ARISTEU BEZERRA - CULTURA POPULAR

No mundo ocidental a morte, frequentemente, é avaliada como algo imerecido e imprevisível. Existe uma compreensão de que se trata de um ponto final e não de uma etapa de um ciclo, como na cultura oriental. Dessa maneira é fácil compreender que a ideia de morte venha acompanhada de sensações desagradáveis, como angústia, medo, agonia e um efeito de desolação. Por estes motivos a finitude humana, de maneira geral, pode ser encarada como um tabu e, consequentemente, todo assunto a ela associado é afastado da nossa mente.

O filósofo grego Sócrates (469 a.C.- 399 a.C), antes de morrer, condenado a tomar cicuta (um veneno mortal), deixou excelente instigação para uma reflexão sobre a morte: ”Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas: Ou a morte não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja. Ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança da existência e uma migração para a alma, deste lugar para outro”.

O seu pensamento demonstra que as duas maneiras de considerar o problema da morte podem ser satisfatórias. Quem não acredita na continuação da vida, a morte é o nada, a ausência completa de amarguras e desesperos, e significa o fim do sofrimento e desventuras. Para aqueles que creem na continuação da vida, a morte é a passagem dessa existência para outra.

Um assunto com essa complexidade merece ser ilustrado com os sábios versos do poeta pernambucano Manuel Filó (1930 – 2005):

Quando eu parti desse abrigo
Seguir á mansão sagrada,
A morte está perdoada,
Do que quis fazer comigo,
Quis que eu fosse igual ao trigo
Que ao vendaval se esfarela,
Mas eu vou passar por ela
De cabeça levantada
A morte está enganada,
Eu vou viver depois dela.

14 pensou em “CONSIDERAÇÕES SOBRE A FINITUDE DA VIDA

  1. Encarar a morte como uma passagem para outro campo é uma das principais causas da crença em um ser supremo.

    É difícil não acreditar e ver a existência terrena se exaurindo.

    Ficaria a grande pergunta: Acabou, e agora?

    • João Francisco,

      Muito obrigado pelo seu comentário. O artigo teve a finalidade de falar sobre a morte para aceitá-la como dado natural da vida. A morte é tratada com eufemismos, como se a língua pudesse suavizar a única experiência pela qual todos os seres vivos têm a certeza de que irão experimentar. Expressões como “passou dessa para melhor”, o uso do verbo “falecer” no lugar de “morrer”, entre outras, dão testemunho da tentativa usada por muitas pessoas para evitar falar da morte, a “indesejada das gentes.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  2. Maurício Assuero,

    Agradeço seu gentil comentário com observação importante sobre se utilizar o verbo encantar com o sentido da finitude da existência. A morte provoca um sentimento de tristeza e dor. Claro que a morte de um ente querido traz para quem permanece vivo, um buraco no peito, isto é, um espaço vazio que nunca será substituído por nada nem ninguém. Mas isso não quer dizer que essa dor abrupta, provocada pela morte, sobretudo quando inesperada, tenha que ser uma marca de sofrimento perene. Acho que deveríamos encarar a morte de frente. No lugar da tristeza, da ansiedade e da desesperança provocadas pela morte, deveríamos aceitá-la como um dado perfeitamente natural da vida.

    Saudações fraternas,

    Aristeu

  3. O MESTRE MANOEL FILÓ
    UM MONSTRO DA CANTORIA
    O QUE FILÓ ESCREVEU
    OUTRO MANOEL NÃO ESCREVIA
    ESTÁ IMORTALIZADO
    SE PECOU TÁ PERDOADO
    NA VAGA DELE EI MORRIA

    • Valdeir Morais,

      Grato por seu excelente comentário poético. Somos dois fãs do grande poeta Manoel Filó. Aproveito esse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar uma estrofe do poeta Manoel Filomeno de Menezes, conhecido por Manoel Filó, com o prezado leitor fubânico:

      Quando falta a companheira
      Na vida d’um passarinho
      Ele busca um pau bem alto
      Para construir seu ninho
      Devido ser menos triste
      Para quem vive sozinho.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  4. As duas maneiras de se considerar a morte espelham muito bem o pensamento da maioria e acredito que se alguém souber de outra forma deve demostrá-la , pois estamos abertos a outras possíveis maneiras de considerar o assunto. E os versos do poeta pernambucano são simplesmente lindos.

