã por um magote de bugres. Curiosos, entraram pela casa a dentro, pegando e examinando tudo com as mãos e os olhos, incluindo no “tudo” as roupas de minha madrasta. Quiseram ver e espolegar o que tinha por baixo da saia e da blusa, para desespero de Dona Joaninha. Reviraram as panelas, os talheres, os armários, as camas e tudo que despertasse sua curiosidade.

Mas o que acho que mais sacudiu Dona Joaninha foi, certamente, a visão inesperada daquele bando de homens musculosos, praticamente nús, com suas ferramentas anatômicas balouçando ao vento. Ficou paralisada de medo. Assim que conseguiu respirar gritou para que Deus a acudisse e saiu em disparada pela porta da cozinha. As vizinhas, já acostumadas com a situação, a acolheram, explicaram que isso era assim mesmo, e a aconselharam a nunca deixar as portas abertas.

Imagino que à noite, prestando melhor atenção ao meu pai, minha arretada madrasta deve ter feito alguma comparação entre os homens civilizados e os incultos bugres, mas o respeito paterno me impediu de prosseguir com meus pensamentos.

2 pensou em “INDIOS BOLIVIANOS

  1. Parabéns pelo excelente texto, prezado Magnovaldo Santos! Adorei!

    Gostei muito de conhecer a história dos índios da Bolívia. Fiquei horrorizada diante da invasão que eles fizeram à casa de seu.pai, querendo ver tudo o que tinha dentro.. Imagino a cara de pavor da sua madrasta, ” professorinha do interior do Rio Grande do Norte, vinda de uma família tradicionalíssima…”,ao se ver arrodeada de um bando de “homens musculosos, praticamente nús, com suas ferramentas anatômicas balouçando ao vento”.
    Acho que essa visão do inferno deve ter, por muito tempo, perturbado os pensamentos dessa santa mulher.

    Grande abraço!.

    • Querida Violante:
      Esse foi apenas um dos sustos que acometeram a professorinha do interior do Rio Grande do Norte. Nossa estadia na Bolivia foi repleta de coisas arrepilantes para ela. Para nós, moleques, nem tanto, pois tudo era novidade engraçada.
      Beijos cheios de estralos bugrelentos.
      Magnovaldo

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