JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

Mais conversas, hoje só com políticos, em livro que estou escrevendo (título da coluna).

* * *

AGAMENON MAGALHÃES, governador de Pernambuco. Tinha um jeito próprio de administrar, no Campo das Princesas. Primeiro, lia os processos que chegavam. Todos. E, depois, mandava à Procuradoria, sempre com um desses três despachos:

1. Para Parecer.

2. Defiro, de acordo com o Parecer.

3. Nego, de acordo com o Parecer.

E ai do procurador que não rezasse por sua cartilha.

Coronel CHICO HERÁCLIO, de Limoeiro (que nunca foi militar). Naquele tempo mandava, na sua terra, sem nenhum limite. Um dos protegidos que tinha foi se queixar

– Aluguei casa, coronel, o contrato acabou e o locatário não quer devolver.

– Deixe comigo.

Dia seguinte Minervino, pistoleiro com muitas mortes nas costas, bate na porta da tal casa.

– Estou sem ter onde morar e o coronel disse que podia ficar aqui.

Entrou, tirou a roupa e ficou, na sala, só de cuecas. Além do seu 38, na cintura. Quando tinha fome, ia na cozinha. Sem pagar nada, claro, tudo por conta do tal locatário. Dormia na sala, vendo televisão. E a família presa, nos quartos, com medo de levar tiro. Dois dias depois, acabaram todos indo embora. E o professor Vilaça (pai de Marcos), que era seu Primeiro Ministro, contou essa história feliz. Por não ter sido necessário usar de violência (assim entendeu), nesse caso.

CRAVEIRO LOPES, presidente de Portugal. O general Óscar Carmona, candidato único, foi eleito presidente em 16/11/1926. Com 100% dos votos – sem brancos, nulos ou abstenções, ditadura tem disso. Morto em 18/04/1951 acabou substituído, em 21/06 deste ano, pelo general Francisco Craveiro Lopes, que logo passou a conversar com a oposição na busca por convergências. O que desagradou Salazar. Tanto que não permitiu fosse candidato, na eleição seguinte (a do almirante Américo Thomáz). Até se contava, por lá, essa piada. Quando o presidente JK tossiu e perguntou, a Craveiro, se podia emprestar um lenço. Resposta, “Desculpe, mas esse lenço é o único lugar onde hoje em dia posso meter o nariz” (que Salazar não mais permitia interferisse no governo).

Era um homem sério. Que jamais aceitou vantagens. Presentes recebidos acabavam, todos, transferidos ao Estado ou doados a obras de caridade. Lembro apenas um caso, entre tantos, para o definir. Seu filho Nuno e a mulher sofreram acidente de trem no farol de Caxias, próximo a Lisboa. Ligou ao pai, dizendo que estavam bem e pedindo auxílio para voltar à casa. Craveiro disse que só faria isso caso pudesse mandar um veículo a cada passageiro. E sugeriu procurar taxi. Assim era. Visitou o Brasil e no Rio, em 09/06/1957, esteve na Academia Brasileira de Letras. O presidente da ABL, Austregéliso de Athayde, pediu a Manuel Bandeira que lhe fizesse a saudação. Sem avisar, era um hábito seu. Ocorre que Bandeira desprezava a Ditadura de Salazar. Até subscreveu, nos anos 1940, um Manifesto de intelectuais brasileiros contra ele. E lembrou, na hora, um poema de Pessoa (Salazar), firmado pelo heterônimo Um Sonhador Nostálgico do Abatimento e da Decadência – o nome vem de palavras pronunciadas por Salazar no discurso de saudação aos participantes do concurso literário de que participou Pessoa com Mensagem. Dizia:

Este senhor Salazar
É feito de sal e azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal,
E sob o céu
Fica só azar, é natural.
Oh, com os diabos!
Parece que já choveu…

E o saudou com essas duas quadrinhas:

– Craveiro dê-me uma rosa
Mas não qualquer, general
Que eu quero, Craveiro, a rosa
Mais linda de Portugal

Não me dês rosas de sal,
Nem me dês rosas de azar
Não me dês Craveiro rosa
Dos jardins de Salazar.

* * *

Na sequência da viagem, Craveiro visitou Manaus e Belém. Até chegar ao Recife, de onde voltou para Portugal. Aqui, em 24/06/1957, o general e sua mulher, Berta (da Costa Ribeiro Arthur) Lopes, foram recebidos em jantar no Palácio do Campo das Princesas. Entre convidados o presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek. E Cid Feijó Sampaio; que, poucos meses depois, seria eleito governador de Pernambuco. Dando-se então diálogo que fez sucesso, nos jornais locais. Quando sua mulher, dona Dulce, impressionada com o belo colar da portuguesa, e só por querer ser simpática, perguntou

– Diamante?

