Ela partiu me deixando com os velhos CD’s. Alguns de tão arranhados já não tocavam mais. Apenas choravam abandonados.
Como o meu coração.
O jarro com as flores mortas sobre a mesa de canto, em silêncio, sofria por mim.
Pelas flores também.
O livro de capa dura jogado sobre o sofá, contando a história dramática do príncipe morto – sua donzela morrera também – dizia de um amor sem felicidades ao final.
Como o nosso.
O prato sujo sobre a mesa, com os talheres cruzados ao meio, em xis, chorava ante o copo seco, lamentando por sua última refeição.
Na cama do quarto ao lado os nossos lençóis, abraçados aos travesseiros, gemiam também em triste pranto.
Pelo mesmo motivo.
O Cristo na cruz, de cabeça voltada para o chão no símbolo de sua não vida, pregado na parede da sala, era um recado sombrio da angústia dessa separação.
Braços inertes e pernas arriadas. Membros sem forças.
Como os meus.
Enquanto eu a via descer rua abaixo, mochila da separação nas costas, lembrava-me de versos lidos na porta de um banheiro público.
“Ao sair,
levou-me com ela
e nesse instante
deixei de existir.”
Uma porta triste.
Como a minha recém fechada.
(Os versos entre aspas são do poeta Álvaro Campos)