A PALAVRA DO EDITOR

Dr. Cosme era um homem muito rico, dono de fazendas, criador de cavalo, inimigo dos pobres, humilhador dos negros, mandante de pistoleiro, dado a velhacadas de cigano e alquilador. Podia comprar tudo o que via, mas não pôde comprar a saúde. Era um homem doente, sempre à morte. Não havia dinheiro que chegasse à mão dele que não fosse para comprar remédio ou para pagar a um esculápio, que ele mandava buscar, a peso de ouro, na cidade grande. Até mesmo tinha mandado chamar nigromantes e hierofantes do estrangeiro. Mas qual o quê! Sem sucesso! A doença dele ocupava toda a cidade. O sofrer do infeliz era tão grande que tirava o sono dos bons.

A fortuna dele, diziam, era fruto de uma pauta com o Sapucaio, quando ainda era menino pobre e a doença dele era por causa dessa negociata infernal com o Fute. Mas a verdade é que o amor ao dinheiro é fonte de cobiça e de avareza e adoece aquele que propõe pauta para ser rico. Ou uma coisa ou outra.

Aconteceu então, que um dia, o Dr. Cosme amanheceu foi morto. A riqueza dele não lhe reservou uma velhice tranquila e venturosa, rodeado de filhos e netos, nem lhe salvou da morte solitária. O velho corpo estendido jazia no quarto senhorial, numa casa abastada de tudo o que foi podido comprar. Nem esposa, nem filhos, nem netos. Nada.

Diz-se que durante o velório, chegou um homem muito branco, enlutado, todo encourado como um vaqueiro, com a face mortificada em vida. Sem tirar o chapéu preto, ele rodeou o caixão sete vezes, pois contaram. As velas apagavam quando ele passava perto. E foi-se embora sem falar com ninguém, do jeito como chegara.

Na hora do enterro pensaram que o caixão estava vazio, pois não pesava nadinha. Quem abriu para ver? Não apareceu ninguém. O que se fala mesmo, é que o Pé-de-pato, em pessoa, veio-lhe prestar condolências e o teria levado em corpo e alma.

Depois que ele morreu, diz-se que caiu uma chuva como nunca tinha chovido. Talvez para lavar todas as maledicências que pairavam sobre o lugar.

Eu é que não sei dessas coisas. Assim foi-me dito e eu retruquei.

6 pensou em “HISTÓRIAS DO SERTÃO – O VELÓRIO

  1. Grande texto. Não parece um conto, deve ser lembranças
    das verdades antigas ou recém passadas.
    É de se notar os muitos e diversos nomes e
    títulos em que o autor nomeia com grande imaginação o seu parceiro,
    o tinhoso.

  2. O Historiador cearense Gustavo Barroso, em seu livro Ao som da viola, páginas.574-579, conta essa mesma história, que por minha vez, recontei romanceada. Segundo palavras dele, “…o demônio sertanejo, como o de todos os povos, é criado à sua imagem e semelhança. Anda, por isso, encourado como os vaqueiros, monta a cavalo, é especialista em velhacadas de cigano e alquilador, gosta de cachaça, come picadinho de bode com gerimum, dança nos sambas, campeia o gado, faz a corte às moças, e desaparece sempre com um estouro e um fedor terrível de enxofre ou de chifre queimado”.

  3. Mais um malassombrado, escrevinhador de primeiríssima qualidade, para cerrar fileiras com os demais do JBF.
    Se o Velho Capita é o Guy de Maupassant das Alagoas, temos agora o nosso Edgar Allan Poe.

Deixe um comentário para Adônis Oliveira Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *