MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Debater é trocar idéias. Ou deveria ser. Infelizmente, o clima das redes sociais desestimula a troca de idéias como forma de produzir conhecimento, e estimula a competição. Cada vez mais, as pessoas vêem o debate como uma guerra que deve ser vencida, e os debatedores como inimigos que devem ser destruídos a qualquer preço; se não for com argumentos sinceros e verdadeiros, que seja pela mentira, pela malícia, pela apelação ou pelo xingamento. O que importa é sair do debate achando-se vencedor. A consequência, claro, é que ninguém aprende nada, porque todos participam do debate firmemente decididos a não mudar de opinião em hipótese alguma.

Entre as mentiras e apelações que aparecem nessa situação, estão as falácias. A definição técnica diz que falácia é um argumento que contém uma falha lógica, ou seja, que não faz sentido, embora tenha a aparência de um raciocínio válido. Os estudiosos da linguagem definem dezenas de tipos específicos de falácias. Vamos conhecer as mais importantes:

Apelo à ignorância: É usar o próprio desconhecimento como prova de alguma coisa. Pode se dar de forma geral, quando alguém apoia certo modo de pensar porque é o único que conhece, e acredita que não existem outros, ou de forma específica, quando alguém que desconhece determinado fato acha que isso prova que o fato não existe. É comum em pessoas que defendem políticos (“não sei de nenhuma acusação contra fulano”, “nunca vi fulano envolvido em um caso de corrupção”).

Falsa dicotomia: É o pensamento estrito do tipo ou-isso-ou-aquilo. No sentido mais específico, é quando se reduz qualquer situação a apenas duas opções, uma certa e uma errada, implicando a sua idéia é a única opção contra uma determinada coisa (“Todos os políticos são bandidos, menos o meu”). De forma mais abrangente, pode-se também usar o termo para o radicalismo de grupo que têm se espalhado da política para outras áreas da sociedade (“Quem não concorda comigo é bandido/desonesto/corrupto/ignorante/fascista/comunista”).

Argumento da Autoridade: É dizer que os títulos ou cargos de alguém tornam a sua opinião superior à dos outros, como no popular “você sabe com quem está falando?”. Quem não tem argumentos consistentes para defender uma idéia sempre tem uma lista de autoridades e doutores que supostamente concordam com ele.

Ad hominem – significa “ao homem” em latim. Consiste em afastar um argumento atacando a pessoa que argumentou. Coisas do tipo “Quem defende o político X tem mais que ficar quieto” ou “Se você defende a ideologia Y, não tem moral para falar nada”, ou ainda “Quando tinha cinco anos você comeu uma bolacha do colega na escola, então nada do que você disser tem valor”.

Espantalho – consiste em assumir como verdade uma série de mentiras ou exageros em relação a uma idéia ou pessoa, e atacar essas mentiras. Muito usado em acusações pessoais: “Você apóia o político X? Então você é a favor do crime, da corrupção, da imoralidade, de comer criancinhas?”

Ladeira escorregadia – significa “esticar” uma idéia até o absurdo para tentar mostrá-la como ridícula. Exemplos: “Se flexibilizarem o Estatuto do Desarmamento, as pessoas vão andar com bazucas pela rua”; “Se descriminalizarem a maconha, vão distribuir heroína na merenda escolar”.

Verdadeiro escocês – A expressão vem de uma piada sobre um escocês em um pub que disse “nenhum escocês de verdade põe gelo no uísque”. Seu companheiro apontou para o McDougall, um sujeito no bar usando kilt, com uma gaita de fole pendurada no ombro e tomando uísque com gelo. O outro respondeu “McDougall não é um verdadeiro escocês”. No mundo moderno, significa excluir do grupo os exemplos ruins, como na expressão popular “filho feio não tem pai”. A esquerda já se tornou caricata com clichês como “Deturparam Marx” e “A Venezuela não é o verdadeiro socialismo”. Obviamente, isso não impede que a direita faça o mesmo nas situações inconvenientes (“fulano não é conservador de verdade”).

Monopólio da virtude – complementa o anterior. Significa incluir no seu grupo qualquer pessoa que pareça ser um “bom exemplo”. Albert Einstein disse certa vez “Se minhas teorias estiverem certas, a Alemanha dirá que sou alemão, enquanto a França dirá que sou um benfeitor de toda a humanidade. Mas se meu trabalho fracassar, a França apontará que sou alemão e a Alemanha lembrará que sou judeu”.

Non sequitur – significa “não se segue”. Usado para mostrar uma lógica falha, que não faz sentido. Uma forma comum é mostrar um fato verdadeiro e em seguida fazer uma segunda afirmação que parece ser uma consequência lógica da primeira. Exemplo: “Existe muita corrupção no Brasil, portanto é preciso votar no partido X”. Que existe corrupção é certo, mas isso por si só não prova que o partido X seja uma solução. Outro modo é fazer uma afirmação questionável e usá-la como base da segunda afirmação: “É preciso acabar com a desigualdade, portanto é preciso votar no partido X”. Mas será mesmo que “é preciso acabar com a desigualdade” é uma verdade estabelecida?

Por último, vale lembrar que muitas vezes a diferença entre uma figura de linguagem e uma falácia como estas está apenas na boa vontade e na capacidade de compreensão do receptor, e que em decorrência disso, também existe a falácia de rebater um argumento válido com “isso é falácia do ….”.

Como disse no início, a diferença está em debater com sinceridade ou não.

7 pensou em “FALÁCIAS

  1. Caro Marcelo, bela a sua descrição sobre as falácias usadas como argumentos.

    Discordo sobre a definição do que seja debate.

    Definitivamente debate não é troca de ideias. Isso pode ser conferência, simpósio, brain storm, ou coisa parecida.

    Debate é contestação por argumentos de duas ou mais ideias conflitantes, onde um lado tenta convencer outro de que seu ponto de vista tem mais lógica em relação ao oponente. Ainda que não consiga convencê-lo, normalmente dos debates participam plateias que vão analisar os pontos de vista.

    Vou dar um exemplo claro: num debate político na televisão, um candidato não vai convencer o outro de seus argumentos, porém pode ganhar ou perder votos, em função do que vai falar. De certo modo, um debate é uma guerra a ser vencida, no campo dos argumentos e da ética.

    A baixaria não é uma boa aliada em um debate, pois quem está assistindo e não tem uma opinião formada ainda leva isso em conta na hora de decidir de que lado vai ficar.

  2. Señor Bertoluci,
    Um texto perfeito (se não o fosse, não seria fubânico), com um único senão: DEBATE.

    Debate é contestação, é trazer á luz ideias conflitantes, onde lados opostos esplanam o que pensam sobre determinado assunto para que os que o assistem tirem suas conclusões. Cito como exemplo o que ocorre em época de eleições por toda a imprensa falada, escrita e televisada.

    Abração

  3. Debate, diálogo, brainstorm (que em Minas Gerais chama toró de parpite), o objetivo é o mesmo, ou deveria ser o mesmo: filtrar as boas idéias e eliminar as ruins.

    Quem defende uma idéia acha que a idéia é boa, claro. Mas deve estar disposto a mudar de opinião diante de bons argumentos.

    O problema começa quando mudar de idéia é considerado derrota, e o debatedor passa a ver os argumentos da outra parte como inimigos a serem derrotados. (Na minha infância, havia uma tabuleta ao lado da churrasqueira lá de casa: “Mudar de idéia não é vergonha, vergonha é não ter idéia para mudar”).

    De qualquer forma, pelo bem do debate, ou da conversa, se a maioria prefere outra palavra, que assim seja.

  4. Independente da palavra usada (debate, simpósio , toro de parpite, ) o que falta é que os integrantes destas coisas acima estejam dispostos a trocar ideias a cerca de escolher as melhores, sejam eles os debatedores ou os ouvintes

  5. Ilustre Bertoluci,

    só no JBF para um pitaco ser o equivalente a uma recauchutada numa das obras-primas de Schoppenhauer, “Dialética Erística”.

    Inclusive, diria que, nos tempos de redes sociais, “Dialética Erística” está para elas assim como “Arte da Guerra” de Sun Tzu está para os negócios e para a guerra em si. Facebook, Twitter e Youtube viraram palcos de verdadeiras batalhas campais cujos integrantes não têm sinceridade no debate, e sinceridade no debate é como ter licença pra andar armado.

    É o Velho Oeste, e vale tudo. Tome falácia em cima de falácia.

  6. Por aqui, Bertoluci, tanto na grande mídia quanto nas redes sociais, faz-se corriqueiro uso da falácia para o DESVIRTUAMENTO da realidade.

    Construindo as mais estapafúrdias e completas desonestidades intelectuais. Ex: Após a China admitir a eficácia no uso da cloroquina contra COVID – 19, foram às redes sociais e lançaram a desonesta frase “A cloroquina é comunista, aguardemos a reação da direita do Brasil.

    Ora!, todos sabemos que o STF, congresso, prefeitos e governadores, tudo fizeram para a derrocada e desestabilização do governo federal, culpando-o pela mortes que poderiam terem sido poupadas pois, “embasaram-se” na “ciência”, na OMS, A China, o isolamento social, etc.
    Hoje, (STF e puxadinhos) quando viram a merda que fizeram, estão procurando tirar o deles da reta.

    Falácia Ad hominem (ao homem) – Muito usada por governos que, por falta de sustentação argumentativa ao seu opositor, lança mão de ataques a honra/caráter, atribuindo-lhes pechas caluniosas, inclusive contra seus familiares, como forma de descredibilizar (desmoralizar) o oponente. Furtivamente fugindo do argumento sem que tenha que apresentar o próprio, por baldo que é.
    Ex: algum fubânico (escolha livre), argumenta que o JBF só existe cabra macho e sem chifre.

    Ai, vem outro (de livre escolha, também) dizendo para não darem credito a ele, pois corre o boato de que já o flagraram com o “carro dando ré” e sua companheira costuma costurar para fora. E bem!

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