MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Sim, digo e repito: chega de democracia. Chega de falar em democracia, chega de achar que democracia vai resolver alguma coisa.

Para começar, o que é democracia? É aquele negócio que os gregos inventaram? Não, a democracia dos gregos era algo bem diferente. Em Atenas, o governo era escolhido pelos cidadãos – isso todo mundo aprendeu na escola. O que esqueceram de dizer na escola é que “cidadão” era o termo grego para a elite que votava. Na democracia grega, pobre não votava, soldado não votava, operário não votava, mulher não votava, escravo não votava (é, a democracia grega tinha até escravos).

Já nos tempo modernos, democracia virou uma espécie de palavra mágica que resolve qualquer problema e encerra qualquer discussão. Se você não gosta de uma coisa, é só chamar de anti-democrática que ninguém vai ter coragem de contestar. Se você quer mandar nos outros (e todo mundo quer), é só dizer que é em nome da democracia e todo mundo concorda.

Meu leitor está pensando: “Mas o Churchill não disse aquele negócio da democracia ser o melhor sistema de todos”? Vamos com calma. Frases de políticos podem ser bonitas, mas não se resolve um problema em uma frase só. Mas, até por brincadeira, vamos olhar a frase do Churchill de perto? “A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. Ou seja, ele mesmo diz que a democracia não é grande coisa. É só a menos pior das formas “que têm sido experimentadas”. E as não experimentadas? Já se tentou, por exemplo, ter MENOS GOVERNO? Ter um governo que tenha por objetivo se intrometer cada vez menos na vida das pessoas, e não mais? Um governo que tente diminuir seu tamanho sempre que possível, não um que aproveite cada chance para ficar maior, mais caro e mais intrometido?

Na prática, aquilo que chamamos democracia tem funcionado assim: você é obrigado a votar a cada X anos. Daí, como você votou, perde o direito de mandar na própria vida, e é obrigado a aceitar tudo que o governo mandar, porque o tal governo “foi eleito democraticamente”. É como se os escravos deixassem de ser escravos se pudessem periodicamente escolher qual o feitor que vai chicoteá-los.

A tal democracia virou simplesmente uma desculpa para nos obrigar a aceitar de boca fechada tudo que o governo nos impõe. Reclamar é anti-democrático. Obedecer ao governo é nossa obrigação, porque está na constituição, dizem eles. E eu com a constituição? Constituição só serve para alguma coisa quando funciona. Se não funciona, é preciso consertar ou trocar. O Brasil já teve sete constituições diferentes, pode perfeitamente trocar de novo. A constituição deve atender ao país, não o contrário. Senão, vira um tolo raciocínio circular: não pode falar mal da constituição porque é antidemocrático. Não pode falar mal da democracia porque é inconstitucional.

Eu não anseio por democracia. Eu anseio por liberdade. Sabe aquela velha frase que ouvíamos na infância, “nosso direito vai até onde começa o direito do outro”? Pois é, porque agora toda “maioria” tem obsessão por impôr suas regras aos outros? Por que precisamos ter regras “democráticas” dizendo o que podemos fazer, o que podemos falar, o que podemos vestir, o que podemos comer? Duas respostas possíveis:

A primeira é que todo mundo gosta de mandar. Já dizia Spinoza, filósofo do século 16: “É desejo de cada um conseguir que todos sejam obrigados a gostar daquilo que ele gosta, e proibidos de gostar daquilo que ele não gosta.” Usar a maioria para impôr regras aos outros é só um jeito de conseguir satisfazer o desejo por poder.

A segunda, óbvio, é o governo. Metade das leis serve apenas para criar secretarias, departamentos, agências e outras burocracias que aumentem as vagas disponíveis. A outra metade das leis serve para cobrar impostos para pagar os salários dos que ganharam emprego público graças à primeira metade.

Neste ponto, muitos dos meus leitores estão pensando: “mas não diz na constituição que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido? Os políticos não estão representando o povo? As leis não são legítimas?” Não, caro leitor, não, não e não.

