Eric Hoffer foi um filósofo e escritor, premiado com a Medalha Presidencial da Liberdade. Em 1951 Hoffer publicou seu primeiro livro, “O Verdadeiro Crente: Pensamentos sobre a Natureza dos Movimentos de Massa”, onde analisa a questão do fanatismo. As citações destacadas ao longo do texto são dele.
Segundo Hoffer, os movimentos de massa surgem de um sentimento coletivo de frustração. O desespero ou a revolta levam a ações imediatas, ainda que improdutivas; a frustração, por outro lado, acumula-se aos poucos e faz surgir o fanatismo, que não é uma ação em si, mas uma postura ou uma atitude.
“O fanático não é realmente um defensor de princípios. Ele abraça uma causa não por causa de sua justiça ou santidade, mas por causa de sua necessidade desesperada de algo para se apegar.”
“É surpreendente ver como os oprimidos quase invariavelmente se moldam à imagem de seus odiados opressores.”
“É pela sua promessa de um senso de poder que o mal freqüentemente atrai os fracos.”
Embora o livro tenha foco na Europa durante a primeira metade do século 20, as suas conclusões servem como uma luva ao Brasil de hoje; se há coisa que não falta por aqui são motivos para alguém se sentir frustrado. Nunca fomos um país de grandes catástrofes: nem naturais, como terremotos, vulcões ou furacões, nem humanas, como guerras e revoluções. E mesmo sem catástrofes, paira sempre aquela sensação de derrota, de inferioridade, de problemas não solucionados, de situações que não deveriam existir mas existem. Em outras palavras, frustração.
“As pessoas assombradas pela falta de propósito de suas vidas tentam encontrar um novo conteúdo não apenas dedicando-se a uma causa santa, mas também nutrindo uma queixa fanática. Um movimento de massa oferece oportunidades ilimitadas para ambos.”
“A paixão pela igualdade é, em parte, uma paixão pelo anonimato: ser um fio dos muitos que formam uma túnica; um fio não distinguível dos outros. Ninguém pode nos apontar, nos medir contra os outros e expor nossa inferioridade.”
O irônico aqui é que o fanatismo que nasce do sentimento de frustração se torna rapidamente mais uma causa para ela. Como Hoffer explica, o fanático não deseja resolver nenhum problema; deseja apenas transferir a culpa para os outros e livrar-se das responsabilidades e das escolhas. Quanto mais fanáticos na sociedade, menos espaço existe para solucionar qualquer coisa, porque o fanático prefere viver com o problema do que aceitar uma solução que não seja exatamente a que ele defende.
“Fé em uma causa é em grande parte um substituto para a fé perdida em nós mesmos.”
“É mais fácil amar a humanidade como um todo do que amar o próximo. Algumas das piores tiranias de nossos dias se dizem a serviço da humanidade, mas podem funcionar apenas colocando o vizinho contra o vizinho.”
Os vários tipos de fanatismo tendem a se misturar e a se igualar. A religião, por exemplo, cada vez mais é vista como um buffet, onde cada um se serve apenas do que gosta e ignora o resto. A consequência é que as igrejas se transformam em um clubinho de fanáticos, onde não se cultivam a sabedoria e a virtude, mas apenas os sentimentos básicos do fanatismo. Na política, o debate intelectual dá lugar a uma briga de torcida, onde cada lado cultiva o ódio ao adversário acima de tudo. O resultado é sempre o mesmo: o fanático se vê como parte de um grupo que é superior ao restante da humanidade, e se arroga o direito e a sabedoria para “consertar o mundo”.
“A qualidade das idéias parece desempenhar um papel menor na liderança do movimento de massa. O que conta é o gesto arrogante, a total desconsideração da opinião dos outros, o desafio individual do mundo.”
“Para os frustrados, a liberdade da responsabilidade é mais atraente do que a liberdade da restrição. Eles negociam sua independência para aliviar os fardos da vontade, de decidir e ser responsáveis pelo inevitável fracasso. Eles voluntariamente abdicam do direcionamento de suas vidas para aqueles que querem planejar, comandar e arcar com toda a responsabilidade.”
