Zé de Zefinha era um cabra feio que só a peste! Era mais feio do que a palavra Teje Preso. O povo dizia que o cabra era tão feio, que quando nasceu, a parteira ia jogando o desgraçado no lixo. Preguiçoso feito o cão, passava o dia entre uma coisa e outra que a mãe mandava fazer e o fundo de uma rede na varanda do quintal, enfiando peido em cordão. Ele não trabalhava, não tinha amigos e de tão feio que era sequer tinha namorada. Pra dona Zefinha, a mãe dele, não. Ele era feio pros outros. Pra ela, podia até ser meio malamanhado, mas era bonito que só.
– Feio é a fome. – dizia ela.
A mãe de Zé, dona Zefinha era dessas mulheres fortes, virada na gota serena, trabalhadeira. Num abria nem prum trem carregado de lenha. Era devota do Padim Ciço e de Nossa Senhora das Cabeças e ainda tinha um pé no terreiro de macumba do Pai Chico de Zeza. Mas gostava mesmo era de um mexerico. Andava sempre desconfiada, agoniada, vendo visagens, resmungava de tudo e de todos e escutava nas paredes as conversas dos vizinhos, corria atrás dos cachorros, espantava as galinhas e as moscas da cozinha.
– Mamãe, se aquiete! – gritava de dentro da rede, o feioso – Deixe de ligar pra vida alheia! Um dia a senhora vai ter um troço! Pare de correr atrás dos cachorros do meio da rua! A senhora acabou de almoçar!
– Num se meta a besta comigo não, seu cabra! Mas num tô dizendo mermo! – respondia afobada.
A velha continuava a sua lida diária, correndo de um lado pro outro, ora gritando com os meninos dos vizinhos, ora espantando as moscas e as galinhas, ora correndo atrás dos cachorros do meio da rua que iam cagar bem na calçada onde ela estendia as roupas pra quarar.
– Esses cachorros são uns cornos iguais aos donos! – gritava a velha agoniada, bramindo um cabo de vassoura atrás dos bichos, esperando que os vizinhos dessem conta, doida pra começar um bate-boca. E era assim, dia após dia.
Não é que um dia a velha teve um troço? Numa dessas desavenças com os vizinhos por causa dos cachorros, começou a se tremer e a babar. Desabou feito um fardo no meio da rua, causando infernal alarido. Ainda teve tempo de gritar pro filho, com a língua trôpega:
– Acode, imprestável! Tô istoporando, fi duma égua!
Correu foi todo mundo pra ver a velha se estrebuchando no meio da rua. Os cachorros latiam, os meninos vaiavam, os vizinhos se apressavam a acudir a afobada dona Zefinha. O filho dela tinha ido buscar umas coisas na feira, a mando dela e só chegou na boca da noite, mais melado do que espinhaço de pão doce, porque além de feio, o infame gostava mesmo era de molhar a goela.
– Corre, Zé! A tua mãe teve um passamento e tá lá toda tesa, arriada na rede! Corre senão tu num pega ela viva! Vai, malamanhado!
– Ôxente! Bem que eu disse pra ela se aquietar! Ai meu Deus! – correu desengonçado, tropeçando nos caçuás, caindo por cima das galinhas, o que resultou no maior alarido do povo do meio da rua, vaiando e fazendo troça com a cena grotesca e cômica.
– Pra que tu bebe, nojento! Acode tua mãe, feladaputa! – gritava um.
– Além de feio é todo malamanhado! – dizia outro.
– Vai, cara de buceta! Papangu! – gritava em coro, os meninos do meio da rua.
Quando Zé entrou no quarto, viu a mãe entrevada na rede e correu esbaforido e trôpego. Tava mais bêbado do que um gambá. Ao lado da rede já estavam o padre e o pai-de-santo, pra encomendar a alma da infeliz.
– Mãezinha! Mãezinha! – choramingou sacudindo a velha. Tacou um beijo na testa da dona Zefinha e ato contínuo, destrambelhado, desabou por cima da rede, arrancando os armadores da parede e jogando a velha com tudo no chão, por cima da penteadeira, voando caco de tudo por todo lado.
– Égua! – gritou o padre – Agora matou de vez!
– Dona Zefinha! – correu o pai-de-santo – Valha meu São Jorge! – Essa já bateu as botas!
Qual o quê! A velha se levantou com as próprias pernas, tateando por cima do filho desacordado. O espanto foi geral, deixando o padre e o pai de santo de joelhos, abraçados! O povo desembestou porta a fora, por cima das cadeiras, atropelando as galinhas, caindo por cima do pote e dos caçuás de banana. A vaia foi geral do povo da rua e os cachorros, parecendo entender a tragicomédia, latiam como loucos.
– Ai meu Deus! Uma assombração! – gritou o padre, choramingando, agarrado nas pernas do pai de santo.
– Baba Egum! – balbuciou o pai de santo de olhos arregalados segurando forte a mão do padre.
Dona Zefinha, ainda amarelada, meio zonza, olhou com reprovação para aquela cena de destruição na sua casa. Olhou pro padre e pro pai de santo, pediu um copo d’água e falou baixo, pro povo da rua não ouvir.
– Eu fui bater no inferno!
– Que é isso, dona Zefinha! Cruz credo! – falou o padre!
– Oxossi te proteja, irmã! – Disse o pai de santo.
– Fui sim, gente, fui no inferno e voltei. Eu vi até o Cão! O capeta me lascou um beijo na testa! Senti o maior bafo de cana! Eu vi até o Cão! Ô bicho feio!
Texto magnífico, me identifiquei com todas as “palavras”, sou cearense, moro em Brasília desde 1966, mas, continuo nordestino, é lindo ler um artigo maravilhoso. Vai fundo amigo!
Obrigado Marcos. O Cearensês não pode morrrer!
Quase me acabo de rir!!!!! Feiúra e Cachaça: um santo remédio. Levantam até defunto
Verdade, Maurício! Pense num negócio brabo!
Que grande escritor.
Gostaria de ter ao menos dez por cento do seu talento para
escrever tão belos textos.
Li todos os seus textos anteriores e fiquei encantado.
Escreva sempre, escreva muito, aproveite o máximo
possível e divulgue para nós o grande talento que Deus lhe deu.
Do alto da minha idade, desejo de coração que Deus lhe abençõe.
Fico muito feliz que tenha gostado do pequeno conto malassombrado. E muito obrigado pela bênção que é sem dúvida, muito importante. Grande abraço!
Como sempre muito inspirado esse nordestino que eu amo!
Obrigado, minha princesa encantada!