PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

O cearense Geraldo Amâncio e o paraibano Severino Feitosa, dois dos maiores nomes da cantoria nordestina na atualidade

* * *

Geraldo Amâncio e Severino Feitosa glosando o mote:

Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Vem Geraldo que eu tenho muita fé,
me pediu que eu fizesse esses arranjos,
conterrâneo de Augusto dos Anjos,
que é nascido na terra de Sapé,
vem dizer o poeta como é,
é pra ele um eterno sonhador,
um artista de invejável valor,
comunica seu dom nesse terreno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Severino Feitosa

Se eu tivesse o poder do soberano,
não tirava da terra um Oliveira,
um Geraldo, um Valdir e um Bandeira,
Moacir, nem Raimundo Caetano,
Sebastião nem João Paraibano,
e muitos outros que têm tanto valor,
não tirava a garganta de tenor
de quem tem esse seu direito pleno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Sei que um carro virou numa ladeira,
já passei para o mundo essa mensagem,
pois eu ia também nessa viagem
que a morte levou nosso Ferreira,
eu me vi na viagem derradeira,
eu gritei por sentir a grande dor,
foi a morte que fez esse terror,
de levar nosso astro, esse moreno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Severino Feitosa

Se Xudu decantou o santo hino,
da maneira que foi Zezé Lulu,
não esqueço Louro do Pajeú,
Rio Grande, recorda Severino,
Pernambuco, também, José Faustino,
que foi um repentista de valor,
Paraíba não esquece Serrador
e Santa Cruz não esquece de Heleno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Quem já foi Juvenal Evangelista,
um encanto pra o nosso Ceará,
mas morreu encostado ao Amapá
e se encontra com os irmãos Batista,
desse povo que tem na minha lista,
Pinto velho pra mim foi um terror,
eu não posso esquecer um Beija-Flor,
e Pajeú inda lembra Zé Pequeno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

* * *

Roberto Macena e Zé Vicente glosando o mote:

Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente

Roberto Macena

Eu perdi minha beleza,
Mas não vou fugir da ética.
Que eu mudei a minha estética
Por conta da natureza.
Mesmo assim, não há tristeza,
Que eu não fico decadente:
Tô mais é experiente
Que com isso, não amofino.
Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

Zé Vicente

Vovô muito me encanta,
É meu verdadeiro mestre.
Morando em área silvestre,
Mas sempre me acalanta.
Se eu sofrer da garganta,
Ainda canto repente.
Meu avô estando presente,
Ele é meu otorrino.
Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

Roberto Macena

Não adianta fazer prece
Nem usar agilidade,
Que, quando passa a idade,
Tudo de ruim acontece
O que é de nervo amolece,
Fica tudo diferente:
Dói a perna, dói o dente
E o cabra fica mofino.
Velhice é um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

* * *

Sebastião Dias e Zé Viola glosando o mote:

Existe um dicionário
Na mente do cantador

Sebastião Dias

Existe um Deus que controla
A mente de um repentista
Que nasceu pra ser artista
Do oitão da fazendola
É o homem da viola
Nascido no interior
Nem precisa professor
Pra ser extraordinário
Existe um dicionário
Na mente do cantador

Zé Viola

Acumulo cada ano
Cantando mares e terra
Paz, conflito, briga e guerra
Peixe, céu e oceano
A viola é o piano
O povo é meu instrutor
O palco me traz calor
E o cachê é meu salário
Existe um dicionário
Na mente do cantador

* * *

AS HERDEIRAS DE MARIA – Dalinha Catunda

Começa assim a história
Do folheto feminino:
A mulher com sua manha,
Território o nordestino,
Com patriarcado vil,
Montou-se então um ardil,
Pra traçar nosso destino.

Lá pra mil e novecentos,
E trinta e oito asseguro,
Foi que a mulher editou,
E plantou para o futuro,
O folheto feminino,
Com o nome masculino,
Que hoje aqui emolduro.

Quando a mulher resolveu
Escrever o seu cordel,
Ainda meio acanhada…
Não quis botar no papel,
Seu santo nome de pia,
Porém foi uma Maria,
A primeira do painel.

