MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Uma resposta infantil diria que enquanto os outros estão distraídos cuidando de suas vidas, as pessoas malvadas chegam escondidas e se apossam do poder. Ao povo resta submeter-se em silêncio, escravizado, enquanto sonha com a chegada de um herói salvador que irá liderar uma revolução e reestabelecer a liberdade.

Infelizmente, esta resposta “infantil” reflete a atitude da maioria dos adultos: tirania só acontece com os outros. Tirania é algo que aconteceu em 1790 na França, ou na Alemanha de Hitler, ou no Iraque de Saddam Hussein, não aqui.

Esta atitude é perigosamente imatura, porque todo tirano chega ao poder com o apoio do povo. Sem esse apoio, nenhum aspirante a tirano dura muito. Todo tirano aponta para algum perigo (real ou imaginário, mas sempre exagerado) e diz ao povo que o único caminho para fugir desse perigo é o que ele, tirano, indica. Em seguida, ele explica ao povo que é necessário que ele, como único líder, receba amplos poderes, sem restrições legais ou éticas. Trêmulos de medo, mas confiantes na promessa de proteção, as pessoas se submetem, mansas como ovelhas.

Algumas pessoas, claro, reconhecem a estratégia e denunciam a arbitrariedade e a falsidade das intenções do ditador. Mas a maioria acredita que as arbitrariedades são necessárias para o bem comum, e acreditam nas boas intenções que o tirano declara ter. Se o tirano causa sofrimento e humilhação agora, vale a pena, porque livrará a todos de um futuro muito mais terrível, dizem eles.

E assim a tirania se instala: com a aceitação e o entusiasmado apoio da maioria. Essa maioria não acredita que vive numa tirania. Tirania só acontece com os outros, os menos informados, menos inteligentes, que não percebem que os tiranos tem a maldade estampada na cara. Não é, claro, o caso deles, que seguem um líder virtuoso e de intenções puras, como qualquer pessoa de bom senso pode perceber. Aliás, os que duvidam das virtudes do líder provam não ter bom senso, nem boas intenções, e devem ser ignorados – e se necessário, calados e suprimidos.

O apoio ao tirano dá ao homem comum um benefício: o prazer de ser, ele próprio, um mini-tirano. Ao adotar as palavras e ações do tirano como verdades incontestáveis e declarar-se um apoiador da causa, ele usa essa autoridade para ameaçar e humilhar qualquer um que discorde dele, sabendo que a maioria estará do seu lado.

Os apoiadores do tirano repetem um argumento simples: “Nós não somos vítimas da tirania. Nós obedecemos voluntariamente ao nosso líder, porque isso é o melhor para nós. Se um tirano tentasse nos oprimir, nós não aceitaríamos. Afinal, somos um povo esclarecido, forte, valoroso, amamos a liberdade. Se necessário, lutaríamos contra qualquer tentativa de tirania. Mas não estamos resistindo e protestando contra as ordens de nosso líder, porque ele não é um tirano. É um guia sábio e virtuoso em quem devemos confiar.”

Com o tempo, a quantidade dos que deixam de acreditar nas boas intenções do tirano pode aumentar. Mas aí o tirano, já instalado, não depende tanto da aceitação popular para sobreviver: ele já formou seu exército que usará a força para calar os descontentes. Já montou sua equipe de intelectuais e celebridades que controlará a opinião pública. Já organizou seus coletores de impostos para assegurar que não lhe faltará dinheiro. E sempre haverá na sociedade um grupo de pessoas, maior ou menor, que o apoiará fanaticamente em tudo que fizer, por mais indefensável que seja, pelo simples orgulho de não admitir que estava errado.

Adaptado de um artigo de Donald Boudreaux.

10 pensou em “COMO A TIRANIA NASCE?

  1. Perfeito, Marcelo.
    Preciso, como sempre.
    E como não identificar tantos exemplos, na história, ou ao nosso redor ?
    Veja os “porcos”, no excepcional “A Revolução dos Bichos”, do George Orwell.
    E nos exemplos caseiros, fiquei impressionado com o encaixe perfeito no perfil tirano do atual reitor da minha universidade.
    Além do perfil tão bem descrito dos seus apoiadores, alimentados pelo tradicional pão com mortadela, que para alguns pode ser uma CD ou FG, uma passagem aérea para um congresso inútil, e por aí vai.
    O último parágrafo é um fechamento sensacional: Nas IFES brasileiras, os tiranos já estão instalados e vai ser muito difícil tirá-los, pelas várias razões tão bem expostas no texto.

    • Bom complemento, Rômulo. Falei apenas do modo “coletivo” de conseguir seguidores, o medo e a promessa. Mas o modo “individual” de distribuir bondades também é muito efetivo.

      Lembrei-me da história do rei espanhol Enrique II, filho bastardo de Alfonso XI e que chegou ao trono após matar seu meio-irmão Pedro. Para garantir-se no trono, comprou tantos apoios (com o dinheiro público) que entrou para a história com o apelido “Enrique o dos favores”.

  2. Mas aí o besta candidato a tirano resolve vestir uma calça apertadinha e tem uma idéia genial: Agora que o serviço tá pronto, vou para Miami me refrescar. Fui.
    Com esse tipo de tiranetes mal acabados, típicos de banânia, não me preocupo. Não vingam.

  3. Tirania é algo que aconteceu em 1790 na França, ou na Alemanha de Hitler não aqui, em Cuba (1959).

    Tirania é algo que aconteceu em 1790 na França, ou na Alemanha de Hitler não aqui, na Venezuela (1998).

    Algo parecido devem estar falando os “hermanos” naquele país mais ao sul neste findar de 2020…

  4. Já está! E faz muito tempo.

    Só que a dominação vem de uma casta, e não de uma única pessoa.

    Em função disso, será tremendamente mais difícil de derrubar essa tirania. Afinal, para degolar um milhão de funcionários públicos dará um trabalho desgraçado. Teremos que botar as guilhotinas funcionando 24 horas por dia.

    Ou então, pedir a assessoria da I.G.Farben e de alguns alemães remanescentes dos Einsatz Grupen.

    Assim, para não ter de degolar esses merdas todos, vamos simplesmente fechar todas essas mamatas e mandá-los mamar na pajaraca de Polodoro.

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