CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

Eros Caldas de Araújo Pereira (1941-1981)

Hoje cedo me lembrei de Eros. E foram momentos do mais genuíno prazer – não soaria exagerado falar em felicidade – como sempre acontece quando a memória, de repente, nos devolve a imagem de alguém muito caro, que, de certo modo, foi importante em nossa vida. E se a “visita” dessa pessoa bate à nossa porta em uma quadra delicada como a que estamos passando, temerosos de sermos alcançados pela letalidade do vírus chinês, ela se torna muito mais bem vinda.

Eros não era somente um homem bom, mas sobretudo dotado de um invejável senso de humor. Não aquele humor que me leva a imaginar o seu agente como se permanentemente conectado a uma fonte fornecedora de uma energia, como a elétrica; e levasse o tempo inteiro a fazer graçolas, pondo apelidos nos outros,copiando–lhes os gestos e a voz, contando piadas nem sempre engraçadas, às vezes surradas como colchões de hospedaria, no dizer de Machado. Não, não era esse o humor do meu amigo. Moderado, com algo de infantil, de ingênuo, ou seja, puro. Talvez mais como uma forma de desabafo, tipo uma válvula de escape diante de um trabalho “pesado”, rotineiro, enfadonho.

Me lembro dele e o andar ligeirinho, um pouco curvado, chegando de súbito ao meu birô e me perguntando, enquanto olhávamos para um colega um tanto afastado: “Sobreira, que papel você daria a (e dizia o nome do colega) num filme”? Eu olhava, olhava, olhava para o sujeito e não conseguia vê-lo na pele de qualquer personagem. E Eros, um sorrisinho safado, sapecava a identidade do personagem. (Vinha já com este na cabeça e só esperava que o cinemeiro, que sempre fui, confirmasse, ou não, a sua escolha.) E o danado sempre escolhia o tipo certo para o colega, tendo por base o seu biótipo.

Por muito tempo ele planejou uma excursão em navio por várias cidades do país, acompanhado de determinados colegas. Mas o seu sonho jamais se realizou – e nem poderia, pois os lugares escolhidos não eram banhados pelo mar (Caicó, onde se iniciaria o percurso, Campina Grande, Caruaru, etc, etc.).

E daquela vez em que ele foi interpelado, via memorando, pelo gerente? Não me recordo o motivo. E não é que a sua resposta veio escrita, em grande parte, em latim?

Uma segunda de manhã, eu chegava ao Banco, para mais um longo dia de trabalho. E alguém vem me uma notícia que recebi como um soco no estômago. Eros morrera no dia anterior. Estava na praia com a mulher e uma filha pequena, quando esta correu para o mar. O esforço despendido para salvar a menina sobrecarregou o coração e lhe custou a vida. Até forma de morrer, Eros revelou-se o homem que era.

Mais tarde deixei o trabalho e fui ao velório do seu corpo, em sua própria residência. Encontrei alguns colegas. E encontrei a viúva chorosa e desconsolada. Essa senhora é bem conhecida dos leitores do Jornal da Besta Fubana, da qual é assídua colaboradora.

É Violante Pimentel, para quem envio daqui o meu abraço.

8 pensou em “FRANCISCO SOBREIRA – NATAL-RN

  1. Prezado Escritor Francisco Sobreira, ou simplesmente “amigo Sobreira”, como diria Eros:

    No meio de tantas notícias aterrorizantes, relativas ao Coronavírus, você nos surpreendeu com este belo texto, em memória do saudoso Eros, meu marido e companheiro inesquecível, e seu amigo e colega do Banco do Brasil.

    Obrigada por tão sublime homenagem a essa figura inesquecível, que não hesitou em doar a própria vida, num gesto de Amor,
    Grande abraço!

    Violante Pimentel

    • Malditos ninjas cortadores de cebola… Belíssima e emocionante homenagem. Estou velho, muito velho, velhíssimo e esses textos me fazem sorrir, pois será um prazer encontrar em alguma nuvem celestial um timaço de grandes seres humanos que são recordados e/ou que convivem diariamente nesta gazeta escrota.

      Como antevi que a atual comunidade fubância viverá até os 120 anos, creio que ainda teremos bastante prosa da boa neste espaço destinado a gente da melhor espécie. Proibo alguém morrer antes!!!!!!

      A cigana leu o meu destino
      Eu sonhei!
      Bola de cristal
      Jogo de búzios, cartomante
      E eu sempre perguntei

      O que será o amanhã? Como vai ser o meu destino?

  2. Pois é, cara Violante, hoje cedo Eros me visitou por via da memória. Na hora do café, cheguei a falar dele com a minha velha. E depois achei necessário escrever essas mal traçadas, que chegaram a lhe agradar. Uma modesta, mas sincera homenagem a alguém que muito prezei e que me dispensava muita atenção. Fique com Deus.

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