Sou um caeté preguiçoso. Escrever, ler, meditar sobre o presente me dá uma paúra, que às vezes chego-se-me a dormir em frente ao teclado do computador, com a máquina de fazer doidos ligada à minha frente. Mas, dessa vez não pude deixar passar assim, de grátis, o espetáculo bizarro acontecido ontem, na dita “Casa do Povo”, com as nossas autoridades pregando, abertamente, a implantação de uma ditadura feroz, em nome da nossa, dita, democracia.
Essa invenção grega, que teve seu auge no chamado “Século de Péricles”, modificou-se ao longo dos séculos e ainda tem sua expressão em países maduros como Estados Unidos, Reino Unido, Israel, Alemanha, Países Baixos, entre outros. Mas o que me preocupa é Pindorama e a sua dita democracia, que para mim é uma democracia de fancaria, ou seja, uma democracia circense, em que todos nós atuamos em um concerto de absurdos: você finge desse lado, eu finjo deste lado e vamos tocando a vida, em que que cada um só está interessado em si mesmo, e que se dane o resto.
A concepção que temos de democracia calha bem na máxima de Justo Veríssimo – personagem do inesquecível Chico Anísio –, na democracia pindoramense povo só serve para votar e voltar para casa, e depois ficar calado, enquanto nossos ditos, políticos experientes conduzem a vida nacional, cada um trabalhando para o seu progresso individual e envidando esforços para o progresso do nosso atraso.
Começamos, nos últimos vinte anos, a fim de melhorar o processo de deterioração da democracia, com o tal “financiamento público” de partidos políticos, afinal, a democracia deve ser sustentada pelos cidadãos. Essa bizarrice construída aqui obriga o otário, digo, o cidadão pagador de impostos, a financiar todo o tipo de canalhice em nome dessa suposta democracia. O cidadão é obrigado a financiar partidos políticos que, em essência, existem com o único objetivo de acabar com essa mesma democracia. Financiamos agremiações partidárias que, se alguém fizesse um paralelo legal, estariam enquadrados em diversos artigos do Código Penal e não do Código Eleitoral.
A sociedade conservadora, cristã, tradicional financia, nesse mesmo caldeirão, apoiadores do aborto, da liberação das drogas, de defesa de criminosos como vítimas da sociedade, da destruição do ele eles chamam de “sociedade heteronormativa”, seja lá o que isso significa, dos apoiadores da linguagem neutra, da confusão ideológica chamada de identidade de gênero, de pessoas que dizem que serão os luminares do futuro. Mas aí, eu, caeté preguiçoso se me pergunto: como essa gente vai conseguir isso, se não sabem definir nem a que sexo pertencem?
A dita legislação eleitoral, construída exatamente para manter as mesmas figurinhas no poder traz duas armadilhas no seu texto e que a maioria dos curibocas nacional não sabem. A primeira diz respeito ao processo eletivo em si. Já ouvi diversas pessoas dizendo que, se a maioria do povo não ir votar, ou votar nulo, as eleições são canceladas. Bobagem abissal, já que o código eleitoral diz que é eleito aquele candidato que obtiver o maior número de votos VÁLIDOS. Isto é, se em um universo de mil eleitores, apenas cinco forem votar, aquele candidato que obtiver três votos estará, legalmente, eleito.
Outra bizarrice é o tal de coeficiente eleitoral e sobra de votos. Esse absurdo cria situações no qual um candidato popular acaba tendo um caminhão de votos, e junto com ele vai outros candidatos que o excelentíssimo público nunca viu, ou nunca viu, ou ainda é contrário às suas ideias e posicionamentos. Essa bizarrice cria fenômenos políticos como Tiririca, que a toda eleição chama o eleitor de besta, de burro, de ignorante, mas é eleito com milhões de votos e leva uma ruma de nulidades junto, apenas para participar de uma vida “dolce far niente” às nossas custas.
Nosso sistema jurídico é uma piada que custa caro, é ineficiente, inchada, burocrática e inepta. Em Pindorama, temos palácios de justiças demais e justiça de menos para o povo que sustenta essa estrutura. Nos últimos tempos vemos o sistema judicial invertendo os princípios básicos que sustentam esse arcabouço e que, desde os tempos de Júlio Cesar faz a diferença entre nós e os macacos. Normalizou-se, na Botocúndia, o princípio de que todo mundo é culpado até provar a sua inocência, sendo negado o direito de ampla defesa, do contraditório e do juízo natural.
Temos vários tipos de justiça – trabalhista, eleitoral, criminal, cível, constitucional -, e todas elas, sem exceção, estão em um empenho acirrado, contínuo e perseverante para criar um caos jurídico, instabilidade temporal, já que até nosso passado está sujeito a mudanças, reinterpretações e reescritas. Hoje vivemos a incerteza de que se acordarmos amanhã, o nosso antes de ontem já não será o mesmo, mas sim aquilo que algum autointitulado “intelectual” quer que seja.
Ontem vimos presidentes de poderes, sabujos engordados a grossas verbas públicas, ditos representantes do povo se autoelogiando em uma festa bizarra que culminou na defesa da dita “democracia brasileira”, essa piada cara, de mau gosto, excludente, eficaz em produzir atraso e especialista em se meter em assuntos que não é de sua alçada, controlar a vida social em seus mínimos detalhes, e ainda usar um argumento de que, eles são responsáveis, por salvar a democracia no Brasil.
Se, de fato, houvesse uma tentativa de golpe, comemorar o arbítrio contra esse golpe é algo bizarro, pois esse momento deveria ser de reflexão e busca de aperfeiçoamento da dita democracia. Se não houve golpe, não seria motivo para comemorar, haja vista o evento ser um deboche da cara do cidadão, chamando-o de burro e alienado.
Um evento sem povo, sem vontade e sem sentido, mas que tem um objetivo de fundo: aumentar o controle, o medo, a tirania e o arbítrio sobre a sociedade que os paga para administrar o país. Nossa democracia é uma piada, é uma democracia de fancaria, como uma alegoria de escola de samba, em época de carnaval. Só passeia de quatro em quatro anos em uma avenida circense e depois desaparece, indo cada um cuidar de seus interesses e todos lutando para o progresso do nosso atraso.
Há, ainda, muitos outros aspectos que poderiam ser ditos aqui, mas um texto preguiçoso como este, se tornaria uma enciclopédia, e isso seria um esforço muito grande para um preguiçoso como eu, ainda que, de vez em quando, escrevinho algo para o gáudio da nação caeté. Dessa forma, em um dia extremamente quente aqui, na gloriosa Campo Grande, me dá mais preguiça escrever. Tão preguiçoso, que estou até sem vontade de acender aquela fogueira irracional e colocar para assar a panturrilha do bispo, para meu almoço.