ARISTEU BEZERRA - CULTURA POPULAR

O homem chega à feira e lá encontra seu compadre arrumando os peixes num imenso tabuleiro de madeira. Cumprimentam-se. O feirante está contente com o sucesso do seu modesto comércio. Entrou no negócio há poucos meses e já pode até comprar um quadro-negro para divulgar seu produto.

Na lousa, exposta atrás do balcão, o comerciante escreveu a seguinte mensagem em letras caprichadas: HOJE VENDO PEIXE FRESCO. Em seguida, perguntou ao amigo e compadre:

– Você acrescentaria mais alguma coisa?

O compadre releu o anúncio e, discretamente, elogiou a caligrafia. Entretanto, devido a insistência do cuidadoso e responsável comerciante de peixe, reforçando a indagação, resolveu questioná-lo:

– Você já notou que todo dia é sempre hoje? Acho dispensável a palavra hoje. Ela está sobrando…

O feirante aceitou a ponderação: apagou o advérbio. O anúncio ficou mais enxuto. VENDO PEIXE FRESCO.

– Se o amigo me permite, tornou o visitante, gostaria de saber se aqui nessa feira existe alguém dando peixe de graça. Que eu saiba estamos numa feira. E feira é sinônimo de venda. Acho desnecessário colocar o verbo vender. Se a banca fosse minha, sinceramente, eu o apagaria. O anúncio encurtou mais ainda: PEIXE FRESCO.

– Diga-me uma coisa: Por que apregoar que o peixe é fresco? O que traz o freguês a uma feira, no cais do porto, é a certeza de que todo peixe, aqui, é fresco. Não há no mundo uma feira livre que venda peixe congelado…

E lá se foi também o adjetivo. Ficou o anúncio reduzido a uma singela palavra: PEIXE.

Mas, por pouco tempo. O compadre pondera que não deixa de ser menosprezo à inteligência da clientela anunciar, em letras grandes e legíveis, que o produto ali exposto é peixe. Afinal, está na cara. Até mesmo um cego percebe, pelo cheiro, que o assunto, aqui, é pescado…

O substantivo foi apagado.O anúncio sumiu. O quandro-negro também. O feirante vendeu tudo. Não sobrou nem a sardinha do gato. E ainda aprendeu uma preciosa lição: escrever é cortar palavras.

Fonte: Este texto foi encontrado na internet com autoria desconhecida. As pessoas começaram a enviar para os e-mails dos amigos, então, pelo bom humor do assunto resolvi publicá-lo no JBF.

17 pensou em “ESCREVER É CORTAR PALAVRAS

  1. Aristeu, essa é uma das boas técnicas da “Redação” jornalística. “Enxugar” o texto, o máximo possível, fazendo-o compreensível ao leitor.

    • Mestre José de Oliveira,

      É gratificante receber o comentário de quem escreve de forma objetiva, simples e com precisão. O domínio do idioma e a capacidade de expressão por meio da leitura e da escrita são instrumentos fundamentais para o exercício da cidadania, e esse é o maior desafio para a educação de qualidade. Além dos reconhecidos benefícios para a educação integral, a leitura e a escrita ampliam as oportunidades de inserção social e da disseminação cultural.
      Grato por sua opinião, prezado amigo José de Oliveira!

      Saudações fraternas,

      Aristeu

    • Francisco Sobreira,

      “Escrever é cortar palavras”, é atribuído, também, a Carlos Drummond de Andrade, porém talvez não tenha sido ele: parece que, na ânsia de enxugar, alguém acabou cortando o crédito. Importa pouco a autoria do conselho. Com essas ou outras palavras, o elogio da concisão é a lição mais ouvida por aprendizes das letras há mais de cem anos. Compartilho uma reflexão que li há pouco tempo: “Os nossos textos têm mesmo a mania irritante de vir com gordurinhas: adjetivos supérfluos, advérbios nem se fala, frases inteiras que se limitam a reiterar uma ideia já explícita. Deve-se passar a faca sem dó em tais sobras, buscando dizer mais com menos. Não se discute que o enxugamento – que não precisa chegar ao extremo do que Graciliano Ramos chamava de “banho de soda cáustica” no estilo – é uma das etapas indispensáveis da boa escrita.”

      Saudações fraternas,

      Aristeu

      • Não sei quem disse a frase primeiro, mas difícil achar quem a leve mais a sério do que meu conterrâneo, o escritor curitibano Dalton Trevisan.

        • Marcelo Bertoluci,

          Grato pelo seu oportuno comentário. Concordo com a observação sobre o escritor curitibano Dalton trevisan. O nome completo do escritor curitibano é Dalton Jérson Trevisan. Por ter sido sempre contra a divulgação de seu nome na mídia, acabou criando um mistério em torno de si e de suas obras. Tal como Rubem Fonseca, escritor mineiro, Trevisan é avesso à fotografias para a imprensa e dificilmente dá entrevistas. Seu apelido, O Vampiro de Curitiba, refere-se a um livro que publicou no ano de 1965. Além da recusa em aparecer na mídia, o escritor, dificilmente, recebe a visita de estranhos.

