O debate político nos dias de hoje é muito pobre, e um dos motivos é a falta de um vocabulário claro. Muitas palavras são usadas mais como xingamento do que para explicar alguma coisa. Vamos tentar destrinchar um pouco esta confusão?
ESQUERDA E DIREITA
A tradição diz que os termos “esquerda” e “direita” como definições políticas surgiram durante a Revolução Francesa: os grupos mais exaltados e contrários à monarquia sentavam-se do lado esquerdo do parlamento, os grupos mais moderados sentavam-se à direita. Hoje em dia, quem é de esquerda odeia quem é de direita e vice-versa, e ninguém se preocupa muito em saber qual é a diferença nas propostas de um lado ou outro. Os dois lados acreditam que o seu lado é o bom, o puro, o justo, e que os “do outro lado” são pessoas horríveis que mereciam morrer, mais ou menos como torcida de futebol. Outra característica: para o fã da esquerda, qualquer um que não concorde 100% com suas idéias é “direita”, “neo-liberal” ou “fascista”. Para o fã da direita, qualquer um que não concorde 100% com suas idéias é “esquerda”, “comunista” e “globalista”.
SOCIALISMO E COMUNISMO
Segundo alguns, o comunismo seria um caminho para chegar ao socialismo. Segundo outros, o socialismo é que seria um caminho para chegar ao comunismo. Não importa. Na prática, significam a mesma coisa: a vontade de acabar com empresas e empresários, e fazer o estado ser dono de tudo. Nunca funcionou e nunca vai funcionar, porque vai contra a natureza humana. No máximo, pode produzir ditaduras onde o povo vive na miséria e os governantes ficam bilionários.
SOCIAL-DEMOCRACIA
É o jeito da esquerda dizer que socialismo funciona. Podemos dizer que é quando a esquerda, percebendo que é impossível acabar com o capitalismo e com o mercado, junta-se a ele. O resultado são governos enormes e cheios de funcionários, cobrando muitos impostos para fingir que o estado dá coisas de graça e que é possível todo mundo viver às custas dos outros. Em países ricos e produtivos, pode durar algum tempo, mas como a longo prazo o governo sempre vai querer ganhar mais, e o povo também, sempre vai dar problema (geralmente os problemas vêm com o nome “reforma da previdência”). É o que está acontecendo na Europa: os países menos produtivos, como Grécia, Itália e Espanha, já estão quebrando. A França parece ser a próxima. Os mais inteligentes, como a Alemanha, ainda vão se aguentar mais um tempo. Quando os problemas da social-democracia começam a aparecer, a esquerda diz que a culpa é do neo-liberalismo (veja abaixo).
LIBERALISMO
Aqui a coisa fica complicada. O significado da palavra está ligado a “liberdade”, mas ninguém dá bola para isso. Nos EUA, os liberais são esquerda, ou seja, o partido democrata (dos Clinton e do Obama). Na Europa, e especialmente na Inglaterra, o termo está mais associado à direita, próximo ao partido conservador. No Brasil, a palavra “liberal” é usada como xingamento tanto pela esquerda como pela direita conservadora, provavelmente porque a idéia de liberdade não agrada muito a nenhum dos dois.
Devido ao desgaste do termo, os defensores das idéias originais do liberalismo, como a redução do estado, adotaram um nome alternativo: libertarianismo. Este nome também não é uma definição absoluta, já que é usado por vários grupos com idéias políticas e econômicas bem diferentes.
NEO-LIBERALISMO
Como diria o Padre Quevedo, “Isto non ecziste!”. Eu nunca vi alguém se declarar neo-liberal, e provavelmente você também não. Na prática, o termo é um xingamento que os partidos de esquerda usam quando perdem as eleições para outros partidos de esquerda. Aqui no Brasil isso fica bem evidente quando o PT chama o governo do Fernando Henrique de neo-liberal. Ora, FHC e o PSDB são declaradamente esquerda, desde o nome do partido. Como xingar FHC de “direita” não ia convencer, os partidos da esquerda mais “pura” partiram para o “neo-liberal”.
Aliás, o prefixo “neo” em política é algo fantástico: permite xingar qualquer um de qualquer coisa. Um ou dois meses atrás, nossa querida Gleisi estava esbravejando contra Bolsonaro acusando-o de ser “anti-nacionalista”. Por si só já é uma acusação incoerente, já que a esquerda sempre foi anti-nacionalista e condenou o “nacionalismo” da direita. Mas o problema é que o PT não fala o nome de Bolsonaro sem chamá-lo de fascista. Mas como xingar alguém de anti-nacionalista e fascista ao mesmo tempo, se o fascismo se caracteriza pelo nacionalismo? Fácil: Gleisi disse que Bolsonaro é neo-fascista, porque o neo-fascismo é anti-nacionalista. Entenderam? É mais ou menos como chamar alguém que come carne todo dia de neo-vegetariano.
Então repetindo: quando alguém xinga o governo de neo-liberal, é porque o governo é de esquerda mas não tanto quanto ele queria.
FASCISMO E NAZISMO
Outras áreas onde a ignorância é geral. Peça a qualquer estudante universitário que xinga o presidente de fascista para escrever uma redação padrão ENEM explicando o fascismo, e você verá que não sairá sequer uma frase. Quem xinga os outros de fascista não sabe o que é fascismo nem quer saber, e só não xinga de nazista também para não levar processo.
Na verdade, fascismo e nazismo seguem um modelo socialista, mas diferem dos partidos comunistas porque, como cresceram já sendo governo, são nacionalistas. O comunismo cresceu como oposição em quase todo o mundo (exceto na URSS), e portanto pregava contra o nacionalismo para se opôr aos governos que lhe eram contrários. Basta um google para achar montes de citações ligando Hitler e Mussolini ao socialismo, e portanto à esquerda. Quem é de esquerda fica furioso com isso, e responde que nazismo e fascismo são direita, geralmente com três tipos de argumento:
1 – Porque sim.
2 – Porque eram inimigos dos comunistas, e quem é contra o comunismo é direita.
3 – Porque eram nacionalistas.
Sobre o número 1 não é preciso comentar. Sobre o número 2, é exatamente o caso que falei acima: quem é fã de um partido de esquerda, considera todo o resto do mundo como direita. O número 3, que é o menos usado, é o único que faz algum sentido, mas definir direita=nacionalismo e esquerda=anti-nacionalismo é uma simplificação exagerada.
Em 1944, John T. Flynn escreveu: “Um dos mais desconcertantes fenômenos do fascismo é a quase inacreditável colaboração entre homens da extrema-direita e da extrema-esquerda para a sua criação. Mas há uma explicação para este fenômeno aparentemente contraditório: a direita e a esquerda juntaram suas forças em sua ânsia por mais regulamentação.” Repetindo: esquerda adora estado grande, direita também.
Outra citação ainda mais interessante é esta, do escritor Lew Rockwell: “Os fascistas sempre foram obcecados com a ideia de grandeza nacional. Para eles, grandeza nacional não consiste em uma nação cujas pessoas estão se tornando mais prósperas. Grandeza nacional é quando o estado banca empreendimentos grandiosos, faz obras faraônicas, sedia grandes eventos esportivos e planeja novos e dispendiosos sistemas de transporte.” Alguém lembrou de Copa do Mundo, Olimpíada, arenas bilionárias e trens-bala?
Para ir um pouco mais fundo, encerro este pitaco com uma “tabelinha” fazendo algumas comparações. Leia e decida: