MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Anos atrás (êta língua a nossa!) meu amigo Cláudio D. estava aqui nos Estados Unidos estudando em Flint, Michigan, cidade situada ao norte de Detroit.

Casado, com um filho pequeno, levava a vida driblando as dificuldades econômicas com o que recebia de sua bolsa de estudos e constantes ajudas de sua família no Brasil.

Após um ano duro, economizou o suficiente para levar a família de férias até a Disney World em Orlando. Divertiram-se com seu menino, passearam e… gastaram todo o dinheiro, já que a Disney é uma irresistível máquina de chupar as verdinhas do bolso. Feitas as contas na hora de voltar, só sobrou o suficiente para abastecer o carro para a viagem de cerca de 2.000 km de volta, além de sanduiches e refrigerantes bem contados. Bem, sem choro, o negócio foi encarar a estrada, a famosa “Freeway I-75” e dormir no carro.

Após dirigir por mais de 12 horas, já de noite, Cláudio simplesmente não tinha mais condições de prosseguir e sua esposa não tinha a habilitação americana. O cansaço e a dor nas pernas eram tão fortes que resolveu parar no acostamento e tirar uma soneca. Nas “freeways” só se pode parar no acostamento por razões de emergência, e existem áreas de descanso a cada 60 a 80 milhas, onde parar é permitido e há toda uma estrutura para tal.

“Rest Area” (Área de Descanso) na I-75

Após alguns minutos um carro da polícia parou atrás. Desceu um policial e quis saber qual a emergência que motivou a parada. Travou-se o seguinte diálogo:

Policial: “Boa noite senhor, posso saber qual é a emergência que o obrigou a estacionar no acostamento?”

Cláudio: “Estou vindo de Orlando e moro em Flint, Michigan. O cansaço e a dor nas pernas não me permitem mais continuar dirigindo. Minha esposa não pode dirigir e se eu seguir ao volante há uma grande chance de causar um acidente. Meu dinheiro acabou e não tenho como pagar um hotel para passar a noite. Realmente, se eu continuar dirigindo nesta situação vou expor a minha família e outros motoristas a um grave risco.”

Policial: “Entendo. O senhor tem razão. Vamos fazer o seguinte: descanse, tire uma soneca, sinta-se bem de novo que eu vou ficar estacionado aqui atrás do senhor. Se eu não fizer isso, a cada 10, 15 minutos um outro policial vai parar aqui e questionar-lhe novamente e, com isso, o senhor não vai conseguir descansar.”

E assim foi feito. O policial estacionou atrás do carro do Cláudio e ficou esperando que ele tirasse sua soneca.

Depois de umas duas horas de sono meu amigo, já revigorado, levantou-se, abriu a porta do carro, espreguiçou e respirou o ar frio da madrugada.
O policial saiu de seu carro e lhe dirigiu as seguintes perguntas:

– O senhor já se sente bem?

– Sim, já estou bem e posso continuar, respondeu Cláudio.

– Que dia é hoje?

Cláudio pensou um pouco e respondeu corretamente.

– Ótimo. Já vi que o senhor está bem. Pode seguir com segurança. Boa viagem e um bom retorno para o senhor e sua família.

Sempre digo que a diferença entre um país desenvolvido e um ainda a caminho não é o tamanho de seus viadutos, a silhueta de suas mulheres ou a altura de seus prédios, mas a civilidade e a educação de seus cidadãos e de seu governo que, aliás, é um reflexo delas.

4 pensou em “DORMINDO NA “FREEWAY” I-75

  1. Sempre que fico sabendo de fatos como esse, minhas esperanças na espécie humana se renovam um pouco. Muito embora, acredite que o nosso querido Brasil ainda levará muitas décadas para chegar perto disso.

    E cada vez mais penso que a educação, principalmente se bem aplicada desde os primeiros anos no seio da família e continuada na escola, seja o fator determinante para que se atinja esse grau de empatia, amor ao próximo e respeito à legislação.

  2. Prezado Philippe:
    Grato pela seu brilhante comentário. Também penso a mesma coisa. Apesar de que mesmo em um país desenvolvido como os Estados Unidos há gente que não presta, tenho sempre esperança no ser humano. Há inúmeros exemplos de humanidade no Brasil, mas infelizmente a nossa cultura vai demorar algumas gerações para alcançar o nível adequado para que se considere o ser humano verdadeiramente humano.
    Tenha um bom fim de semana junto aos seus.

  3. Impossível não fazer coro:
    Sempre digo que a diferença entre um país desenvolvido e um ainda a caminho não é o tamanho de seus viadutos, a silhueta de suas mulheres ou a altura de seus prédios, mas a civilidade e a educação de seus cidadãos e de seu governo que, aliás, é um reflexo delas.

    Sobre o “e um ainda a caminho” é que tem gente a perder de vista que vive desviando o Brasil do caminho…

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