“É duvidoso que os oprimidos lutem pela liberdade. Eles lutam por orgulho e poder – poder para oprimir os outros. Os oprimidos querem acima de tudo imitar seus opressores; eles querem retaliar.”
Segundo Hoffer, o fanatismo nasce com “homens de palavra”, mas se consolida com “homens de ação”. Explicando: os movimentos de massa nascem a partir da retórica de algum bom orador (às vezes até involuntariamente), mas à medida em que crescem, serão usados por líderes que os usarão como instrumentos de poder. Pode-se dizer que a maior parte da história humana foi escrita por pessoas que souberam colocar as massas a seu serviço na busca pelo poder.
“Ao observar os homens de poder em ação, deve-se ter sempre em mente que, quer eles saibam ou não, seu objetivo principal é a eliminação ou neutralização do indivíduo independente – o eleitor independente, consumidor, trabalhador, proprietário, pensador – e que todo dispositivo que eles empregam tem como objetivo transformar os homens em um instrumento de animação manipulável, que é a definição de Aristóteles para um escravo.”
“O líder personifica a certeza do credo e o desafio e a grandeza do poder. Ele articula e justifica o ressentimento condenado nas almas dos frustrados. Ele acende a visão de um futuro de tirar o fôlego, de modo a justificar o sacrifício de um presente transitório. Ele encena um mundo de faz de conta tão indispensável para a realização do auto-sacrifício e da ação unida.”
“O salvador que quer transformar os homens em anjos é tão inimigo da natureza humana quanto o déspota totalitário que quer transformá-los em marionetes.”
Os elementos fundamentais em qualquer movimento de massa são as certezas absolutas e o inimigo absoluto. Estes elementos tiram dos ombros do fanático o peso de pensar por si mesmo. É muito mais fácil ser adepto de um grupo onde as verdades já estão prontas para serem simplesmente aceitas. É mais fácil odiar alguém do que assumir responsabilidades.
“Todos os movimentos de massa se esforçam para interpor uma tela à prova de fatos entre os fiéis e as realidades do mundo. Eles fazem isso alegando que a verdade absoluta e suprema já está incorporada em sua doutrina e que não há verdade nem certeza fora dela. Os fatos sobre os quais o verdadeiro crente baseia suas conclusões não devem ser derivados de sua experiência ou observação, mas do ato sagrado.”
“O fanático se recusa a acreditar em qualquer notícia desfavorável, e não ficará desiludido ao vê-la com seus próprios olhos. A capacidade do verdadeiro crente de fechar os olhos e tapar os ouvidos aos fatos é a fonte de sua inigualável fortaleza e constância. Ele não se assusta com o perigo, não desanima com obstáculos nem é confundido por contradições, porque nega sua existência.”
“Dê orgulho às pessoas e elas viverão de pão e água, abençoarão seus exploradores e até morrerão por eles.”
“O orgulho nacionalista, como outras variantes de orgulho, pode ser um substituto para o respeito próprio.”
“Os absurdos grosseiros e as verdades sublimes são igualmente potentes em preparar as pessoas para o auto-sacrifício, se forem aceitas como a única e eterna verdade.”
“Movimentos de massa podem se elevar e se espalhar sem um deus, mas nunca sem um demônio.”
“Estamos prontos para morrer por uma opinião, mas não por um fato”
“Há muitos que têm sérios escrúpulos em enganar os outros, mas não se importam em enganar a si mesmos.”
Como combater o fanatismo? Com conhecimento e liberdade. O conhecimento substitui as idéias prontas e o pensamento de manada. A liberdade substitui o medo de pensar por si mesmo e de encarar as consequências das próprias decisões.
“Não pode haver liberdade sem liberdade para errar.”
“A aspiração à liberdade é a mais essencialmente humana de todas as manifestações humanas.”
“Uma minoria dissidente só se sente livre quando pode impor sua vontade à maioria: o que mais abomina é a dissensão da maioria.”