MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

O Brasil sempre foi considerado um país privilegiado por ter um dos maiores (se não o maior) potencial hidroelétrico do mundo. Enquanto outros países queimam combustíveis fósseis ou recorrem à cara energia nuclear, nós podemos usar nossos rios para produzir energia limpa e renovável.

Mas como somos um povo que nunca perde a chance de perder uma chance, nossa energia hidroelétrica está em crise. A construção de usinas é invariavelmente seguida de denúncias de corrupção, desvios e superfaturamento (lembrando que construir usinas aqui é monopólio do governo). Um monte de gente reclama de impactos ambientais, impactos sociais, impactos na fauna, impactos nos índios. É tanto impacto que inventamos de construir usinas “a fio d´água”, que é um jeito politicamente correto de gastar a mesma coisa para ter um resultado pior. E por estes dias estão tentando desenterrar uma ação judicial milionária para indenizar índios guarani que teriam sido prejudicados pela construção de Itaipú, quarenta anos atrás.

Com o avanço da tecnologia, nosso imenso e ensolarado país ganhou uma nova possibilidade – que, naturalmente, não está sendo aproveitada. Estou falando da produção individual de energia a partir da luz solar, também chamada energia fotovoltaica.

Vamos colocar um exemplo prático: imagine uma residência média que por mês consome 300 kWh e paga uns 250 reais. Dividindo 300 kWh por 30 dias, temos um consumo de 10 kWh por dia. Esta quantidade de energia pode ser produzida por cinco painéis de 330W, que custam aproximadamente 2500 reais. Funcionando junto com um banco de baterias, que não precisaria custar mais de 3000 reais, pode tornar a casa quase independente da energia das distribuidoras, e reduzir os 250 reais para menos de 50 (exceto nas poucas regiões do país que têm muitos dias nublados ou chuvosos). Mesmo somando mão-de-obra e despesas de instalação, é um investimento que se paga em dois anos (*).

Por que não temos mais incentivos para esta atividade? Em primeiro lugar, aproximadamente 30% do que paga todo mês vai para o governo sob a forma de imposto, e o governo não gostaria de ver esta quantia diminuir. Outro fato é que o governo odeia que pessoas façam alguma coisa (qualquer coisa) sem estarem cadastradas e sujeitas a um monte de normas, regulamentos, alvarás e licenças. Por isso, existe um programa para que as pessoas instalem sistemas fotovoltaicos interligados com a rede pública. Com isso as pessoas ficam automaticamente sujeitas a todas as exigências burocráticas do governo, somadas às exigências tecnocráticas da concessionária, o que torna a instalação bem mais cara e bem mais complicada.

Se ao invés da cara, complicada e burocrática instalação interligada, houvesse incentivos para a instalação de sistemas independentes, os custos que eu citei poderiam baixar ainda mais, pela simples escala e pela popularização de opções mais simples e baratas. Em resumo, a energia fotovoltaica independente:

– Pode se pagar em dois anos, e daí para frente garantir uma significativa economia para a família.

– Reduz a necessidade de novas usinas (sempre caríssimas e sujeitas aos problemas inerentes a toda iniciativa estatal).

– Reduz os investimentos necessários em expansão e manutenção da rede.

– Ao eliminar uma fonte de arrecadação, força o governo a enxugar suas despesas.

– Oferece um grande campo de trabalho para técnicos instaladores, e não exige anos de especialização.

Ainda há um argumento extra para aqueles que se preocupam com “segurança nacional” e temem que sejamos atacados por países inimigos: um sistema de distribuição como o nosso, por mais bem planejado que seja, é inerentemente frágil. Basta atacar quatro ou cinco sub-estações críticas para causar um apagão em todo o país, sendo que boa parte dele levará semanas ou meses para se recuperar. Não é preciso nenhuma informação estratégica ou sigilosa: basta olhar no Google Maps. Se realmente temos inimigos, eu aposto que todos eles já tem este levantamento prontinho nos seus arquivos (para melhorar, praticamente todas estas sub-estações críticas ficam perto do litoral, ao alcance de mísseis ou aviões). Com a maioria das casas tendo sistemas independentes, o impacto de um apagão diminui bastante.

Como o governo mais atrapalha que ajuda, a utilização da energia solar se restringe aos mais privilegiados, que tem capital para investir e habilidade para driblar as dificuldades da burocracia. É mais uma chance que estamos perdendo.

(*) – Existem muitas decisões a tomar no planejamento de um sistema desses. Se o planejamento for “preguiçoso” ou colocar o conforto acima de tudo, a conta muda. Estou à disposição para quem desejar mais detalhes.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *