VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

NAO TEM VAGA

Um casal chegou a um lugarejo, tarde da noite. Marido e mulher, estavam cansados da viagem. Ela, grávida, prestes a dar à luz, não se sentia bem. Foram procurar um lugar onde pudessem passar a noite. Uma hospedaria simples serviria, desde que não fosse cara.

Pensavam que seria fácil de encontrar. Mas, ao contrário do que esperavam, foi muito difícil. Na primeira hospedaria onde chegaram, encontraram como recepcionista um homem rude, que, ao vê-los, disse logo que não havia vaga. Na segunda, o encarregado da portaria olhou com desconfiança o casal e solicitou apresentação de documentos. A resposta do pretenso hóspede foi de que a pressa da viagem fizera com que esquecesse os documentos. Foi o suficiente para que o encarregado desse um não.

Disse o recepcionista, grosseiramente:

– Como pretende o senhor conseguir hospedagem, se não tem documentos? – disse. – Eu nem sei se o senhor teria como pagar a conta…

Humilhado, o viajante não disse nada. Tomou a mulher pelo braço e seguiu adiante. Na terceira hospedaria, mesmo havendo vaga, o encarregado resolveu dizer que estava lotado. Desconfiou do casal, ao ver a pobreza das roupas que os dois vestiam. Resolveu dar uma desculpa, para disfarçar a má vontade:

– As hospedarias simples, como esta, não recebem incentivo nenhum do governo. Já os grandes hotéis, recebem incentivos e os donos podem fazer reformas. Hospedam até delegações estrangeiras. Até hoje, não consegui nada. Se eu conhecesse alguém influente…já tinha melhorado de vida. O senhor não conhece ninguém nas altas esferas?

O viajante hesitou, depois disse que sim, que talvez conhecesse alguém “nas altas esferas”.

– Pois, então, – disse o dono – fale para esse seu conhecido sobre esta hospedaria. Assim, da próxima vez que o senhor vier, talvez eu já possa lhe arranjar um quarto de primeira classe, com banho e tudo.

O viajante agradeceu, lamentando a urgência do seu problema. Precisava de um quarto para aquela noite. Foi adiante.

Na hospedaria seguinte, quase tiveram êxito. O gerente estava esperando um casal de conhecidos artistas, que viajavam incógnitos. Quando os viajantes apareceram, pensou que fossem os hóspedes que aguardava e disse que sim, que o quarto já estava pronto. Ainda fez um elogio.

– O disfarce está muito bom!

– Que disfarce? Perguntou o viajante.

– Essas roupas velhas que vocês estão usando, disse o gerente.

– Isso não é disfarce – disse o homem. São as roupas que nós temos. O gerente, então, percebeu o engano:

– Sinto muito – desculpou-se. – Eu pensei que tinha um quarto vago, mas parece que já foi ocupado.

O casal foi adiante. Na hospedaria seguinte, também não havia vaga, e o encarregado, metido a engraçado, disse:

– Ali perto há uma manjedoura. Por que não se hospedam lá? Não é muito confortável, mas, em compensação, não pagarão diária.

Para surpresa dele, o viajante achou a ideia boa e até agradeceu. Saíram.

Não demorou muito, apareceram os três Reis Magos, perguntando ao encarregado se não tinha chegado por lá um casal de viajantes, com a mulher prestes a dar à luz. E foi aí que o gerente começou a achar, que talvez tivesse perdido os hóspedes mais importantes, já chegados a Belém de Nazaré.

A Estrela-Guia levou os Reis Magos Belchior, Gaspar e Baltazar, ao local onde Maria acabara de dar à luz.

Eles, então, ofereceram ao menino Jesus três presentes, com significados espirituais: Ouro, incenso e mirra.

Após isso, foram avisados por Deus, em um sonho, que não deveriam informar a Herodes o nascimento do Menino Jesus.

E assim, retornaram para sua terra por outro caminho.

Os Reis Magos Belchior, Gaspar e Baltazar eram astrólogos e sábios. Com base nas profecias e na astrologia, previram a vinda de Jesus e partiram em uma longa viagem, para dar as boas-vindas ao Messias (Salvador).

Em Mateus 2:11 é descrita essa passagem:

Ao entrarem na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram. Então abriram os seus tesouros e lhe deram presentes: ouro, incenso e mirra.

O ouro simboliza a realeza de Jesus.

O incenso, usado nos templos, era um presente exclusivo aos sacerdotes, reforçando, assim, a divindade de Cristo.

A mirra é um composto usado no embalsamamento, e fazia referência ao sacrifício de Cristo e à sua Ressurreição.

E assim nasceu o Menino Jesus, aquele que veio, para ser o homem mais importante da humanidade!