    • Joaquimfrancisco,

      Grato por seu comentário valioso. Você sintetizou de forma inteligente um assunto complexo e evitado de se conversar por não ser nada agradável abordar a finitude da existência.
      Em uma definição convencional, a morte é a interrupção definitiva da vida de um organismo. Nessa concepção empobrecida em sua dimensão, morrer é perder a vida; finar-se, falecer ou expirar. Entretanto, acredito que a morte pode também ser entendida como uma mudança de fase, como o fim de um ciclo ou também como uma oportunidade ímpar de renovação ou renascimento. Esse tema dá muita prosa e poesia…

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  5. Parabéns pela perfeição do texto, prezado Aristeu Bezerra! Concordo com o poeta Vinícius de Moraes, quando disse que “a morte é a angústia de quem vive.” Feliz de quem enfrenta essa “passagem” como um acontecimento natural, É horrível, e dela ninguém foge…

    Os versos do poeta pernambucano Manoel Filó, realmente, são sábios!

    Um abraço e uma ótima semana!

    Muita Saúde e Paz!

    Violante Pimentel Natal (RN)

    • Violante,

      É gratificante receber seu comentário com observações que sempre me inspiram. O ciclo da vida é constituído pelo nascimento, crescimento, reprodução e morte. Esses eventos são naturais e próprios para a construção da vida humana. Para algumas pessoas esses processos evolutivos não seguem iguais para todos, existe uma especificidade de se colocar diante dos problemas e saber enfrentá-los é a questão primordial. Lidar com a morte é um fenômeno sofrível e algumas pessoas não estão preparadas para esse enfrentamento em questões não definidas.
      Aproveito esse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar um poema de Carlos Drummond de Andrade ((1902-1987) com a prezada amiga;

      PARA SEMPRE

      Por que Deus permite
      que as mães vão-se embora?
      Mãe não tem limite,
      é tempo sem hora,
      luz que não apaga
      quando sopra o vento
      e chuva desaba,
      veludo escondido
      na pele enrugada,
      água pura, ar puro,
      puro pensamento.
      Morrer acontece
      com o que é breve e passa
      sem deixar vestígio.
      Mãe, na sua graça,
      é eternidade.
      Por que Deus se lembra
      – mistério profundo –
      de tirá-la um dia?
      Fosse eu Rei do Mundo,
      baixava uma lei:
      Mãe não morre nunca,
      mãe ficará sempre
      junto de seu filho
      e ele, velho embora,
      será pequenino
      feito grão de milho.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

      • Obrigada, amigo Aristeu, por compartilhar comigo esse belíssimo poema, do consagrado poeta Carlos Drummond de Andrade!

        Um abraço!

  6. Morte e vida de minha severa Çéverina… O velhíssimo Sancho Pança se recusa a comer capim pela raiz antes do centenário (misericredu, falta bem pouco). Minha enferrujada garrucha fica quietinha debaixo do travesseiro para os dois tiros que darei na tal dona morte, se ela vier me encher o saco antes do combinado.

    Busco amparo na obra-prima do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto: — Desde que estou retirando só a morte vejo ativa, só a morte deparei e às vezes até festiva só a morte tem encontrado quem pensava encontrar vida, e o pouco que não foi morte foi de vida severina (aquela vida que é menos vivida que defendida, e é ainda mais severina para o homem que retira).

  7. Sancho Pança,

    Agradeço ao seu comentário sobre a finitude da vida humana. O poema dramático “Morte e Vida Severina” é a obra-prima do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Escrito entre 1954 e 1955, trata-se de um auto de Natal de temática regionalista. Muito bom a referência a esse poeta, que nasceu no Recife, transformou em poesia visceral a condição do retirante nordestino, sua morte social e miséria. Valeu!

    Saudações fraternas,

    Aristeu

    • Caríssimo señor Bezerra,
      Quando criança, na minha inesquecível Desengano, por culpa de um imbecil piá, que durante aula da saudosa Dona Marocas, catedrática na língua de Camões, ousou xingar a NAÇÃO NORDESTINA, fomos obrigados a decorar e recitar esta obra fantástica do pernambucano ilustre. Desde então a pulga atrás da orelha me fazia pensar no até então desconhecido povo do NORDESTE BRASILEIRO. Quem seriam essas pessoas que viviam tão distantes de nós?
      Quando jovem adulto, assumi a boleia de meu caminhão, percorri a imensidão do Sertão e demais recantos do Nordeste e descobri um povo encantador e possuidor da mazela maior do Brasil, o DESCASO de seus governantes (em todas as esferas).
      Gosto tanto das coisas nordestinas que, enxerido que sou, hoje estou aqui, nessa fubânica casa NORDESTINA dando meus pitacos.
      E aproveito para mandar um beijo no coração de meu amigo de Mucugê-BA, o Manoel da Lígia, que hoje leva alegria para o povo de Iguape-SP.

      Retribuo a saudação fraterna (irmãos fubânicos que somos),

      Sancho Pança, o pançudo.

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