MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

A internet está cheia de gente que gosta de passar o tempo discutindo, mesmo sabendo que nunca chegarão a uma conclusão. Têm discussão sobre futebol, sobre celebridades, sobre política e até sobre economia. Para cada assunto existem algumas provocações que são certeza de um debate interminável. Uma delas é o título deste pitaco: Imposto é roubo?

Do ponto de vista puramente gramatical, não há dúvida: roubo é tomar algo de alguém contra a sua vontade. Imposto é exatamente isso. Ou, para ser mais meticuloso ainda, imposto é extorsão; roubo é praticado com uso de violência, enquanto na extorsão há apenas a ameaça de violência em caso de desobediência. E antes que digam que o estado não usa de violência, eu conheci pessoalmente duas pessoas que foram presas em suas próprias casas pela polícia federal e levadas de camburão, algemadas, para a prisão, por não pagar impostos.

Por que então as pessoas reclamam se alguém lhes furta um objeto mas consideram normal entregar quase metade do que ganham ao governo em impostos, contribuições e taxas? Basicamente, porque acreditam que ser roubado pelo governo “é diferente” de ser roubado por um assaltante. Mas diferente como, e por que? Algumas respostas comuns são:

“É para ajudar os necessitados”

Não justifica. Se um assaltante distribuir o dinheiro que roubou entre as crianças pobres, ele não deixa de ser assaltante. Aliás, nas favelas brasileiras as milícias e as organizações criminosas (que também cobram seus impostos) ajudam mais os moradores do que o governo.

“O dinheiro volta para nós”

Também não justifica. Se um bandido assaltar um açougue, uma padaria e uma lanchonete e no dia seguinte voltar para gastar o dinheiro nestes mesmos lugares, ele não deixa de ser bandido. Além disso, basta observar a realidade para constatar que governos, invariavelmente, gastam a maior parte do que arrecadam com eles mesmos, e a parte que “volta para o povo” sempre fica cada vez menor.

“Mas como o governo vai construir hidroelétricas (ou aeroportos, ou pontes, etc)”

Nos lugares onde o governo não proíbe (são cada vez menos, infelizmente) a iniciativa privada constrói todas estas coisas, e quase sempre por preço menor e em menos tempo. As proibições existem justamente para que o governo finja ser indispensável, e para evitar o constrangimento das comparações.

Dá para notar que os que “defendem” a cobrança de impostos não negam que eles são cobrados à força e que isso, por definição, é roubar. O que estes argumentos fazem é alegar uma situação especial em que uma entidade específica, o governo, pode fazer isso em nome do “bem comum” ou algo parecido. Em outras palavras, o que diferencia o ladrão do governo é que o governo tem “legitimidade” para roubar.

Mas de onde vêm essa tal legitimidade? “da lei”, dizem seus defensores. Mas quem faz a lei? “O governo”. Então o governo dá legitimidade a si mesmo? “Ah, mas tem a democracia”. Mas na nossa democracia é o governo quem controla as eleições, define quem pode ser candidato, determina como os candidatos podem fazer campanha… Então a dúvida continua: de onde veio a legitimidade para o governo se considerar o dono da democracia?

Só para exemplificar: alguns militantes dizem que todos os presidentes desde 1889 são ilegítimos porque a proclamação da república foi um golpe. Golpe por golpe, podemos dizer que D.Pedro também deu um golpe ao se declarar imperador, contra as leis portuguesas e sem consulta ao povo. Aliás, essa coisa de “independência” é curiosa: em todo o mundo, quando uma parte de um país quer se separar, é chamada de golpista, traidora, criminosa, anti-patriótica. Mas depois que a separação acontece, os separatistas viram heróis, libertadores, “pais da pátria”.

Fiz essa divagação para mostrar que essa questão de legitimidade é complicada. Pedro Álvares Cabral e o rei D.Manuel não tinham legitimidade para ocupar o Brasil, mas passamos a ser parte do reino português mesmo assim. D.Pedro não tinha legitimidade para virar imperador, mas virou. Depois veio o Mal. Deodoro, depois Getúlio Vargas, depois Dutra, depois Costa e Silva… todos eles agiram fora das leis vigentes, mas conquistaram sua pretensa legitimidade à força. Ou seja, a legitimidade só vem da lei quando convém. Na prática, ela vem da força, e a força vem justamente da cobrança de impostos, que é usada para pagar exércitos e armas.

De minha parte, eu gosto de pensar que governo é como cabelo: têm que ser cortado com frequência, porque cresce sozinho. E quando o governo cresce, inevitavelmente os impostos crescem junto. Então, fazendo outra comparação, podemos dizer que impostos são como as doenças: não sabemos (ainda) como acabar com eles, mas não devemos parar de tentar.

20 pensou em “IMPOSTO É ROUBO?

