MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Durante uma semana perdida no ano de 2008 trabalhei na fábrica da Chrysler na cidade de Valencia, capital do estado de Carabobo, na Venezuela. A área industrial de Valencia é equivalente à região do ABC em São Paulo, e é o centro manufatureiro da G.M., Ford e Chrysler na Venezuela. Valencia fica a 168 km de Caracas. A G.M. encerrou suas operações na Venezuela em 2017, demitindo todos os seus 2.700 funcionários. Não sei como estão as atividades das outras montadoras atualmente

Na ocasião a empresa de consultoria de engenharia industrial para a qual trabalhava foi contratada para propor aprimoramentos no gerenciamento da qualidade e, eventualmente, no layout da linha de montagem das peruas Cherokee. Essa fábrica também fabricava o Neon, e ambos os veículos só eram comercializados na Venezuela e região.

Duas situações imediatamente chamaram a minha atenção.

Primeira: entre a seção de pintura e a linha de montagem das carrocerias havia uma rua interna, ao ar livre, e era comum as carrocerias já pintadas ficarem aguardando nessa rua, expostas à poeira e ao trânsito de pedestres, para entrarem na linha de montagem. Após a montagem havia um “Departamento de Retoque de Pintura” para cuidar dos problemas criados por tal situação. Essa questão, por razões óbvias, não pôde ser resolvida naquela semana – e, ao que me consta, nunca foi, já que acarretava em uma mudança significativa no layout da fábrica, com um considerável custo.

A segunda situação ocorreu ao investigarmos a principal reclamação dos clientes quando recebiam seus veículos novos nas concessionárias: sujeira, manchas e insetos nos bancos.

Essa situação era fácil de ser resolvida. Fácil? Peço a Vossa Mercê que expulse tal pensamento lógico de seu processo mental, já que na Venezuela nada é lógico nem fácil, desde aquela época.

O que se assucedia era que, durante a hora do almoço e dos lanches (manhã e tarde), quando a linha de produção parava, muitos operários, fugindo do calor que fazia dentro da fábrica, iam para dentro de veículos já montados, ligavam o rádio e o ar condicionado e ali mesmo comiam suas próprias refeições caseiras – o restaurante da fábrica oferecia uma opção muito limitada de alimentos, além de mesas, cadeiras e máquinas de refrigerantes. Os talheres tinham que ser trazidos pelos próprios funcionários, pois havia o grande risco de desaparecerem entre o prato e a boca se fossem propriedade da companhia. Não é necessário dizer que havia restos de alimentos e manchas de bebidas nos carros, e em uma boa porcentagem, atraindo baratas e outros insetos.

Limpar a sujeira feita? Foi proposto que os próprios montadores limpassem a sujeira que faziam. E quem falou que a mudança desse comportamento era fácil de implementar? Esqueça. Essa atividade laboral – a limpeza do interior dos carros – não estava no contrato de trabalho, e os operários afirmaram que limpar os carros antes da entrega aos clientes era obrigação das concessionárias, ou… de quem?

O Sindicato pôs a boca no trombone, sendo que fui por ele classificado como um estrangeiro insensível, pequeno burguês, que não conhecia a cultura local e pouco se importava com o bem-estar e os direitos dos operários. A empresa, se quizesse que os carros fossem entregues limpos, deveria contratar mais operários para limpar os veículos. O Governo socialista criou uma comissão para dialogar com o Sindicato. Não sei o que resultou dessas discussões, pois nunca mais voltei a Valencia.

Somente sei que a indústria automotiva da Venezuela produzia, naquela época, 170 mil veículos por ano, e em 2017, com Nicolas Maduro no poder (Hugo Chavez morreu em 5 de março de 2013), produziu apenas 2.768 veículos, uma redução de 98%. Não tenho dados mais recentes. A FCA (Fiat Chrysler Automobiles) produziu em 2017, naquela fábrica de Valencia, 110 veículos no total. O número de trabalhadores da indústria automobilística em Valencia caiu de 11 mil para 2 mil, mas isso é apenas um detalhe secundário do “Socialismo do Século XXI”, segundo a pujante e maravilhosa filosofia politico-econômica do governo venezuelano.

6 pensou em “CHEROKEE VENEZUELANO

  1. Magnovaldo…. nessas suas reminiscências vosmecê revela dois traços dos povos cucarachas abaixo do Rio Grande: a primeira é a malemolência de não se respeitar o contrato social e civilizatório, expressando-se em sindicatos que só querem privilégios, e qualquer um que ataque esse comportamento é sempre visto como insensível, pequeno burguês, e por aí vai. Outra é ver como o veneno do socialismo consegue matar um país e qualquer chance de um povo sair da miséria. Aliás, como todo besouro rola bosta, socialista só consegue sobreviver se espojando na merda.

    • Pois é isso mesmo, meu querido conterrâneo. Há uma outra coisa interessante na Venezuela, desde aquela época: nossa sala de reuniões ficava no primeiro andar, onde estavam as áreas de Engenharia, Supervisão e Contabilidade. Os operários não tinham acesso a ela. Todas as vezes que saíamos para o piso de fábrica a sala era trancada à chave, que ficava com o nosso líder do grupo. Então, no terceiro dia, perguntei porque se trancava a sala, que ficava na região da supervisão da fábrica. Ele me afirmou que, mesmo nessa localização no primeiro andar, as coisas desapareciam: calculadoras, computadores, canetas e tudo o mais que pudesse ser carregado. No meu primeiro dia, na chegada da fábrica, deram-me um saco plástico lacrado com um garfo, uma faca e uma colher, e tive que assinar um recibo: explicaram-me que guardasse esses “tenedores” comigo pessoalmente e os devolvessem na sexta-fera, último dia. Eu mesmo é que tinha que lavá-los e cuidá-los bem, porque em 10 minutos desapareceriam. O Gerente da produção, dois dias antes de eu viajar para a Venezuela, me pediu para comprar um i-Pod (que era a coqueluche do momento). Nos Estados Unidos custava 300 dólares e na Venezuela eram vendidos por 1000. Prometeu-me dar o dinheiro em dólares assim que chegasse lá. Passou a semana me enrolando cada um dos dias. Na sexta-feira, quando já tinha que ir para Caracas tomar o vôo de volta, disse que não tinha os dólares, mas que me pagaria na próxima vez que voltasse. Isso nunca aconteceu, pois eu não voltaria mais (e êle sabia disso). Tampouco devolveu o i-Pod. Esse era o Gerente de Produção da Chrysler. Ou seja, a putaria venezuelana já era maior que a brasileira, mesmo nos níveis mais altos. Imagine então como eram as cabeças dos operários. Tenha uma feliz Páscoa, com muita saúde, festa e alegria. Um abraço.

  2. Magno, eu vi seu texto na sexta, mas foi muito de relance e hoje, com mais tempo, voltei para ler com mais calma. Eu não sei o que o socialismo tem para iludir, por tanto tempo, as pessoas. Eu comparo a Jim Jones. Sob sua influência 900 pessoas morreram e o socialismo é exatamente assim: as pessoas morrem, ficam com fome, desempregadas, o estado é incapaz de dar atenção básica, mas o povo escolhe continuar. Não me refiro à Venezuela porque aquilo ali é regime de exceção.. Falo do Brasil mesmo. Durante o governo Bolsonaro, as estatais deram lucro, os correios deram lucro, compraram até um avião novinho, novinho! Primeiro ano do governo do povo, deu prejuízo. Tivemos um rombo nas contas públicas de R$ 59 bilhões. O mais engraçado é que uma pesquisa recente coloca Lula e Tarcísio empatados quando dizem que Tarcísio teria o apoio de Bolsonaro. Essa mesmo pesquisa, coloca Bolsonaro numericamente à frente de Lula, mas empatados tecnicamente. Eu não sei o que dizer mais quanto a imbecilidade do povo brasileiro.

  3. Pois é, meu caro gurú Assuero; existem certas coisas que não entram em minha cabeça. Não só no Brasil, que ainda não está fuzilando no paredão os que pensam diferentemente da laia comunista. Aqui nos Estados Unidos, terra da liberdade, dos costumes republicanos, do império da Lei, cresce o número de jovens que, nascidos e criados em famílias de boa extração e educados em Universidades mundialmente famosas, preferem deixar de lado os ensinamentos dos fundadores da nação mais bem sucedida do mundo para abraçarem causas comprovadamente desastrosas. Che Guevara, o porco assassino, é um ídolo para muitos desses jovens, que nunca souberam o que é ter necessidades básicas não supridas. Vejo, também, elementos de minha própria família: os dois únicos parentes próximos que tenho que concluiram o Doutorado em alguma coisa só semearam a discórdia entre nós pela suas agressivas posições esquerdistas. Um deles, que já concluiu o pós-doutorado, disse-me que ia votar no Lula (á época das últimas eleições). Fiz-lhe ver que eu conheci pessoalmente aquele cafajeste quando trabalhei na Villares no final da década de 1970, e o quão vigarista e desonesto ele era. Sua resposta até hoje zumbe nos meus ouvidos: “sim, eu sei que ele é um ladrão, mas eu gosto dele e vou votar nele mesmo assim”. Como lhe disse acima, esse tipo de raciocínio me dá um nó arretado em meus neurônios. Tenha uma excelente semana, com muita saúde e paz. Abração.

  4. Não tentem entender como não funciona o mecanismo similar ao cérebro de um canhota.
    Ao fazer isso, corre-se o risco das sinapses ficarem putas com a perda de tempo nessa atividade e entrarem em greve.
    Eu mesmo andei oferecendo aumento pras ditas voltarem ao serviço de processamento dessa questão e a resposta foi o silêncio.
    Parabéns e obrigado pelo texto, Magnovaldo!

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