CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

Segundo texto escrito em colaboração com o estudioso e profundo conhecedor de filmes de faroeste: D.Matt.

Dedicamo-lo ao editor do JORNAL DA BESTA FUBANA, LUIZ BERTO, autor da excelente apresentação do livro de estreia do colunista western, ALTAMIR PINHEIRO, “NO ESCURINHO DO CINEMA”, a ser lançado brevemente.

No seu texto de apresentação, o editor da BESTA FUBANA demonstra ser um grande apreciador do cinema e de filmes westerns em particular, levando-nos às suas matinês nos cinemas da sua já culturalmente famosa cidade de Palmares, quando menino, relembrando suas travessuras cinematográficas e outras já amplamente descritas e apreciadas pelos leitores no seu famoso livro de crônicas “A PRISÃO DE SÃO BENEDITO e outras histórias.”

Poster do primeiro filme Django (1966), do diretor Sergio Corbucci

As primeiras imagens do fantástico filme DJANGO (1966), produzido e dirigido pelo talentoso diretor Sergio Corbucci, captadas pela lente do diretor de fotografia Enzo Corboni, nas primeiras cenas do filme, mostram um cenário místico, sombrio, com a quadrilha do general Hugo Rodriguez e a do Major Jackson se digladiando, com este tentando, a todo custo, enforcar ou queimar viva uma prostituta indefesa no deserto, lembram o cenário do sertão à época de Lampião, o anti-herói místico da caatinga, quando cangaceiros e volantes perseguiam suas vítimas indefesas para cometer atrocidades, furiosos por arrancar-lhes a ferro em brasa confissões inexistentes sobre paradeiro de bandos e soldados inimigos. Embora ficção, esse filme retrata com inteligência a realidade vivida no sertão nordestino no início do século XX, quando os cangaceiros, sobre o comando de Lampião, aterrorizavam na caatinga, saqueando, roubando, seqüestrando, matando e incendiando fazendas e propriedades, já castigadas pelo sol inclemente.

O confronto entre Django e os capangas do Major Jackson travada no meio do oeste, onde mais de quarenta capatazes morrem sobre a mira da metralhadora do homem solitário prova o talento do diretor que, em momento algum perde a mão na condução da batalha. Somando-se a esse filling cinematográfico inusitado, assiste-se a recriação de uma cena antológica: o ataque ao Forte Cheuriba do Major Jackson por Django e o general Hugo Rodriguez, com ambos utilizando para esse feito o estratagema do Cavalo de Tróia, como uma cartada bem planejada para matar todos os soldados do sanguinário major e depois saquear todo ouro que estava armazenado no porão do forte.

O misticismo do filme, sendo essa visão um dos fatores do seu grande sucesso para a época, em todo desenrolar da história; a cena do embate final entre Django, com as duas mãos esmagadas pelos capangas do general Hugo, diante das cruzes no cemitério e o fuzilamento dos soltados do Major Jackson e dele por um homem quase impotente, torna o filme um clássico cinematográfico cultuado até hoje por diretores, atores e aficionados do spaghetti western, passados mais de cinquenta anos do seu lançamento.

Nesse filme, vê-se que os cenários não procuram retratar uma cidade do Oeste. Na verdade não tem nada que identifique como uma cidade verdadeira. É apenas um amontoado de fachadas em escombros, coisas velhas sem nenhum cartaz ou dizeres indicando a sua utilidade, o que é muito importante.

Todo o cenário da cidade está fotografado com tons sombrios, tudo em quase preto e branco, sem nenhuma cena colorida. Parece uma cidade do umbral, sem nenhuma vida ou cor, sem nenhuma árvore, tudo escuro, como se estivesse situada às portas do inferno. Talvez tenha sido essa a intenção do diretor para preparar psicologicamente o telespectador para todo o drama que vinha a seguir.

As mulheres do bar não são personagens reais, são figuras quase abstratas posicionadas naquele cenário com a função de mostrar a irrealidade daquela cidade. A maquilagem delas mostrada no rosto é propositalmente exagerada, debochada, horripilante, quase uma máscara de horror, prenunciando os escândalos e violências futuras. Aliás, todo o filme exibe uma maquilagem de máscara, com exceção do ator principal.

O enredo começa de maneira empolgante. Ninguém fica imune da surpresa muito original na descoberta do conteúdo do caixão. O diretor segurou o filme com mão firme e muita inteligência, instigando a curiosidade do espectador que não desvia sua atenção da tela nem por um segundo.

Os atores, experientes, todos se saem muito bem, muitas vezes – nota-se – que a super representação é exigida pelo diretor, que deseja mostrar que aquilo é uma fábula encenada e não a reprodução da realidade, uma sacada de mestre do diretor Sergio Corbucci.