          Saudações fraternas,

          Aristeu

  2. Sanho conhece versão parecida sobre o “ovo”. Quanto ao texto e quanto ao corte, Sancho agradece a Aristeu a oportunidade para dizer que concorda com o texto, mas (palavratório mas) adora escrever, o que o fará sempre não economizar nas dita cujas. Abraçao, grande amigo

    • Sancho Pança,

      Agradeço seu valioso comentário. Estou sempre aprendendo com as opiniões dos amigos sobre os textos abordados no Jornal da Besta Fubana.
      Certa vez, esbarrei no vídeo de uma entrevista do romancista amazonense Milton Hatoum, autor de “Dois irmãos”, famoso por passar anos debruçado sobre seus livros antes de entregá-los ao público. Quando lhe perguntaram se esse longo tempo de preparação era dedicado a cortar palavras, Milton respondeu que sim, entretanto não só: era dedicado a acrescentar palavras também. Sua explicação, que interpreto livremente aqui, foi a de que compete ao escritor deixar em foco os conflitos principais da sua história. Às vezes se aprimora o foco por subtração, outras vezes por adição. Uma cena a mais, um parágrafo descritivo a mais, um diálogo a mais podem ser exatamente o que faltava para tornar vigoroso um texto até então capenga e flácido.

      Isso significa: nem sempre menos é mais. Há ocasiões em que menos é menos mesmo. Pode ser óbvio, mas às vezes só enxergamos o óbvio quando ele já nos ferroou o pé.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  3. Dad Squarisi é professora, formada em letras na UnB, com especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura, sendo também editora de Opinião do jornal Correio Braziliense e comentarista da TV Brasília.

    Não sei se é a autora, mas ela já usou esta historinha em suas dicas de redação.

    Segue abaixo os links para duas versões presentes nas dicas da Dad:

    Encher lingüiça já erahttp://blogs.correiobraziliense.com.br/dad/encher_linguica_ja_era/

    Economia verbalhttp://concursos.correioweb.com.br/app/colunistas/dad-squarizi/2016/01/25/noticiasinterna,35949/novos-tempos-novos-textos.shtml#.XwNUG6FKiM8

    • Jairo Juruna,

      Muito obrigado por seu oportuno comentário. É difícil saber a origem de um texto quando circula na internet por muito tempo, entretanto agradeço os links enviados e já os conferi. O importante é a lição de ser objetivo, simples e conciso na elaboração de um texto literário de qualidade. A arte de escrever pode ser comparada com a a visualização de um objeto definido. Ninguém é capaz de escrever bem, se não sabe bem o que vai escrever.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  4. Ótimo texto, prezado Aristeu Bezerra! A técnica de cortar palavra está ligada ao poder de síntese de cada escritor. É um dom. Uma questão de estilo. Há um dito popular que diz: “Para um bom entendedor, meia palavra basta.” rsrs

    Uma semana, com muita Saúde e Paz!

    • Violante,

      Grato por seu excepcional comentário. Concordo que está ligado ao poder de síntese de cada escritor. Você sabe ser objetiva, clara e concisa nas suas bem elaboradas crônicas. Aproveito a oportunidade para compartilhar um poema de Carlos Drummond de Andrade que, graças ao talento de síntese, diz tudo em poucos versos:

      AUSÊNCIA

      Por muito tempo achei que a ausência é falta.
      E lastimava, ignorante, a falta.
      Hoje não a lastimo.
      Não há falta na ausência.
      A ausência é um estar em mim.
      E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
      que rio e danço e invento exclamações alegres,
      porque a ausência, essa ausência assimilada,
      ninguém a rouba mais de mim.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

      • Obrigada, prezado Aristeu, por compartilhar comigo esse precioso poema de Carlos Drummond de Andrade, muito pertinente ao tema. Adorei!,

        Muita Saúde e Paz!

        Violante

  5. Aristeu,
    Parabéns pela coluna JBF.
    Acrescento:
    Evitar palavras desnecessárias e rodeios inúteis é, sem dúvida, um ótimo conselho.
    Grata.
    Carmen.

    • Carmen,

      Agradeço seu gentil comentário. As suas observações estão corretíssimas, pois palavras desnecessárias e rodeios fazem o leitor ficar sonolento, então, o livro sai rapidamente das suas mãos e vai para a estante. Faço uma brevíssima reflexão sobre a difícil arte de escrever para a prezada leitora fubânica.
      A escrita deve ser simples, objetiva e concisa; sem palavras a mais, expressões irrelevantes, apartes, divagações. Contudo não deve omitir detalhes importantes. Entre diversas possibilidades para expor uma ideia escolha sempre a mais simples. Elimine todos os traços de pomposidade – infelizmente muito comuns na nossa cultura. Resista à tentação de impressionar o leitor com o seu saber enciclopédico.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  6. LouisCiffer,

    Agradeço ao seu comentário com a observação que o primeiro texto foi de Millôr Fernandes, entretanto o assunto não era com peixes, e sim com ovos. Aqui, nesse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana, estamos sempre aprendendo uns com os outros. Valeu!

    Saudações fraternas,

    Aristeu

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