Por acaso é “vontade do povo” que os deputados tenham plano de saúde grátis para toda a família? É “vontade do povo” que os juízes tripliquem seu salário com gratificações e auxílios? É “vontade do povo” que os políticos possam indicar, à sua livre escolha, dezenas de milhares de pessoas para “cargos de confiança” e “funções gratificadas”? É “vontade do povo” que os políticos possam inventar as leis mais absurdas e usar nosso próprio dinheiro para pagar pessoas apenas para nos vigiar e nos punir em caso de desobediência?

A suposta autoridade da maioria, hoje em dia, é uma mentira conveniente, usada apenas para justificar o abuso. Sim, todos nós votamos na eleição. O que isso tem a ver com o judiciário e o ministério público se comportando como ditadores que podem tudo? Eles nem sequer foram eleitos, mas quem se atreve a contestá-los é perseguido pelo poder do estado, com a desculpa que não ser bovinamente submisso a eles é “atentar contra a democracia”. Em nome da democracia, juízes, promotores e políticos podem tudo; até mesmo dizer que, em nome da democracia, nós não podemos nada.

A liberdade é algo inerente à vida. Sem liberdade, o ser humano se iguala aos animais, que são seres vivos mas não sabem que são. Nada justifica que alguém seja obrigado a fazer algo ou proibido de fazer algo só porque outras pessoas querem, mesmo que estas outras pessoas sejam a “maioria” de algum grupo, seja ele qual for. Aliás, eu sei que já é um argumento velho, mas continua válido: Pilatos colocou o destino de Jesus e de Barrabás nas mãos da “maioria”, em um procedimento supostamente “democrático”. Só isso já serve de exemplo para contestar os que alegam que a maioria sempre tem razão, e as minorias devem sempre obedecer ao que a maioria quer.

“Ah, mas toda sociedade precisa de governo”, pensa o leitor. Sim, mas quanto? Será que realmente precisamos que o governo regule, controle e fiscalize cada mínimo aspecto de nossa vida, quase sempre cobrando por isso? Seria o fim da civilização se eu pudesse andar de bicicleta ou ir ao açougue comprar carne sem estar sujeito a milhares de normas?

Ao longo dos tempos, e com intensidade cada vez maior nas últimas décadas, as pessoas foram sendo doutrinadas a pensar que o certo e o errado são definidos pelo estado; que só pode existir o bem obedecendo ao que o estado determina; e que discordar do estado é uma ameaça para todos. Recentemente, um prefeito brasileiro disse “Governar é como cuidar do filho adolescente. Temos que fazer o que é bom para ele, não o que ele pede. Ele vai reclamar, mas um dia vai entender e reconhecer.”. Ele estava falando de patinetes, mas poderia estar falando de qualquer coisa. Pense um pouco, leitor: você realmente se considera um adolescente, que não sabe distinguir o bom do ruim? Você acha que um político vai cuidar de sua vida melhor do que você mesmo? E o mais importante: Você tem o direito de achar que as outras pessoas também são irresponsáveis que devem ser, democraticamente, tratadas como adolescentes?

Precisamos parar de usar a democracia como argumento para justificar este circo absurdo de gente que vive às nossas custas com a desculpa de cuidar de nós. Não precisamos entrar em acordo sobre tudo. Podemos e devemos aceitar que os outros tenham idéias diferentes das nossas. Não importa se 51%, ou 90%, ou 99% acha que uma coisa é ruim. Mesmo que exista apenas uma pessoa no mundo que discorde, ele deve ter a liberdade de gostar (Se o que ele gosta prejudica alguém, é outra história).

Para resumir a história: Governo, pare de mandar em mim! Você não tem o direito de restringir minha liberdade, mesmo que você alegue que o João, a Maria e o Antônio votaram em você. O João, a Maria e o Antônio não são donos da minha liberdade, do mesmo jeito que eu não sou dono da liberdade deles. A opinião deles não autoriza ninguém a tirar minha liberdade em nome de uma tal democracia.

2 pensou em “CHEGA DE DEMOCRACIA!

  1. Meu caro Bertoluci.

    Eu não teria dito de maneira melhor. Supimpa. Fantástico e qualquer outro adjetivo do mesmo quilate.

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