Não se vê no cenário de filmes de faroeste outro ator que pudesse interpretar melhor o personagem Django como Franco Nero. Ele está perfeito e ao final, quando termina a cena do cemitério, já começamos a sentir saudade do filme e de seu personagem principal, que ficará sem dúvida para sempre no cenário western em geral. Não só do spaghetti western, mas em todos os gêneros.

A direção do mestre Sergio Corbucci é impecável. Em algumas cenas sentem-se que estão exageradas ou super representadas, mas na verdade este foi um meio inteligente que o diretor encontrou para dizer explicitamente aos telespectadores que aquilo não era realidade e sim cinema.

Poster do filme Django Livre (2012), do diretor Quentin Tarantino

Para produzir e dirigir seu neoclássico spaghetti western, Django Livre (2012), uma homenagem ao diretor Sergio Corbucci, o diretor Quentin Tarantino contou com um elenco soberbo. Em destaque, além do ator principal Jamie Foxx, recém vencedor de um prêmio, o oscar de melhor ator, em excelente performance, apresentou-nos uma atuação fora de série do ator Leonardo DiCaprio, que pela primeira vez demonstrou ser um ótimo ator, com um grande futuro no cinema, o que já se confirmou em filmes recentes.

Entretanto há que ressaltar que mais um grande ator tem atuação brilhante, Samuel L. Jackson, que rouba todas as cenas em que aparece, com uma atuação brilhante, tão importante que o diretor Quentin Tarantino o escalou no seu filme seguinte “Os Oito Odiados” (2016), como ator principal, tendo uma atuação memorável.

A história escrita por Tarantino é explorada com virtuose, alguns suspenses detalhistas e cuidados máximos, como devem ser os grandes filmes de faroeste. Esse feito sublime ele aprendeu com o mestre maior: JOHN FORD.

A narrativa flui com algumas surpresas e cenas que demonstram que o diretor Quentin Tarantino criou ali um mundo irreal, todo seu, impossível de ser verdadeiro, como nas cenas em que o negro Django, senta à mesa de refeições com o racista escravocrata criador de negros lutadores, como se fosse criação de cães de luta. Um absurdo inimaginável naquela época. Outro deboche do diretor está na cena em que o negro Django entra na fazenda montado num cavalo com toda imponência e orgulho, como se fosse um grande fidalgo, vestido com uma roupa ridícula, azul claro, lenço de luxo branco e é convidado a se hospedar na mansão com quarto privativo. Esta cena cria uma grande confusão na cabeça do chefe dos escravos, o também escravo Samuel L. Jackson, que não acredita no que está vendo e se rebela contra as ordens do seu senhor e proprietário.

Essas inovações do diretor Quentin Tarantino demonstram que os diretores têm e devem sempre ter inteira criatividade ao imaginar os seus filmes, pois a criação dos fatos e movimentos do enredo não podem e não devem ter regras fixas, se a finalidade é criar uma obra pessoal, baseada num universo já conhecido e que nada tem a ver com a realidade.

O diretor italiano Sergio Corbucci criou seu spaghetti western, o místico Django (1966), um clássico; Quentin Tarantino, seu discípulo, reinventou o clássico com seu Django Livre (2012), eternizando o gênero.

Trailler Oficial DJANGO (1966)

Trailler Oficial de DJANGO LIVRE (2012)

9 pensou em “DJANGO (ll) – O SPAGHETTI WESTERN QUE INSPIROU QUENTIN TARANTINO

  1. NESTE FILME É DESLUMBRANTE O PAPEL DESEMPENHADO PELO PERSONAGEM CAVIN CANDIE QUE É NADA MAIS NADA MENOS QUE O EXCELENTE ATOR LEONARDO DICAPRIO. A VERSATILIDADE DESSE ATOR EM QUALQUER MODALIDADE DE FILME SEMPRE ME IMPRESSIONOU. . DE TITANIC A DJANGO LIVRE É SHOW DE INTERPRETAÇÃO NA CERTA!!!

    • ALTAMIR: Eu e o exímio pesquisador de filmes westerns e colaborador do Jornal da Besta Fubana, D.Matt., morador da encantadora Balneário do Camboriú/SC, elaboramos esse e o outro artigo publicado semana passada sobre o título DJANGO (I) – O CLÁSSICO DO WESTERN SPAGHETTI, em sua homenagem porque o consideramos um dos mais apaixonados e conhecedores de filmes de faroeste do Brasil, quiçá, do mundo.