Era Altino Alagoano
Que assinava a autoria.
A do primeiro folheto,
Que a mulher se atrevia
A escrever sem assinar
Para o marido alcunhar
Com nome de Fantasia.

E foi Maria das Neves,
A Batista Pimentel!
Que teve o afoitamento,
De publicar um cordel,
E mesmo não assumindo
O que estava produzindo
Na lavra do seu vergel.

Era Francisco das Chagas,
De sobre nome Batista,
Pai de Maria das Neves,
A primeira cordelista.
Ele foi um pioneiro,
Do folheto brasileiro,
Na arte especialista.

“O Violino do Diabo.
Ou o Preço da Honestidade”,
Foi o primeiro folheto,
Tornou-se até raridade,
Pela mulher concebido,
Como troféu exibido,
Prova viva da verdade.

Os folhetos de Das Neves,
Que no passado editava.
“Corcunda de Notre Dame”
Na sua lista constava,
E outros títulos mais,
Em obras universais,
Ela se fundamentava.

“O Amor Nunca Morre” é,
Também sua criação,
Mais um cordel que Maria,
Acresceu a coleção.
Sua rica trajetória
É um marco na história
Nobre contribuição.

Maria chega ao cordel,
E com personalidade.
Letrada, bem preparada,
Replena de habilidade.
Disfarçada ocupa espaço,
Dando seu primeiro passo,
Rumo à nova atividade.

E a ascensão do cordel,
Das Neves acompanhou.
A Popular Editora,
Foi o seu pai quem criou,
Instalada em João Pessoa,
Aquela ideia tão boa,
Maria testemunhou.

Para falar a verdade,
Testemunhou muito mais…
Só o homem editava!
Das mulheres, nem sinais.
Pode parecer incrível,
A mulher era invisível,
Continham seus ideais.

Só depois de muito tempo
A mulher entra em ação.
Tira o verso da gaveta
Mostra a sua produção.
Assumindo o seu lugar,
Na cultura popular,
Cumprindo sua missão.

Isso só aconteceu,
Entre sessenta e setenta,
A mulher com liberdade,
Depressa se reinventa.
Ela muda de postura,
Garante a assinatura,
No cordel que apresenta.

Chega de só propagar,
Saberes e tradição.
Chega de contar histórias,
Fazer adivinhação.
Com tanto conhecimento,
Afinal chega o momento,
De mudar de posição.

Já cansada de engolir,
O que tinha na garganta,
Cansada de ser a musa,
Às vezes puta ou santa,
Cansada de ser podada,
Encara nova jornada,
Assume seu verso e canta.

Uma luz no fim do túnel,
A mulher chega avistar.
Mas a estrada a seguir,
Ela tem que desbravar.
Porque é pura ilusão,
Sua ampla aceitação,
Não vamos nos enganar.

No mundo cordeliano,
Inda mora o preconceito.
Na produção feminina,
Muita gente põe defeito,
E perde a oportunidade,
De conhecer na verdade,
Cordéis com outro Conceito.

Do jeito que tem mulher
Escrevendo sem cuidado,
Tem homem que faz cordel
Sem entender do riscado,
Não venham com zombaria,
O dom da sabedoria,
Floresceu assexuado.

O mercado é escasso
Para a mulher cordelista.
Com o corporativismo
Nós somos poucas na lista.
Nos bancos de academia
Inda somos minoria,
Mas nos postamos na pista.

Corre o cordel feminino
Sem nenhuma timidez.
A mulher fortalecida,
Não espera, faz a vez.
Sabe que é competente,
Se a lacuna é existente
Preenche com vividez.

Aborda qualquer temática
Verseja com qualidade.
Se for para glosar, glosa!
Com muita propriedade.
Faz peleja virtual,
O seu mote é atual,
Essa é a realidade.

A cordelista zelosa
Que cumprem sua missão,
Sabe que o bom cordel
Em sua composição,
Boa rima deve ter,
A métrica é pra valer,
Ao compor sua oração.

Somos muitas escrevendo
Algumas com maestria.
Nosso cordel feminino,
É canto que contagia.
Abram alas pras guerreiras,
Somos poetas herdeiras,
As herdeiras de Maria!

Um comentário em “GRANDES MOTES, GRANDE GLOSAS E UM CORDEL DE DALINHA CATUNDA

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