XICO COM X, BIZERRA COM I

Vez em quando recordo um Deus que convivia comigo, escrevendo o certo e o errado nas linhas tortas de meu destino, como que retorcendo uma tosca caligrafia nos bordados das mulheres à beira da lagoa do Paia, Vila União, pertinho da rua em que eu morava. Como era bom ser menino, desobrigado de compromissos, sem calendário, obrigações e boletos à espera do fim do mês. Bastava-me a despedida do sol, final de tarde, a bola de borracha e uma rua em que passavam poucos carros: era o ‘racha’ diário de nós meninos de Nazaré. Pouco importava o joelho ralado ao final do dia. Valia, muito mais que o mercúrio cromo a me esperar, aquele gol que sonháramos na noite anterior, misturado com areia e lama. Dia seguinte, mochila às costas, Colégio Piamarta e aulas de Ciências com a professora abusada, que gostava de dar nota zero se não soubéssemos a definição exata dos fenômenos físicos. Nunca esqueci que inércia é ‘a propriedade que possui a matéria de manter-se sem movimento ainda que haja uma força contrária em contato com ela’. Na vida prática nunca acrescentou muita coisa eu saber da propriedade física da inércia. Tempos bons em que eu era apenas uma criança, com sonhos infantis e mais apegado à bola que aos livros. Hoje, convencido estou de que Rubem Alves tinha razão quando disse que Deus e uma criança têm algo em comum: ambos sabem que o universo é uma caixa de brinquedos. Por isso Ele vê o mundo com os olhos de uma criança e está sempre à procura de companheiros para brincar. Nesse tempo, todo dia era Dia das Crianças!

Um comentário em “DIA DAS CRIANÇAS TODO DIA

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