Para Valter Portela
Hermenegildo Ferreira Boaventura da Silva, assim fora batizado lá nos panos de cueros, pelo batina de Santo Amaro, antesmente de poder falar a primeira palavra. Criado e amamentado aos pés da devoção, desde pequeno tinha vocação para sermonista, sacristão, ou qualquer outro cargo que a religião e seu povo quisesse investir nele. Procissionista de primeira marca, nunca perdera estar debaixo dos paus do andor, seja lá o tipo de santo que fosse, desde Santa Bárbara que protege dos coriscos, até São Bartolomeu que protege das matilhas de lobisomens e outros atrasos dos pastos.
Até foi incensando pelo padre de Santo Amaro a seguir carreira religiosa, mas um rabo de saia destruiu qualquer vocação dele para as artes igrejeiras, os sermões e fé na vida do claustro. Ainda que fosse católico de marca maior, seguiu o exemplo de seus antepassados, pratrasmente desde quando chegaram na terra, época em que Santo Amaro era terra mais de bugre que qualquer outra coisa, ou seja, decidiu levar vida de casado, sem abandonar devoção igrejista.
E foi, no primeiro casamento que seu nome apareceu atarrachado com o epíteto de Gaia. Não que fosse um estudioso da ciência de um Mercator, longe disso, a Gaia, no caso, não se referia à geografia, mas sim o belo par de aspas que a mulher dele colocou, antes mesmo do casamento virar a folhinha de dezembro.
Sabedor da novidade, de pessoalmente deu despacho de desembargador à mulher e a mandou ao diabo que a carregasse, desde que longe dele. Inventou doença malina, que teve que mandar a mulher para a cidade grande, onde ela finou-se, sem saber que a novidade da gaia corria solta. Hermenegildo obtemperava que aquilo era tudo bocage de beira de buteco, que nunca levara gaia. Só o padre de Santo Amaro sabia toda a verdade, contada e repisada por Hermenegildo. Seis meses depois, contraiu novas núpcias com uma sarará de maiores encantos, do tipo aparentada de tanajura, onde os avultados dos de cima se ligam às exorbitâncias dos debaixo por uma cintura mais fina que tolete de taquara.
E aí começou a sina. Hermenegildo levou gaia de A até Z, passando, inclusive pelo Ypissilone duplo carpado. A cada mulher nova que arrumava, nova gaia enfeitava a testa, andando ele desgostoso, desvontadoso, com a carcundinha envergada pelo peso que levava na cabeça. Levou gaia do Açougueiro, do Barista, do Carpinteiro, do Dentista, do Eletricista, completando todo o alfabeto, sem esquecer as letras estrangeiras que fazem parte do abecedário.
Injuriado com aquela situação, praguejava Santo Amaro. Terra de gente safada, oco de lobisomens, lugar onde nem o tinhoso com pata de bode e mão de garfo queria botar as patas. Não podia ver ajuntamento de boiadeiro que ele esfarinhava aquele comício a poder de sua língua, já que era assunto que mais vendia na praça, fazendo até mesmo inveja aos nababos do governo e suas imundícies, seja em roda de vinte-e-um, seja em conversa de donzela desencaminhada e de casa sem vergonhista.
Decidiu, como último ato de bravura encontrar uma mulher que nunca o traísse, que fosse sempre leal a ele. Matutou um par de meses e decidiu. Nunca em terra deseducada encontraria tal madama, por isso decidiu construir uma para ele. Encontrou um belo tronco de aroeira, usando seus dotes de santeiro fez uma mulher, inteirinha para si. Obra de mão perita, empombada. Mas, tomou cuidado de nunca contar a ninguém seu feito. Ao agir como o Collodi, esperava uma esposa fiel e que nunca levantasse a voz, ou mesmo fosse pegada em ato de sem vergonhismo, do tipo, põe-a-mão-e-olha-a-porta.
Mas, dizem que quem nasceu para levar gaia, pode desaparecer do chão de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas a gaia fica. Chegando em casa certo dia, olhou para sua mulher, deu um grito alto e caiu durinho de pedra, de não ser Hermenegildo Gaia nunca mais nessa vida. Os cupins tinham comido a mulher feita de madeira!
Vocacionado como era, nem dos cupins Hermegildo escapou. Corno de A a Z, o Gaia fez por merecer o apelido que lhe deram. Pelo menos, pelo que entendi, comeu doce de leite repartido com os outros, ao invés de comer merda sozinho. Triste consolo.
Xico, dizem que o amor casamenteiro é igual a jaca, doce, saborosa, cheirosa, mas ninguém consegue comer uma sozinho.
Ô destino cruel!
Jesus…. esse não escapou de levar gaia nem de cupim. Vai ser azarado assim lá no Piauí….
Hermenegildo, era um homem bom e buscou a felicidade no casamento mas não teve sorte com as mulheres, veja que o Santos Amaro, não evitou que ele escapasse da gaia. Mas ele tentou ser feliz mesmo assim. Uma coisa ele aprendeu o sujeito ser corno é uma questão de vocação. Esse Roque Nunes é um cronista arretado de bom. Só sendo do Mato Grosso do Sul .
Valter…
Muito me honra a sua leitura, e principalmente a sua amizade. Há tempos queria te dedicar uma crônica. Tá certo, ela é brincativa com assunto sério, mas diverte um pouco.
Amigo fico muito feliz e honrado, por você dedicar essa excelente crônica. Você Mora no meu coração, vamos se encontrar e tomar uma outra vez. Aquela cachaça que tomamos juntos aí em Campo Grande, vamos repetir de novo. Breve estarei aí.
Contando que não sermos expulsos da casa cachacista, como da última vez, vamo simbora, porque eu sugo mais que morcego novo em bica de alambique.
Por aqui dizem: chifre não existe, é coisa que as mulheres colocam nas nossas cabeças.
Parabéns e muito obrigado, Dr. Nunes!
Nonato, vindo de um cabra arretado como você, até xingamento é um elogio. Obrigado pela deferência a este cronista tristento com as peripécias de pindorama.
Oração de um corno
Deus me livre de ser corno
Mas, se eu for, tomara que nunca desconfie
Mas, se eu desconfiar
Tomara que eu nunca tenha certeza
Mas se eu tiver certeza
Tomara que eu nunca sinta
Se eu sentir, tomara que eu nunca saiba
Se eu souber, tomara que eu nunca acredite
Mas se eu acreditar, tomara que eu nunca veja
Mas se eu ver, meu Deus
Tomara que eu nunca reaja
Que é para não magoar os sentimentos daquela mulher que eu tanto amo.
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