MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Quando fui morar nos Estados Unidos no final dos anos 90 a rotina de minha vida mudou radicalmente. A empresa que me transferiu do Brasil para sua sede americana prestava serviços de consultoria de Engenharia de produção para uma série de Clientes industriais, e isso me obrigava a viajar praticamente todas as semanas para vários locais, dentro e fora do país. Virei frequentador assíduo das companhias de aviação. +

Portanto, em cada segunda-feira, na ida para os Clientes, e na sexta-feira, voltando para casa, tinha que responder a duas perguntas cretinas nos balcões das companhias aéreas quando fazia meu “check-in”:

– O senhor tem algum item perigoso . . . blá, blá, blá . . . na sua bagagem?

– Algum desconhecido lhe pediu para levar algum item . . . blá, blá, blá . . .?

Ficava imaginando o que me aconteceria se respondesse:

– Sim, um sujeito ali, mal encarado, com um turbante na cabeça e óculos escuros, me entregou um pacote que faz um barulhinho “tic tac” e me pediu para entregá-lo a um tal de Mohamed Abdul al Satanás que iria me receber no aeroporto e…

Às vezes tinha vontade, só de sacanagem, de responder “yes” e “yes”, mas, claro, não sou louco e me contive de expressar minha opinião a respeito de tais perguntas tão idiotas. Nem esperava pelo término das questões e já ia dizendo “no” e “no” como todo mundo, e os agentes do check-in também mal esperavam as respostas para continuar seu serviço.

E aí veio o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. O país virou de cabeça para baixo e tudo a respeito de segurança pública começou a ser questionado desde então.

Um dia, na primeira semana de fevereiro de 2002, voltava eu de Tijuana, no México, e fui tomar meu avião em San Diego, California, para Phoenix, Arizona, onde morava então. Cansado e sonolento, já estava engatando meus “no” e “no” no embalo das duas famosas perguntas quando notei que elas não me foram feitas. Fiquei curioso e perguntei à simpática galeguinha que mais parecia uma banana nanica passada, tantas eram as pintinhas no rosto:

– Porque você não me fez aquelas duas perguntas?

– Porque elas não são mais necessárias. A determinação veio ontem da TSA, que agora cuida de tudo e eliminou essas perguntas.

TSA é a sigla da Transportation Security Administration, criada pelo presidente Bush em 19 de novembro de 2001 para cuidar da segurança do sistema de transporte americano.

À noite estava vendo o jornal da CNN na televisão quando minha atenção foi despertada por uma entrevista prestada ao saudoso repórter Larry King (falecido em 23 de janeiro deste ano de 2021) por Thomas Joseph Ridge, primeiro Diretor do Homeland Security Department, o órgão criado por Bush para cuidar da segurança nacional dos Estados Unidos. O HSD tem sob seu guarda-chuvas, entre outras agências, a TSA. Quando o entrevistador questionou se as duas perguntas tradicionais foram eliminadas porque não serviam para nada e, portanto, mostravam que o sistema de segurança americano era uma piada, Mr. Ridge respondeu, meio ofendido:

– Não, não era uma piada; o nosso sistema de checagem de segurança era muito bom e funcionou perfeitamente por todos esses longos anos. A única coisa errada que aconteceu em 11 de setembro, e que não foi falha nossa, é que aqueles malditos terroristas mentiram para nós, um comportamento totalmente inaceitável.

Bem, a partir da declaração inteligentíssima daquele alto burocrata passei a viajar muito mais tranquilo por esse mundão de meu Deus! Convenci-me de que o sistema de segurança americano é impecável.

9 pensou em “DUAS PERGUNTAS CRETINAS

    • Pois é, meu compadre. Como diz o ínclito gurú Berto, mato e gente besta há em todo lugar. Em uma ocasião fui embarcar em Atlanta com minha esposa. Estava junto a mim. Apresentei as duas identidades à mulher da TSA. Ela recusou. Mandou minha esposa para trás, segurando a identidade dela com as suas próprias mãos, já que não era admissível que eu a portasse. TINHA que ser ela. Não consigo entender a razão, mas esses burocratas da moléstia pensam que isso é segurança.
      Um grande abraço, e um bom final de semana.

    • Sim, é a mais pura verdade. Em Miami, não me lembro dos detalhes, um jovem mergulhador que voltava dos Estados Unidos levava alguns equipamentos de mergulho para o Brasil e comentou com o seu companheiro que, entre outras coisas, levava uma bomba consigo, referindo-se a um componente de seu equipamento. Um sujeito ouviu, dedou a um agente da TSA, o rapaz teve seu equipamento confiscado, foi preso por um mês e só foi solto após pagar uma multa pesada por “brincadeira perigosa” e a intermediação de um advogado brasileiro que explicou ao juiz os vários significados da palavra “bomba” em português (por exemplo, uma bomba de chocolate). É sempre bom nunca facilitar.
      Em um embarque em Atlanta, Georgia, um “trim” de cortar unhas foi confiscado pela fulana que vistoriou minha maleta de mão.
      Tenha um bom final de semana.

  1. Caro Magnovaldo,

    Apesar da imensa estima e admiração que tenho por ti, vou descordar um pouco de ti. Só um pouquinho…

    Levante as mãos para o céu e agradeça por morar em um país em que MENTIR é um comportamento totalmente injustificável. Até impensável!

    Um presidente da República foi derrubado só porque mentiu. Perdeu totalmente a credibilidade.

    Aqui, por esta terra de trogloditas em que o destino me largou, o supremo dá autorização para mentirosos contumazes ficarem calados. Mentir é sinal de esperteza. É algo até meritório saber mentir bem. Você vira político e, muito rapidamente fica rido. Sempre mentindo adoidado.

    Magnovaldo! Não queres me adotar e dizer que sou teu filho, só para que eu ganhe um Green Card e vá morar aí também?

    • Meu prezado amigo Adonis:

      Você está prenhe de razões em sua discordância.

      Em verdade delineei esse artigo há algum tempo atrás, com o pensamento que tinha à época. O que me parecia – e me parece ainda – é que o americano, de maneira geral, se comporta de um modo até ingênuo, acreditando em tudo que lhe dizem. Falar a mentira é “normal” a um cidadão de um país que leva a verdade na conta de uma avacalhação: o bom é ser sacana, passar a perna nos outros, etc.
      Uma das coisas que admiro ao extremo neste país é a seriedade com que se tratam as coisas combinadas, o horário marcado, a honestidade no trato. Infelizmente hoje parte dessa cultura está indo embora, resultado de anos de safadeza e desonestidade, principalmente por conta de gente de países com deficiência generalizada de caráter.

      Um dos meus conhecidos brasileiros, há cerca de dez anos atrás, teve seu “green card” negado por mentir: havia deixado de pagar uma conta, foi intimado a comparecer a juízo, não compareceu e, quando perguntado se havia algum processo contra ele, negou. Descobriram. Foi informado de que deixar de pagar uma conta é normal, e isso não afetaria seu “green card”, mas não dar explicações e mentir é uma coisa séria neste país. Foi deportado.

      E, falando em “green card”, fique à vontade. Se precisar de alguma referência, é só levantar a bola que eu dou a raquetada. O duro vai ser o governo daqui que um velho aposentado sustenta um filho mais sacudido que eu!

      Obrigado pelo seu comentário. Tenha um excelente final de semana.

  2. Interessante que os americanos entenderam da pior forma possível que a segurança deles era uma bela porcaria. Mas, a resposta do Mr. Segurança foi fantástica.

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