DEU NO JORNAL

Deltan Dallagnol

Cinco motivos para ser contra o “PL da Globo”

Ontem (14), em mais um tapa na cara dos brasileiros, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, colocou em pauta o projeto de lei 8889/17, que pretende regular e taxar serviços de streaming e de TV por assinatura, ao mesmo tempo em que isenta de impostos o serviço quando é de titularidade de concessionárias como a Globo, isentando o Globoplay. O projeto recebeu vários apelidos, mas, por conta disso, o que mais viralizou nas redes sociais foi “PL da Globo”. Em poucas horas, o assunto se tornou o número um nos trending topics do X (Antigo Twitter) com a hashtag #PLdaGloboNão.

Em agosto do ano passado, a maioria dos deputados aprovou um requerimento de urgência para o PL da Globo, razão pela qual o projeto sequer passou pelas Comissões temáticas da Câmara dos Deputados, ou mesmo pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que é a responsável por verificar se o PL é constitucional ou não. O PL ficou guardado na gaveta de Arthur Lira até agora, quando o Brasil vive uma das maiores calamidades da história do país: a destruição completa do Rio Grande do Sul, que está neste exato momento submerso pela água das chuvas, com centenas de mortos e desaparecidos, e milhares desabrigados.

O que o governo e Arthur Lira não contavam foi com a força do povo: a mobilização foi tanta ao longo de todo o dia de ontem que, no fim da noite, foi anunciada a retirada do PL da pauta de votações do Plenário da Câmara – mas, atenção, ele pode voltar a qualquer momento. Apenas ganhamos tempo. Por isso, é importante que você saiba e compartilhe o máximo que puder por que esse projeto é tão ruim, para que a sociedade possa se mobilizar contra a sua aprovação na próxima vez que for incluído na pauta da Câmara dos Deputados, já que, com a urgência aprovada, ele pode entrar a qualquer momento.

A tentativa de aprovar o PL ontem não foi uma coincidência: ela acontece exatamente no mesmo momento em que o governo, preocupado com a estrondosa queda na popularidade de Lula, quer sufocar todas as críticas à sua incompetência na gestão da crise humanitária que acontece no Rio Grande do Sul. O desespero é tamanho que o governo vem tratando as críticas da população como fake news, o que já gerou até a abertura de um novo inquérito, que será relatado pela ministra Cármen Lúcia. A aprovação desse PL faz parte de um esforço maior do governo de centralizar e controlar a informação e a narrativa, impondo censura às vozes divergentes e a doutrinação ideológica na marra.

Mas, afinal, por que esse PL foi tão rejeitado pela sociedade brasileira? São cinco os principais problemas do PL, ou motivos para ser contra a sua aprovação, que atraíram a rejeição praticamente unânime das pessoas nas redes sociais. O primeiro problema é que o governo Lula – finja surpresa – aumentará a tributação sobre os serviços de streaming, como a Netflix, a Amazon Prime Video, Disney+, AppleTV, Max e, o que é especialmente preocupante, o YouTube. Isso significa que se você é assinante de qualquer um desses serviços, você passaria a pagar mais caro por sua assinatura, e as pessoas que produzem conteúdo para essas plataformas veriam sua remuneração ser diminuída em razão dos impostos, especialmente os youtubers. Isso reduziria a oferta e a qualidade de conteúdo online que chega até as pessoas. 

O segundo problema é que o PL, como dito acima, prevê uma isenção para o serviço de streaming “provido por concessionária do serviço radiodifusão de sons e imagens”, o que isentaria, portanto, o Globoplay, serviço de streaming da Globo, que detém concessão pública de rádio e TV. A Globo, que já é dona da maior reserva de mercado na área de comunicação do país, é também a emissora que mais recebe verbas publicitárias do governo federal. No último ano do governo Bolsonaro, em 2022, a Globo recebeu R$ 89 milhões; Lula aumentou o repasse de verbas para a Globo em 60% em 2023, chegando a R$ 142 milhões, segundo dados da Secretaria de Comunicação (SECOM). 

É importante que grandes veículos realizem um jornalismo crítico e independente. Contudo, qual o grau de independência quando sua lucratividade, sua competitividade ou até mesmo sua sobrevivência podem depender de verbas governamentais que podem ser alocadas de modo discricionário entre diferentes grupos adversários? Até onde vai a independência dos veículos em relação a conteúdos que se relacionam com seus maiores anunciantes que mantêm seu negócio vivo e rentável? Por isso, o projeto de lei foi compreendido como uma tentativa do governo de fortalecer canais de informação que ele pode influenciar, em maior ou menor grau, em detrimento de influenciadores e canais independentes.