    • Caro Marcelo, me cite apenas um lugar, país ou sociedade de pessoas no mundo (atual ou no passado) onde não haja nenhum tipo de imposto e eu mudarei de ideia quanto aos meus segundo e terceiros itens acima.

      • Imagino você no século 13 ao ouvir que o rei João jurou obedecer à Magna Carta: “Um rei obedecer a uma lei? Isso nunca deu certo antes!”

        Na Nova Zelândia em 1893: “Mulheres votando? Não vai dar certo, isso nunca foi feito antes!”

        Conhecendo Karl Benz em 1880: “Uma carruagem que anda sem cavalos? Absurdo! Isso nunca foi feito antes!”

        Mas falando mais seriamente, a frase que você citou iguala a morte aos impostos como inevitáveis. A morte com certeza é inevitável, mas nem por isso deixamos de considerá-la indesejável, e fazemos o possível para evitá-la. Meu texto expressa a mesma idéia com relação aos impostos: são indesejáveis e devemos nos esforçar para evitá-los.

        Respondendo à sua pergunta, aqui mesmo no Brasil, até 22 de abril de 1500 (e por algum tempo depois) havia várias sociedades, de vários grupos étnicos, que não conheciam o conceito de imposto. Isso existiu em todos os continentes.

        Mas, se cumprir sua promessa de mudar de idéia quanto ao segundo ítem, não o faça para o terceiro. A existência de imbecis é tão inevitável quanto a morte.

        • Não precisarei cumprir a promessa, pois mesmo nas comunidades indígenas mais primitivas havia imposto. Evidentemente não na forma de dinheiro.

          Os chefes das tribos eram os mais velhos, e eram eles que resolviam os problemas relacionados a doença, morte, desavenças familiares, atritos entre as tribos vizinhas, guerras e paz. O nome moderno para isso é Governo.

          Não havia propriedades nem demarcação de terras, mas havia territórios, agricultura e caça. Os mais capazes iam caçar e advinha? Tinham que pagar tributo, dando parte do que caçava para o chefe da tribo, que administrava tudo, ou seja, havia governo e impostos.

          Um mundo sem governo e impostos é o mesmo que um mundo onde o comunismo dá certo, ou seja, é mais fácil dar um jeito na morte.

  1. Marcelo,
    De sua parte, pensas que governo é como cabelo: têm que ser cortado com frequência, porque cresce sozinho. E quando o governo cresce, inevitavelmente os impostos crescem junto.
    Inevitavelmente me faz recordar frase que sempre grito neste JBF: Privatiza saporra toda, Bolsonaro.
    Redução de ministérios para 6(Fazenda, Educação, Saude, Defesa, Relações Exteriores e de Agricultura/pecuária/Pesca.
    Venda, doação e extinção de todas as empresas públicas e congêneres.
    Extinção do cargo de vice (função que só serve para puxar o tapete do titular).
    Venda das Universidades Públicas ao setor privado.
    Redução de cargos políticos: temos muito parlamentar e pouco resultado que beneficie a população.
    Extinção de todas as agências reguladoras.
    Bolsa família, INSS, seguro defeso e outros programas sociais com constantes auditorias e fiscalização de entidades nacionais (fora do ente governamental) e internacionais (deve ter na ONU algum buracrata que cuide de tais afazeres).
    Fim de qualquer benefício para preso.
    Prisão perpétua e/ou pena de morte para quem tira a vida de outrem sem que seja em defesa própria.
    Fim de cargos comissionados.
    E um largo etcétera…
    Creio que secando tais tetas sobra dinheiro para o Brasil progredir…

    OBS: Óbvio que cada caso requer ESTUDO, DISCUSSÃO e APERFEIÇOAMENTO por quem entende de cada um dos assuntos elencados.

    Para começo poderia o governante copiar e colar o modelo de gestão dos Estados Unidos da América ou da turma citada abaixo:

    Segundo a ONG TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL, os países menos corruptos do mundo:
    ranking produzido pela entidade vai de zero a 100
    Veja que não estamos no TOP6, que são:
    Dinamarca – 87 pontos
    Nova Zelândia – 87
    Finlândia – 86 pontos
    Singapura – 85 pontos
    Suécia – 85 pontos
    Suíça – 85 pontos.

    • É uma boa receita. Eu acrescentaria um ítem importante: extinção do Banco Central e criação de uma moeda atrelada ao ouro ou ao dólar.

      • Eu ia citar o BC, mas (malledeto mas), não possuo um mínimo de conhecimento de causa para opinar se seria bom negócio derrubar o “cofrinho do Tio Patinhas”. Se conseguir ser “independente”, o que duvido, já seria um grande negócio.

        Já sobre moedas, qualquer palpite sanchiano seria por demais temerário. kkkkkkk

  2. Não dou $$$ para o criança esperança, da rede esgoto, como não dou para a unicef, entre outras entidades de “ajuda humanitária”. Parte do $$$ (ou todo) fica com intermediários. Ajudo diretamente a quem precisa, simples assim. O $$$ vai 100% para o necessitado.

    A mesma lógica serve para o estado. Podemos afirmar, considerando a disparidade de salários entre o setor público e o setor privado, mais o inchaço da máquina pública, que somente uma pequena fração volte para o povo, mesmo que o salário dos privilegiados volte para o povo, continua sendo assalto.

    Outro aspecto: o empreendedor arrisca seu patrimônio em busca de obter resultados; o estado fica com a parte do leão, sem risco nenhum;

    • Concordo com vc, Osnaldo.

      Mas o Paulo Guedes não vai gostar muito. Li que em um evento ele disse, se referindo aos empresários, “Não precisam doar cesta básica. Paguem impostos.”

  3. Caro mestre (sim, mestre) Bertolucci,

    Como qualquer pessoa também não gosto de pagar impostos.

    Porém, só consigo imaginar um tipo possível de sociedade sem impostos: uma anarquia; sociedade sem estado.

    Daí faço a pergunta: neste caso, sendo os homens como são, o que iria valer? A lei do mais forte?

    Acho que, lamentavelmente, se não é possível uma sociedade viável sem estado, então não conseguimos evitar os impostos.

    Assim, talvez o melhor seria lutar por um estado menor, que utilize melhor os inevitáveis tributos e deixe o resto com os particulares.

    Um abraço.

    • Bem, Pablo, nós vivemos hoje em plena vigência da lei do mais forte. O mais forte é o estado. Mas “estado” é só uma abstração; então, o mais forte são os políticos, os juízes, os promotores e todos os demais funcionários do estado. Eles podem quase tudo, enquanto do lado de cá não podemos quase nada.

      Ou seja, na minha opinião, se acabar o estado, pior do que está não fica.

      Mas claro que o caminho é o que você indicou: lutar sempre por um estado menor, e principalmente por impostos menores, porque os impostos são o alimento que faz o estado crescer.

      Zero estado é uma idéia abstrata, como a perfeição: provavelmente nunca chegaremos lá, mas é nesse caminho que devemos seguir.

      • Caro Marcelo,

        Fiz um estudo há alguns anos, correlacionando o peso dos governos estaduais no PIB e a renda per capita dos nossos estados.

        A CORRELAÇÃO É PERFEITA! Quanto mais o governo estadual pesa na economia, mais miserável é o estado!

        A única exceção foi Brasília, mas este é um caso atípico. A economia é praticamente 100% voltada para o governo e tem a Renda Per Capita da Noruega. Claro! Mamando desbragadamente nos nossos impostos, sangrando todos os estados da federação, a coisa fica fácil.

        Podem levantar o seguinte questionamento: O estado é grande para atender à grande miséria do estado; ou a miséria do estado é grande devido ao peso imenso do aparato estatal? Qual a direção da causação? Eu não tenho a mínima dúvida.

  4. Outra coisa interessante.

    Na guerra civil espanhola, os anarquistas da Catalunha conseguiram se apoderar de uma cidadezinha. Fuzilaram alguns franquistas, expulsaram os padres e começaram a querer organizar a nova administração.
    FOI AÍ QUE O BICHO PEGOU!
    Como bons anarquistas que eram, ninguém obedecia a ninguém. A bagunça foi total! Cada vez que uma liderança tentava por ordem nas coisas públicas, todos os demais caiam de pau em cima do herói.
    O resultado é bem fácil de se prever: as tropas franquistas reconquistaram facilmente a primeira cidade totalmente sem governo do planeta. Aliás, a primeira e última. ahahahahah

    É por essas e outras que estou apoiando a criação do movimento “Anarco-Capitalista”!

    • Adônis, o lado republicano na guerra civil espanhola era “esquerda”. Tinha socialista, comunista e anarquista. Mas os anarquistas eram anarco-socialistas, isto é, queriam um mundo sem governo e sem propriedade privada. Aí realmente vira bagunça.

      Em Barcelona, a prefeitura um dia decretou que todos os salários deveriam ser iguais. Quando uma famosa cantora norte-americana que estava se apresentando lá ficou sabendo, ela entrou no palco levando pela mão a moça que trabalhava na portaria, e disse para o público: “Já que essa cidade acha que o trabalho de nós duas vale a mesma coisa, hoje ela vai cantar para vocês e eu vou ficar na portaria recolhendo os ingressos.” E saiu do palco.

      O anarco-capitalismo é outra coisa: é a ausência de um governo central com tudo sendo propriedade privada. Existindo propriedade privada, existem regras e respeito aos contratos. Ainda é um pouco utópico se pensarmos no Brasil de hoje, mas faz muito mais sentido do que o anarquismo de esquerda.

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