E dona Berta

– De amante? Não, senhora, de Craveiro.

FERNANDO LYRA, ministro de Justiça. Véspera da posse que seria de Tancredo, chegamos no aeroporto de Brasília e a Polícia Federal me esperava (fora da programação).

– O ministro (Lyra) pediu para ir direto ao gabinete de Dorneles.

Maria Lectícia e os pais dela, dona do Carmo e dr. Armando, foram para o hotel; e, eu, para a Esplanada. Francisco Dorneles era sobrinho de Tancredo, futuro ministro da Economia e homem forte do seu governo. Perplexidade no ar, pelas incertezas do momento. Na sala de espera se amontoavam assessores, militares, quase todos os futuros ministros. O baiano Carlos Santana (da Saúde) ficava olhando só para o alto, imóvel, como se estivesse congelado. O gaúcho Pedro Simon (da Agricultura) rodava em volta dele mesmo, como um peru, sem parar. Fernando veio conversar

– Vai assumir Ulysses (Guimarães), como presidente da Câmara dos Deputados.

– Não pode, Fernando (como a doença de Tancredo era pública, já tinha examinado as questões jurídicas). O vice (Sarney) presta compromisso, perante o Congresso. Tancredo não, que está no hospital e tem 10 dias para isso. Ainda mais, por haver “motivo de força maior” (Constituição da época, art. 78). O Congresso declara momentaneamente vago, seu cargo, e assume o vice. Esse é o caminho.

– Mas assume Ulysses.

– Então pode escolher outro para meu lugar, amigo. Que nosso primeiro gesto, no ministério, seria uma ilegalidade. E não farei parte disso.

Algum tempo depois, Dorneles chamou cinco ou seis para reunião na sala dele (já com muitos outros personagens, por lá). O resto ficou onde estava. Na saída, Fernando contou como foi. Dorneles

– Afonso Arinos disse haver um antecedente, com Rodrigo Alves; que, doente, assumiu seu vice Delfim Moreira. Brossard e Saulo Ramos defendem a mesma tese. Fosse pouco, o próprio Ulisses prefere Sarney, repetindo sempre “é isso que a Constituição manda”. E Leitão de Abreu (que coordenava a transição por João Figueiredo, último presidente militar) garante que Sarney assumirá sem contestações.

O futuro ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, pediu a palavra. Era comandante do 3º Exército e contava com apoio de parte expressiva das Forças Armadas. Mostrou uma Constituição cinza, edição de bolso (quem viveu em Brasília, naquele tempo, sabe qual era) e falou

– Devemos seguir o que diz esse livrinho.

Fernando

– Meu Secretário Geral também diz que assume Sarney, como vice. E nem vai ficar no cargo, se a gente escolher Ulysses.

Muitos outros confirmaram esse entendimento. E Leônidas, depois de dar um tapa forte na mesa,

– Então está resolvido. Assume Sarney. Alguém é contra?

Silêncio na sala.

– E não se fala mais nisso.

Ninguém teve disposição, ou coragem, para contradizer. A palavra das forças armadas, numa hora dessas, é forte. Mais tarde, já na casa de Sarney, a transição seria sacramentada em ata por todos assinada. Foi assim.

JACOB TUMAJAN, campeão pernambucano de xadrez. Homem de bem, e liso, em 1958 decidiu começar carreira política por baixo. Como candidato a vereador. Sem dinheiro para propaganda, inventou de usar para isso a (antiga) ponte do Pina – que tinha um quilômetro, com postes plantados sobre 20 colunas, a cada 50 metros. Comprou tinta branca e pincel, disposto a pintar seu nome naquelas benditas 20 colunas. Para apresentar, ao povo do Recife, suas muitas qualificações. E já foi escrevendo, na primeira,

– Tumajan é trabalhador.

Na segunda

– Tumajan é honesto.

E por aí foi, numa tarefa penosa por falta de adjetivos disponíveis.

– Tumajan é honrado.

– Tumajan é probo.

– Tumajan é ínclito.

Assim ocorreu até as 4 da madrugada, quando acabaram tinta e paciência do candidato. Foi dormir, cansado e feliz. Faltavam só duas colunas. Manhãzinha, completaria o serviço. Não contava é que um opositor desalmado acabasse fazendo esse trabalho por ele. E dito ser malévolo escreveu, na penúltima,

– Enfim…

Com três pontinhos e tudo. Fechando a série com a conclusão lógica de tantos atributos,

– Tumajan é foda.

A maldade anda solta nesse mundão perverso, meus senhores. Nosso candidato, coitado, virou chacota. E acabou perdendo a eleição.

