CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

UM CAFÉ DA MANHÃ PARA MENDIGOS

EU devia ter uns oito pra nove anos. Passados sessenta e tantos anos, natural que a memória tenha retido pouquíssima lembrança daquele dia. A certeza que tenho é que foi num dia útil. Nem a hora exata posso lembrar. Deve ter sido entre oito e meia e nove da manhã. No máximo. Sei que a mesa de refeições de nossa casa estava posta, o bule de café com leite, pão e manteiga. E um a um eles foram chegando. Quantos eram? E eu sei? Talvez uns dez, ou quinze. Mas pode ter sido um pouco mais. Doze, quem sabe? O número de apóstolos na última ceia de Cristo. E a mamãe bem poderia ter escolhido esse número, tão religiosa ela era, assistindo missa diariamente, além de rezar em casa em frente ao “santuário”. Aqueles homens que eu encontrava na rua pedindo uma esmola pelo amor de Deus, nas sextas-feiras indo bater às portas das casas. Agora eles (ou a maioria deles) estavam ali sentadinhos à mesa onde fazíamos as refeições. Meus olhos de menino se arregalavam presenciando aquela cena.

A mamãe tinha pedido uma graça (provavelmente a São Francisco de Assis, o padroeiro da nossa cidadezinha) e se a alcançasse, ofereceria um café da manhã para alguns mendigos. Nunca que soube qual a graça. Criança, não me interessei. E, adulto, nunca me lembrei de perguntar a ela. E será que ela diria?

Quero crer que eles estivessem vestidos com a roupa mais apresentável e de banho tomado. Devia ter sido uma exigência da mamãe. E eu não tirava os olhos de cima daqueles homenzinhos, que sempre encontrava em andrajos, se refestelando com aquela refeição simples, mas que, para eles, representava um banquete. (Segundo um irmão, já perto dos 20 anos, que ainda não saíra de casa, e comentou o assunto durante algum tempo, um deles não pôde conter a satisfação e revelou que nunca na sua vida tivera uma refeição como aquela. Coitado!)

Não posso me lembrar. Mas imagino que eles não estavam à vontade naquela casa que para eles era de gente rica. Certamente, um pouco (ou um tanto?) envergonhados com a presença da minha mãe e de alguns dos filhos. Entanto, iam tomando o café com leite e comendo o pão com manteiga. Ao terminarem, foram saindo devagarinho. Como vou me lembrar se agradeceram à mamãe, se lhe desejaram muita saúde e à família? Essas palavras de agradecimento que os pedintes dizem quando recebem uma esmola. Mas acredito que o tenham feito. E, talvez tanto quanto eles, minha mãe tenha se sentido feliz por proporcionar um momento único na vida daqueles despossuídos, daqueles pobres de Deus.

Eu já residia em Natal quando assisti “Viridiana”, de Luís Buñuel. E na sequência do jantar oferecido aos mendigos pelo personagem-título, na mansão do tio, de imediato me transportei para aquele remoto café da manhã em minha casa.

5 pensou em “FRANCISCO SOBREIRA – NATAL-RN

  1. Parabéns pelo belíssimo e emocionante texto, prezado amigo Francisco Sobreira! O gesto de solidariedade humana de sua Mãe ensinou aos filhos o sentido da Caridade. Uma grande lição!

    Grande abraço!

  2. Sobreira, quando passar isso tudo quero tomar um café com você.
    Preciso lhe conhecer.
    Violante, você está convidada.
    Falemos de caridade.

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