JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Quando puderes dividir, divida!  Nunca mais te faltará nada.

Lamparina usada até hoje no sertão

Se existe um órgão em mim que funciona dentro de uma normalidade, esse é o cérebro. É nele que a minha memória deposita sua confiança, rememorando fatos e situações que aconteceram faz muito tempo.

Lembro nitidamente de um fato, quando ainda criança, morávamos na roça das Queimadas, um pequeno e escondido povoado de Pacajus. Era Pacajus por que pertencia territorialmente ao município, mas ficava mais próximo de onde hoje é Horizonte, município que recentemente foi incluído na RMF (Região Metropolitana de Fortaleza).

Pois, foi naquele clima que, a claridade da luz solar, assim de uma hora para outra começou a se esconder, e aos poucos, foi sendo substituída pela escuridão. Nuvens negras vieram juntas, reforçando ainda mais aquela pintura feita nos céus, parecendo um poema escuro, sem muita graça, pintado por Pablo Neruda e Van Gogh a quatro mãos.

As nuvens não eram apenas um prenúncio. Era a chuva chegando mesmo. Rápida e forte, como se pretendesse se fazer notar naquele momento. Aquelas nuvens negras, por segundos, pareciam se abrir para dar passagem às línguas amareladas dos raios que as dividiam, ao mesmo tempo que faziam estremecer a terra. Era uma tempestade, maior que qualquer uma que tivéssemos pedido, mas na medida que Deus sabe que podemos suportar.

De repente, na porteira que levava à casa da Vovó, uma voz tremida se fez escutar:

– Ô cumade Doca, segure seu cachorro. Sou eu, “Dasdores”, e já tô entrando!

– Apois intão entre, danisca!

Bradou Vovó, com a força que os pulmões envelhecidos ainda permitiam.

– Ô cumade, duma hora pra ôtra em fiquei sem gás. Num tem nem um tiquim prumode botar na lamparina, e alumiar a casa! Vosmecê me impresta só um tiquim, logo amanhã cedo mando comprá pra devolvê, visse!

– Mulé, tu tá parecendo mais uma galinha velha, toda moiada! Inté a “coisona” que tu carrega entre as pernas tá toda engilhada!

– Deixa disso, mulé! Me adjetora logo esse gás, que eu quero voltar num pé e noutro – apois tá é tudo escuro lá em casa!

– Avia, cadê a lamparina, mulé?

– Cumade Doca, quaje que ia me isqueceno. Me impresta tomém um pôco de pó de café, prumode eu fazê amanhã cedim pra quem vai trabaiá!

Secular forma de “passar café” na roça

Pois foi assim, rapidinho, que um anoitecer mudou de figura, com a chegada da noite trazida por uma forte tempestade, onde o vento destruiu e derrubou árvores naqueles lugares distantes em que as pessoas ainda vivem até hoje, e poucos se dão conta, porque a televisão não mostra no Jornal Nacional.

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