MARCOS MAIRTON - CONTOS, CRÔNICAS E CORDEIS

Era um processo no qual a autora pleiteava salário maternidade pelo nascimento de um dos seus três filhos. Alegava ser segurada do Instituto Nacional da Previdência Social, na condição de agricultora. Uma causa comum nos Juizados Especiais Federais espalhados pelo interior do Brasil.

O que havia de peculiar naquele processo era o fato de a autora ter recebido o salário maternidade quando nasceram os dois filhos mais novos. Só depois requereu o benefício em relação ao filho mais velho, mas o INSS negou. Assim, o que se discutia no caso era apenas se à época da primeira gravidez ela já trabalhava na agricultura.

Feita a chamada pelo servidor do fórum, a mulher entrou na sala de audiências acompanhada de um advogado já conhecido do juiz naquele tipo de processo.

Percebia-se que ainda era jovem, apesar da pele um tanto castigada pelo sol do sertão cearense. O vestido, longo e de mangas compridas, e o cabelo chegando quase à altura da cintura, também acrescentavam alguns anos à imagem daquela senhora.

Antes de tomar seu depoimento, o juiz fez algumas ponderações:

– Dona Luzia, não há dúvida que atualmente a senhora é agricultora. O próprio INSS reconheceu isso, quando pagou o salário maternidade dos seus dois filhos do casamento atual. Mas, estudando seu processo, ficou parecendo, pra mim, que a senhora teve o primeiro filho de um relacionamento anterior ao seu casamento, quando a senhora ainda não trabalhava com agricultura. Depois que seu primeiro filho nasceu, e que esse relacionamento terminou, a senhora converteu-se a uma igreja evangélica, onde conheceu o seu atual marido, pai dos seus outros dois filhos. A partir daí, senhora passou a trabalhar na agricultura com seu marido, que já era agricultor. Mas, quanto ao seu primeiro filho, que é quem interessa pra esse processo, me parece que o pai era um rapaz que trabalhou um tempo em São Paulo, mas voltou para o Ceará e vocês passaram a namorar. A senhora engravidou e, depois que o menino nasceu, ele foi pra São Paulo de novo e a senhora ficou só, com seu filho. Naquele tempo a senhora não era agricultora. Nem o pai de seu filho, que, em São Paulo, já fazia um tempo que trabalhava na construção civil e torcia pelo Corinthians. Foi isso que aconteceu ou eu tô enganado?

A mulher, surpresa com as palavras do juiz, disse, titubeante:

– Doutor… o senhor sabe da minha vida toda… Foi isso mesmo que aconteceu.

Esclarecidos os fatos, e após os advogados falarem, o juiz explicou que, nesse caso, ela tinha direito ao salário maternidade dos dois filhos mais novos, mas não do mais velho. Julgou improcedente o pedido e encerrou a audiência.

Mais tarde, o advogado da mulher foi ao gabinete do juiz, querendo saber como o magistrado havia extraído dos autos toda aquela história.

– Não foi muito difícil – explicou o juiz. – Pelas certidões de nascimento, identifiquei os dois pais. Analisando os dados do sistema do INSS, vi que o marido não tinha nenhum trabalho de carteira assinada, mas o pai do filho mais velho tinha vínculos de emprego em São Paulo, antes e depois do nascimento do filho. Não encontrei qualquer indício de que ela tenha casado com o pai do primeiro filho, mas na certidão de casamento com o pai dos outros dois, vi que o casório aconteceu meses depois que o pai do primeiro filho havia voltado a trabalhar em São Paulo. Quanto a ter se tornado evangélica, bastou observar o cabelo, a roupa, uma pequena Bíblia na mão, e os nomes dos filhos, tirados do livro sagrado: Josafá e Davi.

– Incrível, doutor. Agora que o senhor explicou, ficou fácil. É a experiência, né?

O advogado já se preparava para ir embora, quando lembrou de um último detalhe:

– Excelência, só mais uma coisa: como foi que o senhor descobriu que o pai da criança era corinthiano?

– Essa foi a parte fácil. O senhor observou bem a certidão de nascimento do menino? Nascido em janeiro de 2006, Carlito Tevez da Silva. Quem o senhor acha que escolheu esse nome pra criança?

4 pensou em “CRÔNICAS FORENSES: PAI CORINTHIANO

  1. Mairton, você é genial!!!! Eu trabalhei num banco e tinha uma secretária da controladoria financeira que era muito amiga da minha secrete vez por outra aparecia no setor pra conversar. Essa jovem engravidou, o cara era noivo, e não quis assumir o filho. Enquanto pode ela criou o menino, mas a inflação era alta e as despesas começaram a ficar maiores que o salário. Um dia, ela reclamando disso e a incentivei procurar a justiça. Que o cara não quisesse ver o filho, problema dele, agora o menino passar privações era outra conversa. Ela, abriu um processo e veio a audiência. Ela começou a explicar a situação. Do outro lado, o cara, a noiva e advogada. Ela relatando o caso e a advogada fez um aparte: ” Meritíssima, gostaria de dizer que na época que a demandante se refere, meu constituinte era noivo”. Aí, Betty emendou: ” sim, mas ele usava aliança no dedo.” Causa, ganha.

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