Na minha última coluna, falei do capitalismo. Para completar o assunto, vai o outro lado da moeda: o tal do Marx, muito falado e pouco lido. (diz a piada que “pessoa de esquerda” é aquele que leu Marx, e “pessoa de direita” é aquele que leu e entendeu)
Não vou, é claro, analisar a extensa obra do “filósofo, economista, historiador, sociólogo, teórico político, jornalista e revolucionário socialista”, segundo o artigo da Wikipédia. Vou apenas tentar explicar, em termos simples, alguns conceitos importantes contidos em sua obra; mais exatamente, três.
O primeiro é chamado de “teoria do valor-trabalho” (TVT). Este conceito tenta estabelecer um valor absoluto para as coisas, baseado na quantidade de trabalho humano empregada em cada uma. Algo que exigiu mais trabalho, deve valer mais. Exigiu menos trabalho, vale menos.
A maioria dos economistas não-marxistas nem se dá ao trabalho de uma explicação detalhada desta teoria; basta demonstrar sua inutilidade com exemplos práticos: se eu fabrico algo que ninguém gosta, o quanto eu gastei de esforço é irrelevante. Se eu fabrico algo que agrada a alguém, este alguém pagará aquilo que achar razoável, e novamente o quanto eu me esforcei não vem ao caso.
O que a TVT tenta fazer é negar aos consumidores o direito de escolher e de ter gostos. Em uma sociedade pobre, onde apenas o mínimo indispensável à sobrevivência exista, pode até fazer algum sentido. Mas assim que houver possibilidade, algumas pessoas vão preferir maçã e outras vão preferir banana, sem se preocupar com o quanto de trabalho uma ou outra exigiu do agricultor.
Em termos econômicos, é inevitável que o valor das coisas seja determinado, simplesmente, pelo quanto cada pessoa esteja disposta a pagar por elas. É inútil tentar definir razões lógicas para isso. O que Marx faz, ao criticar a “burguesia” por suas escolhas, é apenas mais um caso do gosto, tão humano, de mandar nos outros e de ser o dono da verdade. Por outro lado, o livre mercado não se interessa pelas escolhas de cada um: o valor de cada coisa varia de acordo com a relação entre a oferta e a procura. Se muitas pessoas gostam de uma coisa, o preço tende a subir. Isto mostra uma oportunidade para outras pessoas que vão tentar produzir esta coisa, e isto faz o preço baixar. O equilíbrio entre estas forças é chamado “a mão invisível do mercado”. A diferença dos gostos explica porque um quilo de picanha vale mais que um quilo de fígado, embora a produção dos dois seja inseparável (não existe boi sem fígado nem boi sem picanha). Pela TVT, picanha, fígado, mignon e língua deveriam custar a mesma coisa: afinal, o trabalho para produzí-los é o mesmo.
A TVT serve de base para o mais famoso bordão marxista: a mais-valia. Se o valor de uma mercadoria vem unicamente da mão-de-obra, um empresário que venda a mercadoria por mais do que o valor dos salários dos empregados que a produziram, estaria tendo um ganho ilícito e imoral. É bastante óbvio que isso é uma simplificação grosseira, mas afinal, como vários biógrafos lembraram, Marx nunca pôs os pés em uma fábrica em toda sua vida.
Em primeiro lugar, o custo do empresário, além dos salários, inclui a matéria-prima, o capital das máquinas e ferramentas, o capital do imóvel, os custos administrativos, os custos do know-how e da tecnologia, os custos de comercialização e mais uma infinidade de coisas.
Mas o conceito mais importante é outro: o empregado efetua uma transação previamente combinada. Ele trabalhará uma quantidade pré-combinada de horas em troca de uma quantidade pré-combinada de dinheiro. Se algo der errado, não é problema dele. O empresário, por outro lado, arca com os custos de produzir uma mercadoria, com a esperança de conseguir vendê-la com lucro. Mas isso dependerá do valor que o consumidor atribuir ao produto, e isso está fora do controle do empresário. Se o consumidor gostar, o empresário venderá a mercadoria com lucro. Se não, venderá com prejuízo ou ficará com o estoque encalhado. (lembrando que o empregado não está nem aí: o salário dele é o mesmo, e deve ser pago no dia combinado).
Neste ponto, alguém dirá “mas o empresário sempre tem lucro, porque eu não vejo empresários pobres”. Isso é como dizer que como só vemos pessoas vivas na rua, então as pessoas não morrem. É claro que morrem, mas são enterradas e não são mais vistas. Os empresários que não conseguem produzir algo que as pessoas queiram comprar, deixam de ser empresários. A expressão “empresário bem-sucedido” é redundante: se alguém é empresário, é porque é bem-sucedido; se não fosse, não seria empresário.
Ou seja: o empregado tem um rendimento sem risco, nem muito grande, nem muito pequeno, mas seguro. O empresário por outro lado, assume riscos: pode ganhar muito, ou ganhar pouco, ou não ganhar nada, ou até perder. Em uma sociedade saudável, é importante que as pessoas possam optar por ser uma coisa ou outra.
O último conceito é chamado “a lei de ferro dos salários”. Na sua forma original, falava que a longo prazo, aumentos de salário trariam um aumento da população, e que este aumento da população desequilibraria a relação oferta-procura em termos de emprego, fazendo os salários voltarem a cair. Esta teoria não foi criada por Marx; na verdade, Marx a discutiu em sua obra e discordou dela. Falo dela aqui porque muitos filósofos de botequim usam uma versão deturpada para criticar o capitalismo, algo parecido com “os patrões malvados pagam sempre o mínimo possível de salário porque se o pobre trabalhador não aceitar, será demitido e substituído por outro”.
Este pensamento é fruto da tendência dos seguidores de Marx de não enxergar pessoas como indivíduos. Para eles, pessoas são apenas números, membros de uma classe, e todas devem pensar e agir da mesma forma, de acordo com as definições da classe (algo que sempre irrita muito os de pensamento à esquerda é a existência de pessoas que não agem da forma esperada, que são chamadas “traidores da classe”). De forma preconceituosa e pejorativa, este pensamento trata todos os empregados como seres sem individualidade, como uma massa em que um pode ser trocado por outro como se fossem todos a mesma coisa e ninguém tivesse qualidades e características individuais.
Ora, a mão-de-obra é uma mercadoria como outra qualquer, e é comprada e vendida através do que se chama Relação de Emprego. Se a mão-de-obra é abundante e a demanda é baixa, o preço, isto é, o salário, diminui. Ocorrendo o contrário, aumenta. Mas o valor não é igual para todos, ao contrário, é um atributo individual: o trabalhador com mais habilidade, mais inteligência, mais responsabilidade, etc, sempre será mais desejado, e portanto mais caro, que os que não têm estas qualidades. Novamente, o capitalismo de livre-mercado dá a todos a liberdade de usar o mercado a seu favor: uma pessoa inteligente não irá escolher uma profissão onde exista muita oferta e pouca demanda, mas o contrário.
Conclusão: Neste século, as desculpas e os argumentos para o “coitadismo” estão sumindo rapidamente. Todo o falatório sobre “desigualdade”, “falta de oportunidades”, “pontos de partida desiguais”, se torna cada vez mais obsoleto diante da tecnologia que dá acesso barato ou mesmo gratuíto ao bem mais importante que existe: a informação. Aquilo que há poucas décadas atrás só estava ao alcance de quem podia pagar por livros caros e colégios exclusivos, hoje está ao alcance de um clique. Se antes conhecer o mundo era privilégio de poucos, hoje o mundo inteiro e tudo que nele acontece chega de graça em nossa casa ou no bolso onde está o smartphone. Se um dia uma família precisava trabalhar de sol a sol apenas para conseguir plantar e colher o necessário para sobreviver, hoje a tecnologia fornece não apenas o essencial mas também o supérfluo por preços baixos. Só o que falta é que nossa sociedade valorize a livre escolha e a noção de que cada indivíduo pode ser responsável por seu futuro.