10 pensou em “CONVERSAS DE ½ MINUTO (23)

  1. Nem sei se é verdadeiro os causos e Contos dessa turmas:
    Dizem as boas línguas que Agamenon no seu tempo de governador, embarcava um navio com ladrões, deixando todos em alto mar, trazendo de volta apenas um, para que este espalhasse o boato

  2. Colunaço, Padre José Paulo,

    Digo: Excelente crônica Padre José Paulo!

    Todas as crônicas que narram o cotidiano dos políticos nordestinos do Século XX, dependendo do talento do narrador, como é o caso de CONVERSAS DE ½ MINUTO (23), são antológicas, porque os políticos por si só já eram engraçados, cômicos, humorísticos e fornecedores de insumos anedóticos.

    Parabéns e abraçaço, Mestre.

    • Caro Cícero

      Você disse bem que as crônicas do Padre são antológicas, e eu reforço com o subtítulo: “Antologia de Causos da Cultura e História Brasileira”, que daria ao livro prometido .

      Bem sei que é pomposo demais em contraste com a despretensão do título “Conversas de 1/2 minuto”. No fundo, quer dizer que não se trata de uma conversa rápida qualquer. Seu protagonista é “testemunha ocular da história”. Assim, está falando do que viu e viveu.

      Sua relevância está no fato de desvelar, tirar o véu de fatos da História.

  3. Meu avo, portuga politizado, que se dizia mais brasileiro que todos nós: “eu sou brasileiro por escolha, voces são brasileiros por acidente porque nasceram aqui’. Um dos pioneiros da cidade de Rolandia, norte do Paraná era proprietario de um bar com reservado, comum naqueles tempos, localizado meia quadra da Igreja Matriz. O Padre originário de malta era um tremendo gozador, assim como meu avo. Ambos, alguns dias da semana se internavam no reservado para bebericarem um vinho. Dia patrocinado pelo velho Pires, outro pelo Padre. Quando Craveiros e sua mulher visitaram o Brasil, o padre passou dos limites contando piadas do Craveiros, no inicio, as brincadeiras foram aceitas. Em uma quinta feira ensolarada, meu avo de pé em uma das portas do bar esperava o Padre, vinha todo feliz com uma garrafa de vinho pendurado em uma das mãos. Meu avo “alto lá o gajo, se vens aqui espinafrar o Craveiros, vira-te nessas penas e suma com teu vinho.” E caiu na gargalhada ante o espanto do padre, se abraçaram e na maior gargalhada foram esvaziar aquela garrafa. Saudades do Velho Pires e sua espirituosas tiradas.

    c

  4. Bom dia, Dr. José Paulo.

    Parabéns pelo excelente livro que vem aí.

    Um “causo” do folclore norte-rio-grandense::
    1- O saudoso ex-governador Dinarte Mariz era conhecido pelas gafes cometidas. Ele prometeu a um cabo eleitoral, fazendeiro, um cargo muito importante para o filho dele, caso fosse eleito governador. Depois da posse, na mesma semana, recebeu a visita do fazendeiro, cobrando o prometido.
    Dinarte chamou o chefe de gabinete e perguntou qual era o cargo comissionado mais importante do Estado. Diante da resposta de que era o de Consultor Jurídico, determinou que fosse elaborada a portaria de nomeação do filho do amigo, , para ser publicada no Diário Oficial.do Estado. O chefe de gabinete chamou o rapaz à sua sala, para lhe fornecer a documentação necessária. Logo voltou ao gabinete do governador e lhe disse que o rapaz não tinha o diploma de Bacharel em Direito, requisito principal para ser Consultor Jurídico.. O Governador ordenou que fizesse duas portarias: Uma, nomeando o rapaz bacharel em direito e a outra, nomeando-o Consultor Jurídico do Estado. O Chefe de Gabinete se recusou a fazer e foi exonerado imediatamente.

    Um abraço!.

    obs. Estou craque em Gamão.
    .
    Onde posso encontrar os livros da Dra. Maria Lectícia? Gostaria de adquiri-los.

  5. Com estas conversas de 1/2 minuto Dom José Paulo vai contando causos passados e desvendando, tirando o véu, de fatos relevantes da recente História do Brasil.

    Sua reunião num futuro livro, espero que não tão cedo, promete uma verdadeira “Antologia da Cultura e História Brasileira”.

    Os leitores do JBF podem se considerar privilegiados em saber, de primeira mão, destas conversas que mais tarde entrarão num livro.

    Temos que agradecer ao Padre pela antecipação concedida e ao Editor Luiz Berto pela publicação em nosso Jornal da Besta Fubana.

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