Judy Garland, no filme “O Mágico de Oz”, disse uma célebre frase: “… não há nada melhor como nosso lar”! De fato, a moça tinha razão, principalmente quando o assunto é cagatório, o lar é o melhor lugar do mundo, quando a pessoa sente a hiena mordiscando as pregas do bufante.
Esteja onde você estiver, a hora que for, nos momentos mais tristes, ou felizes da vida, quando se sente aquele arrepio que sai da nuca, desce pela carcunda e chega na pontinha do osso do mucumbu, pode ir se despedindo. Nada, mas, nada vai fazer com que você consiga dar uma chapiscada na louça, se não for no recesso do lar.
A pessoa está na casa de um amigo, compadre, ou até mesmo de um irmão, irmã. Sente aquele bululu nas tripas, um remelexo das verminas e uma piscadela rápida do olho de Thundera. Batata! É sinal de bater em retirada. Você pode até pedir licença para a pessoa e ir usar o banheiro dela. Nada. Sabe aquele momento em que você faz cara feia para o nada? Pois é. Assim mesmo. Solta umas bufas bem fininhas, quase em pianíssimo, sua igual a cavalo quarto de milha depois de uma corrida, o rosto fica parecendo um pimentão e…. nada.
Nessas horas parece que o toroço cria uma relação de paixão misturada com super cola. Não sai de jeito nenhum. Afora a vergonha de soltar uma bufa mais alta e todo mundo que está na sala ouvir. Ao sair do banheiro, mais sem jeito que cachorro arteiro, ainda ficar pensando se os amigos não caíram na gargalhada às suas custas.
Ou, quem nunca, estando em um bar, vê o amigo dar aquela emborcada no copo de cerveja e dizer, de forma altaneira… vou pra casa cagar e já volto! Sai e deixa os demais meio que apalermados e, depois de uma meia hora volta, senta, pede outra gelada e continua a conversar como se nada tivesse acontecido.
Todas as vezes é a mesma coisa, estando em um local que não seja o lar, quando a ariranha começa a arranhar as bordas da olhota, não tem jeito, o indivíduo tem que correr para casa, sentindo as picadas do marimbondo já na saída da colmeia. Aí se trava uma luta quase titânica entre a máquina de picotar churros e o trem de carga já apitando na curva da estrada, avisando que está chegando na estação. É a hora dos calafrios, do suar até mesmo em dias com temperatura abaixo de zero.
Um ato tão natural quanto respirar, mas que damos a maior importância, a ponto de só nos sentirmos bem se estivermos chapiscando nossa própria porcelana. Na dos outros, é quase impossível. Uma tarefa que até Rambo pensa duas vezes antes de aceitar. Acredito que essa hora seja um momento de epifania de você com você mesmo. Alguns usam esse momento, enquanto o caminhão betoneira está trabalhando, para pensar em grandes temas da humanidade.
Outros, trazem à lembrança momentos do dia, a briga com a mulher, ou marido, o desentendimento no serviço, o estresse do trânsito. O ato de desfazer aquele prato, muitas vezes preparado por um “chef” de renome, torna-se um momento catártico, sublime, como se a pessoa estivesse adentrando os portões do paraíso. Mas isso só ocorre em casa. Na dos outros é descer ao sétimo círculo do inferno dantesco. Se for no do trabalho, aí então pode esquecer…. nem com lavagem de mangueira de bombeiro você consegue exorcizar o espirito maligno que gruta em sua essência.
Ato primitivo. Qualquer ser vivo o faz, principalmente os animais. Os irracionais o fazem em qualquer lugar, à hora que bem entendem, na frente de qualquer um. Aliás, é bem conhecida a história do bugio que, quando está irritado, caga na mão e joga em quem estiver em sua frente. Mas vá lá…. um bugio não tem consciência nem de si e nem do seu ato. O humano é diferente. No século XX ele ritualizou o ato de picotar barro e escondeu no banheiro, casinha, reservado, WC, ou qualquer outro nome que se use para indicar o espaço onde ele se senta e os pensamentos correm soltos como corcéis selvagens na pradaria.
Aliás, ritualizou-se tanto que fomos suavizando o ato para exprimir a essência de nosso eu: ir falar com o Che Guevara, Soltar o Lula, Aliviar as entranhas, exorcizar um espírito maligno, reinar, sentar no trono, despachar-se, aliviar-se, despachar a marmota, picotar churros, despejar um inquilino, e por aí vai. São tantas as expressões, principalmente no Brasil, terra que tem mais gozador que eleitor, os nomes variam de lugar para outro, para o simples ato, como dizia coronel Jesuíno, de ir cagar.
E, não adianta, voltando a Judy Garland, esse ato epifânico só acontece em sua plenitude se você estiver dentro de seu lar, sentindo-se acolhido e seguro por paredes brancas, uma louça limpa que será borrada, a depender da quantidade e qualidade da legião que sairá de você. Aí você não se importa com o ronco da cuíca, ou mesmo com o som dos morteiros que soltará. Será quase uma salva de canhões, fazendo força para que, quanto mais alto for o tiro, mais heroico você se sentirá. Tente fazer isso em outro local que não seja sua louça. Nem com os poderes do He-Man conseguirá se aliviar e sentir aquele alívio que só existe nos anjos e nas crianças de colo.
Roque amigo,
Sua obra é sólida e me arvoro ao direito de anunciar que sou um dos seus leitores mas entusiasmados.
Entretanto, nos seus escritos, jamais você escreveu nem escreverá frase mais arretada e tão recheada de filosofia, do que esta:
“O lar é o melhor lugar do mundo, quando a pessoa sente a hiena mordiscando as pregas do bufante.”
Mus parabéns, caro cronista.
Carlos Eduardo
Carlos Eduardo…. obrigado pela condescendência para os despautérios e absurdos que escrevo.
Parabéns,
Nunca li ninguém escrever sobre o ato de cagar com tamanha maestria. Por pouco não senti a catinga.
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