A PALAVRA DO EDITOR

Assisti com grande interesse à serie Borgen, da Netflix. Apesar da usual chatice “politicamente correta” que vem dominando de modo opressivo a cultura mundial, a série é interessante por quanto mostra do cotidiano político da Dinamarca. Revela a natureza das negociações políticas para compor maiorias parlamentares (sem as quais, lá como aqui, ninguém governa). Exibe o dia-a-dia de uma primeira-ministra, chefe de família, sem secretária, a preparar café para os filhos, no mesmo apartamento de sempre. Acompanha o marido a cumprir boa parte das atribuições cotidianas familiares. Deixa evidente que estar no topo da escada da política não é fonte de regalias, mas oneroso posto de serviço com encargos adicionais.

As conversas sobre política entre os personagens de Borgen me fizeram lembrar algo que escrevi há quase dez anos e que preserva atualidade entre nós. Transcrevo aqui, com mínimas adequações.

De uns tempos para cá, a cada campanha eleitoral, mais e mais partidos transmitem de algum modo, a mensagem de que vão “cuidar bem das pessoas”. Perceberam? Já passamos da fase do paternalismo e entramos num patamar superior – o maternalismo. Partidos e candidatos disputam troféu na produção de zelos maternais. Nós, os cidadãos, somos vistos nessas peças publicitárias como bebês de cueiros e mamadeira, cujas vidas dependem dos cuidados da mamãe estatal. Por isso, aquele primeiro domingo de outubro a cada quatro anos, quando ocorre eleição presidencial, deveria ser instituído como “Dia das Mães” cívico. Nessa emotiva data, digitamos na boca da urna nossa mensagem de gratidão à legenda que consideramos mais promissora em bons cuidados. Fôssemos todos gratos filhos da Pátria deveríamos deixar sobre as teclas lágrimas de nosso reconhecimento ou esperança. Afinal, pergunto, lendo o noticiário de hoje, 18 de dezembro: “Mamãe vai nos levar para tomar vacina?”.

Não, não, não. Não estou exagerando. Bem, talvez um pouco, sim. Mas reconheça-se: é exatamente isso que vem sendo ensinado ao povo brasileiro mediante inesgotáveis demonstrações práticas. É a disputa dos corações para domínio das mentes. Com uma das mãos distribuem toda sorte de bônus. Com a outra enviam a conta para os pagadores de impostos. Como não poderia deixar de acontecer, enquanto “cuidam das pessoas”, os agentes dessa política maternalista deixam morrer à míngua as funções essenciais do Poder Público. O pior, o mais nocivo, é que tais estratégias funcionam. E por funcionarem, deformam as consciências, convertendo pessoas em seres carentes, pets de última geração, aos cuidados do Estado.

O ser humano é portador de eminente dignidade natural. Abdica a essa dignidade quem aceita ser passivo nas suas relações com os outros e com o Estado. Fomos criados para existirmos em sociedade e em solidariedade, mas sem deixarmos de ser nós mesmos, indivíduos sempre, nos nossos erros e nos nossos acertos. E, por isso, responsáveis. Aceitar passivamente que o Estado esteja aí para cuidar da gente é desconectar-nos das fontes de energia interior que nos impelem a cuidarmos bem de nós mesmos e dos nossos. E equivale a transferir essa energia pessoal, com grande perda, para as centrais cada vez mais totalizantes do Estado.

O Estado brasileiro é forte onde deveria ser fraco e fraco onde deveria ser forte. É forte nos meios de ingerência e concentração de recursos e de poder, a ponto de estar acabando com a Federação. E fraco, fraquíssimo, em suas funções essenciais, a começar pela manutenção da ordem e segurança da sociedade. Não cabe a ele tomar dos indivíduos as rédeas dos seus destinos. Cabe-lhe criar as condições – repito: criar as condições – para que os indivíduos se desenvolvam. Portanto, só lhe compete fazer aquilo que as pessoas não possam fazer por si. E mesmo quando tais ações forem necessárias, deve o Estado reconhecer seu papel subsidiário. Fica bastante coisa para o Estado, sim. Mas sempre na justa medida, sem invadir o espaço sagrado onde cada um é soberano de si mesmo. Procure, leitor, os lugares onde as pessoas são mais necessitadas e chegará àqueles em que o Estado decidiu ser tudo para todos. Ou sequer apareceu para fazer o que deveria porque está metido onde não deve.

4 pensou em “CIDADÃOS, OU PETS DE ÚLTIMA GERAÇÃO?

  1. Brilhante análise, Sr. Percival Puggina, como sempre.
    Temo, que daqui há dez anos.
    O senhor escreva sôbre o mesmo assunto.
    Será, tão atual quanto o hoje. Como o hoje é atual ao passado.

    Pelo simples fato de que o Estado, estará praticando, como o senhor mesmo falou, “o maternalismo” onde “decidiu ser tudo para todos”. Portanto, continuar-se-á, encontrando “os lugares onde as pessoas são mais necessitadas”.

    Sem querer entrar no mérito.
    Peço-lhe vênia e por conseguinte sua aprovação ou reprovação, do alto da sua sabedoria.
    Por entender que nesta conjuntura. O Governo, ou melhor, O Estado como política pública, traz um agravante preponderante e ao mesmo tempo, incapacitante ao seu representante maior.
    Eleito por maioria absoluta em um regime democrático.
    Que é, a judicialização quase que completa dessa governança.
    Contrapondo frontalmente, o tempo todo, com o Chefe da Nação.
    Inclusive e mais distintamente quando o Presidente diz: “tirar o Estado do cangote do cidadão”.

    A incoerência e a incongruência.
    Parecem ser birras de alguns alunos do jardim de infância contra um coleguinha mais simpático e popular.
    Mas, as consequências são por demais danosas e impactantes para uma população de mais de duzentos e dez milhões de pessoas.

    Mais uma vez, meus sinceros cumprimentos. Sempre agradecido e honrado pela oportunidade de crescer em conhecimento e experiência por tudo que o representa e transmite.

    Fique com Deus e um ótimo final de semana, para o senhor e seus familiares.

  2. Corrigindo no penúltimo parágrafo: crescer em conhecimento e experiência por tudo que o senhor representa e transmite. Tinha faltado a palavra senhor. Desculpe e obrigado.

  3. Meu caro Pugina,

    QUANDO É QUE VAMOS PEGAR EM ARMAS E FUZILAR ESSAS MULTIDÕES DE FILHOS DA PUTA ENGANADORES?

    Presto-me graciosamente ao papel de ser um Cabugá redivivo e ir aos Estados Unidos, importar as armas necessárias a fazer esta dedetização em nosso país.

    Para os que não sabem, Cruz Cabugá foi o embaixador que a Revolução Pernambucana de 1817 mandou aos Estados Unidos para comprar armas e conseguir o apoio e reconhecimento da nova nação, a Confederação do Equador, por aquele país.

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