CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

Boa tarde, Berto.

Quando eu era minino pequeno lá em Missão-Velha-CE, o meu pai Vicente Gomes Linard, tinha uma bodega que se chamava “A SAMARITANA” que vendia de tudo um pouco. (voz do povo: se não tiver na Samaritana, não tem em lugar algum).

Do Almanaque do Pensamento à Sianinha, citados no excelente Romance da Besta Fubana.

Hoje tenho 66 anos e resido em Fortaleza-CE.

Fraterno abraço.

R. De fato, dentro as mil coisas que lá estão citadas, o Almanaque do Pensamento e a fita de costura sianinha estão mesmo no meu livro, que você generosamente chama de “excelente”. 

Brigadão, meu caro leitor.

Fiquei feliz com sua apreciação.

O livro está zerado, esgotado, totalmente vendido. Uma nova edição deverá sair ainda neste ano da graça de 2019.

A Editora Bagaço é administrada por conterrâneos de Palmares. Conhecendo bem o meu povo, vou ficar torcendo para que o livro fique pronto antes do Natal… Vamos rezar!

Como sou muito inxirido, aproveito a oportunidade que você me deu, caro leitor, pra transcrever a orelha da 1ª edição d’O Romance da Besta Fubana, lançada há 35 anos.

Uma orelha que foi escrita pelo saudoso Ênio Silveira, um dos maiores nomes no mundo do livro do Brasil no Século XX, fundador da Editora Civilização Brasileira e um dos ícones deste campo.

Capa da primeira edição de O ROMANCE DA BESTA FUBANA, de autoria do grande artista mineiro Cláudio  Martins – Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1984

* * *

O ROMANCE DE BESTA FUBANA

Ênio Silveira

Assim como o padre escondido na penumbra do confessionário, ou o psicanalista supervisionando seu rendoso divã, o editor se vê submetido diariamente às manifestações mais contraditórias da capacidade de enredo que é própria à condição humana. Grandeza e mediocridade, audácia e timidez, auto-segurança e incerteza se apresentam diante de seus olhos em cada texto que recebe e lê (há editores que não se dão pessoalmente a tal prática, delegando a tarefa a seus assessores, mas eu, que ainda sou mais artesão do que industrial sofisticado, examino-os um por um). Ao contrário, porém, daqueles seus “colegas”, que dispensam orações e conselhos sem se envolverem emocionalmente, ele se encontra depois diante da cruel e difícil obrigação de dar ou não dar guarida – e divulgação – ao trabalho alheio, o que muitas vezes poderá iniciar, ou prosseguir carreiras literárias, ou simplesmente desencorajá-las.

Devo dizer, apesar da natural e inevitável falibilidade de todos nós (é famoso o caso de André Gide, quando trabalhando na célebre editora Gallimard, de Paris, haver rejeitado os originais de Marcel Proust, por considerá-los irrelevantes…), que a grande maioria dos textos examinados não revela mais do que desmedida ausência de autocrítica de quem os escreveu. O brasileiro médio pode não plantar uma árvore ou fazer um filho, mas acredita estar obrigado, por estranhos desígnios que escapam à razão, a escrever pelo menos um livro, preferivelmente de poesia, mas freqüentemente romance ou novela…

As exceções – e ainda bem que ocorrem – enchem de alegria a todos aqueles que têm a ventura de encontrá-las. É emoção comparável à descoberta de gorda pepita aurífera no lamaçal do garimpo, de um desenho original de Rembrandt no empoeirado baú de antepassado que o porão e o tempo conservaram esquecidos…

Foi exatamente o que ocorreu comigo, ao receber e ler os originais de O ROMANCE DA BESTA FUBANA, que um totalmente desconhecido (para mim, pelo menos) Sr. Luiz Berto enviou à minha editora (CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA) pelo correio, com um discreto, quase lacônico bilhete solicitando o exame de seu livro. O texto vinha precedido duma nota que o apresentava como “Descrição histórica, científica e literária da instauração da República Rebelada dos Palmares, no ano pomposo de 1953, com relato pormenorizado e circunstanciado de suas causas, pessoas, sucedências e conseqüências, em ordem cronológica e acessível estilo. Com desenhos autênticos, feitos de próprio punho pelo cantador Natanael, depois General-Presidente da República, conforme originais arquivados na atual Biblioteca Municipal Fenelon Barreto, gentilmente cedidos pela bibliotecária Jessiva Sabino, guardiã das preciosidades de Palmares. / Tudo isso dividido em cinco interessantes capítulos, da seguinte maneira numerados: / I – OS SINAIS / II – A REVOLTA / III – A REPÚBLICA / IV – A BESTA FUBANA / V – O FIM”.

Ao avançar na leitura do texto, vi-me possuído por crescente admiração e não me continha em exclamações orais (para mim mesmo e os circunstantes) de grande apreço, pois o ROMANCE DA BESTA FUBANA de fato se ia revelando das melhores coisas que havia lido nos últimos anos. Inventivo, informal dentro de sua estrutura solidamente plantada, sério e bem-humorado a um só tempo, o livro de Luiz Berto me oferecia um retrato tridimensional de nosso sofrido Brasil de hoje, que, parodiando Miguel Torga ao descrever Portugal num volume de seus Diários, eu poderia declarar contido de um lado pelos contrafortes andinos, que os gemidos não transpõem, e de outro pelo Atlântico, onde as queixas se perdem…

Escrevi logo ao autor assim que terminei, maravilhado e comovido, a descoberta de seu livro verdadeiramente excepcional, propondo-me a editá-lo. Dias depois ele me responde, algo constrangido, para dizer que, dominado por ânsia e receio de calouro, havia submetido o texto a vários editores ao mesmo tempo, e que, poucos dias antes de mim, Pedro Paulo Moreira, da ITATIAIA, já lhe comunicara também sua aceitação, e um contrato se estabelecera entre eles.

Foi um duro golpe, pessoal e profissional. Surda frustração dominou-me por instantes e, confesso, não pequena inveja. Como não sou totalmente destituído de qualidades, no entanto, esses sentimentos menores logo se viram suplantados por sincero júbilo: um grande amigo e colega, diretor de editora exemplar, lançaria O ROMANCE DE BESTA FUBANA para felicidade geral da nação e merecido reconhecimento dos méritos de Luiz Berto.

Bons ventos impulsionem aos três: livro, autor, editor, rumo ao sucesso que merecem!

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