Notem que o projeto tem efeitos claros: de um lado, serviços de informação alternativos que dão voz às pessoas, como YouTube e outros canais de streaming, seriam desincentivados por meio da ampliação de sua carga tributária – lembrando que temos a mais alta carga da história no país. De outro lado, a mídia oficial – as concessionárias que recebem rios de dinheiro público a título de publicidade que podem influenciar sua cobertura e abordagem – sairia fortalecida. Ganham grandes conglomerados e a doutrinação, perdem uma multidão de influenciadores digitais e a pluralidade de informação e de abordagem.

O terceiro problema é que o PL da Globo é discriminatório, já que ele introduz um regime de cotas para a produção e oferta pelas plataformas de streaming. O que o projeto faz é obrigar as plataformas a reservar metade do seu catálogo para conteúdos brasileiros, sendo que metade desses conteúdos brasileiros deveria ser produzido por produtoras que sejam compostas, na sua participação societária, do que o projeto chama de grupos “vocacionados”, ou incentivados, que são formados por mulheres, negros, indígenas, quilombolas ou povos e comunidades nacionais, pessoas com deficiência e grupos em situação de vulnerabilidade sociail, como a comunidade LGBT. 

Não há dúvidas de que os grupos mais vulneráveis da sociedade devem receber atenção por meio de políticas públicas, inclusive de renda mínima. Contudo, a lógica do sucesso de empreendimentos culturais deve ser guiada pela qualidade ou adesão popular das suas obras, e não por características identitárias, físicas ou econômicas de seus sócios, as quais não se relacionam com o que é produzido. Na mesma linha de um dirigismo econômico discriminatório e ineficiente, o PL privilegia o direcionamento de recursos públicos para produções culturais nas regiões norte, nordeste e centro-oeste, em detrimento das demais regiões do país. Mais uma vez, tais regiões devem receber atenção estatal por meio de políticas públicas e de investimento em infraestrutura, mas não é esse o caminho do projeto.

O quarto problema é que o PL da Globo cria um ambiente propício para a doutrinação ideológica da nossa sociedade, a partir da introdução obrigatória de conteúdos baseados no identitarismo woke importado acriticamente pela esquerda brasileira dos Estados Unidos. Ele prevê, por exemplo, que a produção e disponibilização de catálogos serão guiadas por diversos princípios que incluem a promoção da diversidade de gênero e o incentivo à contratação das pessoas daqueles mesmos grupos “vocacionados” ou incentivados que vimos no parágrafo anterior. É legítimo que a esquerda progressista busque financiamento privado para suas pautas e visões identitárias, mas não é razoável que a lei direcione recursos públicos especialmente para financiar suas pautas, com as quais, aliás, grande parte dos brasileiros não concorda.

O quinto problema é que esse PL não é amparado em evidências nacionais ou internacionais de que práticas semelhantes a essas tenham sido positivas em qualquer lugar do mundo. Simplesmente não há nenhuma prova concreta de que esse PL seria um sucesso, ou de que melhoraria o ambiente cultural e televisivo de nosso país. Trata-se de mais uma expressão da sanha arrecadatória misturada com a interferência estatal indevida do governo na liberdade de informação das pessoas, a fim de querer ditar para os brasileiros o que eles devem assistir e consumir, e mais ainda, como devem pensar e se expressar a respeito das pautas que esses grupos de esquerda, identitários e woke, definem como prioritárias.

O governo Lula sofreu uma primeira derrota ontem, com a retirada de pauta do PL da Globo, mas, como disse no começo deste artigo, ele pode voltar a qualquer momento. Precisamos ficar alertas e vigilantes para retomarmos a mobilização social assim que isto acontecer. Por enquanto, não se esqueça do poder que a sua mobilização tem, especialmente nas redes sociais – pelo menos, enquanto elas foram um ambiente livre da censura e constrição estatal. Esse poder transformador é um dos motivos pelos quais Lula, o PT e alguns ministros do Supremo querem tanto a censura. Tivemos uma vitória por ora e este é um momento para celebrar, mas fiquemos atentos para que o #PLdaGloboNão não retorne e seja aprovado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *