MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Tempos difíceis aqueles de estudante pobre.

Terminado o segundo ano de Engenharia em novembro de 1964 eu tinha fechado todas as matérias. O Natal se aproximava, o dinheiro estava a dezessete léguas de distância e a única opção em descolar uma carona para Bauru, SP, onde moravam meus pais, ficava restrita ao colega Felix P., o único da patota que tinha carro, um portentoso fusquinha alemão 1959, e morava em Lins, uns 100 quilômetros adiante de Bauru.

Fusca 1959

A dúvida, não tão duvidenta, era simples: ou eu arranjava dinheiro para a passagem de ônibus ou esperava meu querido amigo Felix P. prestar o exame oral de Física II, o que aconteceria uma semana antes do Natal. Arranjar o dinheiro da passagem para ir mais cedo era praticamente impossível. Minhas habilidades de datilógrafo eram o que me faziam ganhar alguns trocados, mas os colegas que necessitavam tais habilidades já estavam de férias. A única esperança era aguardar meu colega Felix P. prestar seu exame oral. Se tudo desse certo eu ainda passaria o Natal com meus pais.

A espera de quase um mês sem dinheiro e, portanto, sem nada de interessante para fazer, era algo que seguramente aborreceria até Deus, Aquele que tem um saco de filó e toda eternidade pela frente.

Eis que finalmente chega o grande dia. Meu colega Felix P. estava em frente à imensa lousa da sala, dividida em 4 setores, cada qual ocupado por um apavorado estudante que não conseguiu notas suficientes nos exames finais e teria sua última chance no exame oral. E, para desespero da galera, o inquisidor de plantão era uma fera na pele do formidável professor C., o terror da disciplina. Lá na plateia, já com a mala preparada, eu e mais dois pobres miseráveis torcendo para que nosso querido Felix P. resolvesse logo a parada.

Chega o grande mestre:

– Sr. Felix P., demonstre na lousa e discuta a equação de um dipolo elétrico em um campo uniforme.

E foi cuidar dos três outros condenados.

Meu colega Felix P., sem nenhuma inspiração, respirou fundo, pegou o giz e começou a rabiscar:

Não, não tinha nada que ver. Apagou.

Lembrou-se, num lampejo, de uma equação da trigonometria e tentou impressionar o seu espírito protetor para ver se ele o ajudaria na matéria:

Não adiantou nada. Seu anjo protetor certamente estava dormindo ou ocupado ajudando um outro devoto. Não era por aí. Passou o apagador.

Deveria ser uma fórmula simples, nada complexa. Quem sabe Einstein poderia ajudar:

Porra nenhuma!

Os ossos de Einstein se remexeram em seu túmulo ao saber que seu antigo proprietário era solicitado a resolver uma tarefa de tão baixa extração. Nada! As tripas reagiram, mas o cérebro não deu nenhum sinal positivo. Daquele mato não sairia nenhum coelho. O suor começou a brotar na testa da cabeça vazia de meu amigo.

Nisso retorna o tonitruante professor C.:

– E então, Sr. Felix P., como fica a equação de nosso dipolo?

– Professor, pra ser sincero, se o senhor me disser o que é um dipolo eu deduzo qualquer equação que o senhor queira.

Meu estimado colega teria que voltar a estudar a matéria no ano seguinte.

Para minha alegria, nossa viagem para Bauru e Lins a bordo do poderoso e magnifico fusca alemão 1959 começou poucos minutos depois.

9 pensou em “FELIX P. E O DIPOLO ELÉTRICO

  1. Caro Maurício:
    É a tese que meu professor de Estatística tinha: (dizia também que a Estatística é a medida matemática da ignorância humana). “Dê-me 3 pontos não alinhados e eu desenho qualquer curva que você queira”.
    Tenha uma feliz Páscoa.

  2. Pois é……
    Só rindo muito….. MAS

    Inguinoranssa tem cura, estupidez é que não tem…..

    E Félix P ? Aprendeu o que é um dipolo elérico ? Rsrsrsrsss…

    • Inguinoranssa tem cura? Craru qi Cim… os mió professô tá tudo aqui no JBF de todos nós, mesmos os que, como Sancho, ao negociar seus cocos dirá, a partir de agora, “Dê-me 3 ou mais notas de duzentos não alinhadas e eu venço qualquer curva de estrada que você queira para a entrega dos verdinhos”.

      Abração para Magno Arthur, Magno Valdo e Magno Assuero…

  3. Prezado Arthur:
    Creio que no ano seguinte meu colega e amigo Felix Pereira aprendeu. Quando se leva uma borrachada da vida a gente nunca se esquece.
    Tenha uma boa Páscoa.
    Magnovaldo

    • Pois é Magnovaldo…..

      Dizem por aí que o sucesso nao ensina nada…..

      As “porradas” é que nos ajudam a aprender e seguir…..

      “Craro” que apenas para os inteligentes……

      Para os estúpidos levar porrada é a maneira de aparecer……

      Aparecer de de maneira ridícula mas…… o ridículo também chama a atenção….. rsrsrsrs…..

      Feliz Pascoa para voce e a todos que ama …..

  4. Nunca cursei faculdade, pois quando terminei o ensino medio em 85, no territorio federal de Roraima hoje estado, não havia faculdade, mas me indentifiquei com o datilografo do texto.
    Quando em 87 servi da Base aerea de Boa Vista, depois de um teste com 3 amigos, fui escolhido para ser o datilografo da escala de serviço, sempre estava de serviço no alojamento, curtindo aquele filme no cassino dos soldados e dormindo a noite toda depois das 10. De vez em quando o sargente me dizia, acho q vc deveria tirar um serviço armado, acredito q nem sabe qual o peso de um fuzil das 2 às 4 da madrugada, no pior quarto de hora.

    • Prezado Elton:
      Obrigado pelas suas palavras e pelo seu apoio.
      Para mim, filho de um pai com pouquíssima instrução acadêmica mas pleno de instrução moral, todo trabalho honesto é uma honra e motivo de orgulho.
      Tenha um bom dia.
      Abraço,
      Magnovaldo

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