      Nossa admiração pelo pesquisador, amante da sétima arte, principalmente dos filmes de faroestes do século XX é que, assim como o cineasta Quentin Tarantino, mantêm o cinema de qualidade vivo na memória da juventude que só enxergam os “miolos de pote” projetados nas telas de computadores para serem consumidos com sacos de pipocas nas telas das salas de sessão dos chopins centers.

  2. NA SINOPSE DO FILME DE TARANTINO, DJANGO LIVRE, TÃO BEM RELATADO MINUCIOSAMENTE PELOS CRAQUES TAVARES & D.MATT, SE TRADUZ NUMA FRASE SURRADA, MAS MUITO OPORTUNA: DEIXE A LIBERDADE ECOAR…

    P.S.: – Neste filme há de se convir que, Quentin Tarantino, tem um único mérito que é digno de aplausos: despertar o interesse das NOVAS GERAÇÕES PELO WESTERN ITALIANO, que foi realmente importante no cenário cinematográfico mundial.

    • Caríssimo mestre Altamir Pinheiro.
      Tenho certeza de que o nosso amigo e admirado colunista
      Cícerio Tavares, assim como eu ficamos muito lisonjeados
      com as suas palavras.
      Confesso que tinha certo preconceito com as atuações do ator
      Di Caprio, pois no seu inicio de carreira ele atuou em papeis
      xaroposos e insignificantes, sem nada de grande merecimento, sendo que a sua única atuação que me despertou admiração
      e inveja foi o seu affair com a nossa deslumbrante Gisele,
      isto sim merecia um Oscar.
      Mas confesso que agora concordo com o Amigo, pois o seu
      desempenho no filme do mestre Tarantino é avassalador,
      tendo sido na ocasião , muito elogiado pelo próprio Tarantino, que
      o escalou como ator principal no filme Era uma vez em Hollywood
      no qual o seu desempenho também é magistral, principalmente nas cenas em que contracena com a menina no estudio
      quando filma uma cena de um western. Maravilhosas cenas.

      O Amigo entendeu muito bem quando dizemos no nosso texto que o s Diretores precisam ter a liberdade de re-criar o
      enredo ou seus personagens, dando-lhes um sentido próprio
      com a personalidade do diretor, o que fez muito bem o Tarantino
      com Django Livre . É de notar que o grande diretor japonês
      Akira Kurosawa sempre usa deste estratagema, sejam os seus
      filmes com enredo westerns ( como muitos deles são ) ou
      sejam dramas profundos, como exemplo o seu filme
      ” O Idiota ” de origem russa, mas no filme é quase que
      totalmente japonês com a personalidade Do genial Kurosawa.

      Quando recebi o honroso convite do nosso amigo Cícero, para
      compartilhar um texto sobre o filme DJANGO, fiquei mui
      entusiasmado porque tinha o propósito de expor o meu
      pensamento sobre ( o profundo e íntimo propósito) do
      diretor Corbuci ao criar o seu filme, com um sentido místico, diferente de tudo que tinha sido criado até então no gênero
      Western.
      O nosso amigo Cícero entendeu o meu intento e juntos
      elaboramos o texto anterior DJANGO I, e o atual,, que esperamos tenha agradado aos
      leitores deste jornal que estimamos muitíssimo.

      Abraços mestre westerniano, dos seus alunos.

    • O ator Leonardo DiCaprio surpreendeu o mundo todo quando se apresentou como um Romeu modernoso salvando a vida da sua Julieta no filme TITANIC, dirigido com competência pelo extraordinário diretor James Cameron e, apesar de muitos de nós torcermos o nariz no início da carreira dele, hoje reconhecemos seu talento, principalmente nas atuações dos excelentes filmes dirigidos pelo competente diretor americano Martin Scorsese, pelo mesmo Tarantino em Era uma Vez em… Hollywood, onde recebeu o Oscar de melhor ator.

      • Correção:

        Na verdade o ator Leonardo DiCaprio recebeu o Oscar de melhor ator foi no filme (The Revenant) (2015), em português, (O Regresso), dirigido por Alejandro G. Iñárrita, interpretando o explorador e comerciante de peles Hugh Glass.

  3. A cena de DiCaprio quando fala sobre o crânio é perfeita. A emoção que ele passa é fora do comum. Hilário é diálogo com Franco Nero.
    – qual o seu nome?
    – Django. D J A N G O, o D é mudo
    Parabéns, dupla de dois!

    • Caríssimo Assuero:

      A interpretação de Leonardo DiCaprio, dando vida ao personagem do fazendeiro arrogante e cruel “monsieur” Calvin Candie, teria merecido o Oscar de melhor ator pela sua transformação.

      Se não recebeu é porque o Oscar é uma indústria cinematográfica cheia de mistério.

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