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EVOCANDO “ONTEM AO LUAR”

“ANTOLOGIA DA CANÇÃO BRASILEIRA”, coletânea oferecida aos poetas, trovadores, musicistas e intelectuais brasileiros, pelo grande pesquisador Norte-Rio-Grandense, Gumercindo Saraiva, homenageou o poeta e compositor Catullo da Paixão Cearense, por ocasião do seu Centenário de Nascimento, a quem denominou de “o maior lapidador da Canção Brasileira” (1863 – 1963).

Catullo da Paixão Cearense nasceu a 8 de outubro de 1863, em São Luiz do Maranhão e faleceu no Rio de Janeiro a 10 de maio de 1946.

Na sua mocidade, sentindo a decadência da canção nacional, Catullo tornou-se um herói, desbravando de maneira patriótica os poemas mais sugestivos da literatura brasileira, notadamente de Castro Alves, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e tantos outros poetas, cujas composições se integraram ao cancioneiro popular do nosso país e alcançaram destaque fora do Brasil.

Gumercindo Saraiva quis restaurar aquilo que estava prestes a desaparecer do “dossier” cultural brasileiro. E ele estava certo. A Modinha está adormecida, ofuscada pela música de baixa qualidade.

Heitor Villa-Lobos, o expoente máximo da música brasileira, célebre autor das “Bachianas Brasileiras”, encontrou na obra de Catullo da Paixão Cearense, não simples melodias, escritas de forma banal e inexpressiva, mas um manancial de talento. Por isso, certa vez, disse: “Na música, Catullo me foi mais útil que o próprio Ernesto Nazareth”.

A notável tradição e o majestoso cenário emocional encontrados na canção de Catullo, não foram mais estudados e permanecem no ostracismo, por falta de divulgação. Sua grandiosa obra está adormecida. Temos necessidade de uma biografia mais positiva, que reviva na alma do povo a presença de Catullo e a universalidade dos seus cantos.

O escritor Rocha Pombo, estudando a obra de Catullo, declarou: “Catullo é um grande poeta. A meu ver, tem ele na alma alguma coisa mais que a exuberante e entusiástica poesia do nosso povo; nos seus versos, nos seus cantos, fala a excelsa musa anônima e imortal da raça”.

Alberto de Oliveira, príncipe da poesia brasileira, no seu tempo, referindo-se a Catullo, cantou, em versos, com o coração, a grandeza do grande vate maranhense:

“Esse outro poeta és tu, com as tuas harmonias
Com o teu estro a vibrar nas cordas do violão
Fazendo ao que te escuta ir-se a imaginação,
Ir-se o espírito além, além…por além afora,
Ao bom tempo feliz, ao bom tempo de outrora,
Em que eu sei que cantava esse de nome igual
E gênio igual ao teu – Catullo, o provençal.”

Catullo estudou um pouco de música, chegando mesmo a tocar flauta de cinco chaves, mas encontrando dificuldades por falta de embocadura.

Seus companheiros dessa época foram o flautista Viriato, o compositor Calado, o regente e compositor Anacleto de Medeiros, Quincas Laranjeiras, Albano, Cadete e outros que não alcançaram projeção no ambiente da boemia dessa turma tão conhecida nos meios das serestas do Rio de Janeiro.

O nome de Catullo da Paixão Cearense não precisa mais de apresentação no cenário da modinha brasileira.

Poeta popular, violonista, violinista, musicista afamado, bardo do povo, o autor de “ONTEM AO LUAR”, jamais encontrou quem o substituísse, devido à sua sublime inspiração, facilidade de rima, aproveitando de maneira auspiciosa motivos palpitantes para perpetuar nos seus versos e na sua musicalidade a misteriosa germinação do seu talento, como a semente que fecundou na terra e na alma do povo brasileiro.

Catullo transformou o acompanhamento, dando-lhe modulações imprevistas; entrou nos salões , e obteve calorosos aplausos, revelando a verdadeira beleza do violão brasileiro, nele entronizando de novo, a nossa Modinha, que, lamentavelmente, estava ofuscada por músicas de baixa qualidade. Esse foi o seu maior título de glória, na sua época.

Catullo morreu, levando o segredo da espontaneidade, o segredo da rima cantante dos regatos, da inspiração misteriosa e cheia de brasilidade. Levou a beleza dos céus de nossa terra, o luar imenso das noites sertanejas vividas e sentidas nas serenatas do seu tempo, a graça e o sorriso das caboclas bonitas do Sertão, a paz bucólica dos campos e das fazendas.

O violão que era um instrumento desprestigiado, companheiro inseparável da boemia e badernas, foi reabilitado por Catullo, que o impôs nos salões, tornando-o um irmão do piano, do violoncelo e do violino.

Entre suas inúmeras e belíssimas canções, estão “ONTEM AO LUAR”, “SERTANEJA” e “LUAR DO SERTÃO”, que se eternizaram.

CATULO DA PAIXÃO CEARENSE

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ANTIGA LIÇÃO DE DIREITO

Era o primeiro dia de aula de um Curso de Direito. A alegria tomava conta da sala, onde os alunos já se sentiam futuros bacharéis.

Emocionados, respeitosamente, receberam de pé o elegante professor de Introdução ao Estudo do Direito, que os cumprimentou e mandou que todos se sentassem. Após observar demoradamente e com seriedade todos os alunos, o professor fixou o olhar num rapaz franzino, tímido e de óculos, que estava sentado na primeira fila, e em voz alta, perguntou-lhe o nome.

O rapaz respondeu:

– Meu nome é Francisco, professor.

Com voz estridente, o professor ordenou:

– Retire-se da sala de aula, e não volte mais, Francisco!

A turma mergulhou em silêncio sepulcral.

O aluno ficou perplexo, diante de tamanha brutalidade. Tinha certeza de que não fizera nada que justificasse sua expulsão da sala de aula. Apenas, respondera qual era o seu nome, conforme lhe fora perguntado. Humilhado, imediatamente, Francisco levantou-se, pegou sua pasta onde tinha lápis e papel, e se retirou.

A turma ficou assustada e indignada, diante da incabível grosseria do professor. Ninguém entendeu a razão da sua ira contra Francisco, que, da mesma forma dos outros alunos, apenas aguardava, atento, o início daquela que seria a primeira aula do Curso de Direito.

Todos perderam a voz. O silêncio continuou, até que o professor tossiu e começou a falar:

– Dando início à primeira aula do Curso de Direito, pergunto a vocês?

– Para que servem as leis?

Os alunos continuavam assustados, mas os mais desinibidos ousaram responder:

– As leis existem, para que se ponha ordem à sociedade em que vivemos.

– Não! – respondeu o professor.

– Para que seja possível a convivência humana! – disse outro aluno.

– Não! Contestou o professor.

Para que as pessoas paguem pelos erros cometidos!

– Não!

E o professor continuou a falar, indignado:

– Será que, entre tantos alunos, nenhum sabe dar uma resposta correta?

Até que, timidamente, uma aluna respondeu:

– Para que haja Justiça!

O professor, eufórico, respondeu:

– SIM!!! Até que enfim!!! É isso mesmo!!! … Para que haja Justiça!

– E para que serve a Justiça? – Perguntou o professor, com hostilidade.

Todos começaram a se irritar com a atitude grosseira do professor. Mesmo assim, continuaram dando suas respostas:

– Para preservar os direitos humanos…

– Certo! E o que mais? – perguntou o professor.

Os alunos continuaram respondendo:

– Para separar o joio do trigo! Para distinguir o certo do errado! Para premiar aquele que fez o bem e punir aquele que fez o mal!

O professor vibrou:

– Muito bem! Mas, me respondam: Agi certo, ao expulsar Francisco da sala de aula?

– Não! – a resposta dos alunos foi uníssona.

O professor insistiu na pergunta:

– Podem me dizer se cometi uma injustiça com Francisco?

Todos os alunos responderam:

– Sim!!!

O professor, então, retrucou:

– E por que ninguém protestou diante da injustiça que eu fiz?!!!.Para que queremos leis e regras, se não dispomos da coragem necessária para praticá-las?

– Cada um de vocês tem a obrigação de reclamar, quando presenciar uma injustiça. Todos. Não voltem a ficar calados, nunca mais!

– Vão chamar Francisco! – disse o professor com voz austera, olhando fixamente para todos os alunos.

Acabrunhado, Francisco relutou em voltar. Foi preciso que os outros alunos fossem chamá-lo, acompanhados do professor, que o abraçou e lhe pediu desculpas, por tê-lo usado como exemplo do que vem a ser uma injustiça.

Naquele dia, os alunos do Curso de Direito receberam a mais importante lição que poderiam receber:

“O DIREITO NÃO SE NEGOCIA”.

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MALDADE SEM LIMITE

Charles não era príncipe, não era rico nem filho de político. Um rapaz simples, tímido e pobre, “gente que a gente não vê, porque é quase nada”. Era mais bonito do que certos príncipes.

Nos contos de fadas, todos os príncipes são bonitos.

Depois de adultos, entendemos que isso não existe. Pelo menos, os príncipes que as revistas mostram são feios pra burro.

Charles tinha o raciocínio rápido, o que é sinal de inteligência. Seu grande defeito, na opinião de dona Matilde, sua mãe, era ser honesto e não saber mentir. Jamais poderia ser político. Charles nem mentia nem deixava ninguém mentir na sua frente. Desmentia em cima da bucha e Isso incomodava muita gente. Charles nasceu no interior nordestino, se acostumou com a pobreza, mas não com a miséria. Sua mãe o incentivava a frequentar a escola e aprender a ler, para trabalhar em loja ou em fábrica. Charles tinha bons sentimentos. Não maltratava animais, nem pessoas. Respeitava a todos.

Desde cedo, a mãe de Charles percebeu que ele era diferente dos outros filhos, nos gostos e temperamento. Detestava mentiras, mesmo que fossem por conveniência. Só dizia a verdade. A verdade “verdadeira”. Não a verdade por conveniência. Dona Matilde não cansava de aconselhar o filho, dizendo-lhe sempre que nem toda verdade deveria ser dita. E ele passou a engolir em seco, procurando abafar suas palavras.

Ele se tornou antipatizado e antissocial.

Entre outras esquisitices, Charles pensava livremente e por conta própria. Ainda adolescente, dizia tudo o que lhe vinha à cabeça, e passou a ser visto como um contestador do regime de governo. A mãe combateu esse seu costume, mas de pouco adiantou.

Os professores se indignavam, porque ele perguntava demais. Tinha ideias próprias e contestava o que ouvia nas aulas, principalmente de História.

Um parente o aconselhou a se tornar bacharel em Direito, tentando convencê-lo:

“-Bacharel é o princípio de tudo! Seja bacharel, e você terá tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo ser subserviente e adulador, você chegará a deputado ou ministro.”

Indignado, Charles protestou e disse que só tinha vontade de trabalhar, e jamais seria puxa-saco de político.

O intolerável parente insistiu:

-“ Trabalhando, sem ser bacharel, você vai ser um Zé-ninguém; um empregado medíocre. Vai trabalhar para os outros, quando podia trabalhar para você mesmo.”

Charles respondeu:

-Eu discordo de você, e assunto encerrado!

Charles arranjou um emprego de balconista numa loja, mas foi logo despedido, sem explicação. Mudou de emprego várias vezes, mas destoava de todos os empregados. Por trás dos seus óculos pesados, de “fundo de garrafa”, era cumpridor dos seus deveres. Chegava antes da hora, e era sempre o último a sair.

De poucas palavras, Charles era introvertido. Não falava de sua vida pessoal e não conseguia fazer amigos.

A fama de Charles era gostar muito de trabalhar. Sempre ia além das ordens que recebia do patrão. Isso, os colegas de trabalho não suportavam, e o xingavam de bajulador. Faziam a cabeça do chefe contra ele, até que fosse despedido.

Sua dedicação ao trabalho despertava a ira dos colegas.

Desiludido com a maldade humana, Charles chegou à conclusão de que só vence na vida quem diz sim a tudo e a todos. Contestar não adiantava, pois, na vida, quem anda na linha, “o trem pega”.

O caminho que faz mais sucesso na convivência humana é o da bajulação. E esse caminho, ele jamais percorreria. Entretanto, nunca viu, em sua vida, ninguém prosperar, agindo como ele. Por mais que se esforçasse no trabalho, não galgava nenhum lugar de destaque. Enquanto isso, os bajuladores e desonestos alcançavam os “postos” mais altos.

Charles entrou em depressão, sentindo-se um homem fracassado.

A saúde lhe faltou e ele se fechou em casa, para desespero de sua mãe. A depressão o levou com ele, e com todos os antidepressivos de uma só vez.

Assim como o Alfredo de que falou o poeta Vinícius de Moraes, Charles também era gente que a gente não via, porque era quase nada.

Um homem chamado Alfredo – Canção de Toquinho e Vinicius de Moraes

O meu vizinho do lado
Se matou de solidão
Ligou o gás, o coitado
O último gás do bujão

Porque ninguém o queria
Ninguém lhe dava atenção
Porque ninguém mais lhe abria
As portas do coração

Levou com ele seu louro
E um gato de estimação

Há tanta gente sozinha
Que a gente mal adivinha
Gente sem vez para amar
Gente sem mão para dar
Gente que basta um olhar, quase nada

Gente com os olhos no chão
Sempre pedindo perdão
Gente que a gente não vê
Porque é quase nada

Eu sempre o cumprimentava
Porque parecia bom
Um homem por trás dos óculos
Como diria Drummond

Num velho papel de embrulho
Deixou um bilhete seu
Dizendo que se matava
De cansado de viver

E embaixo, assinado Alfredo
Mas ninguém sabe de quê

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OS URUBUS

Viajando de carro pelas estradas do interior do RN, é impressionante o número de animais que vemos mortos por atropelamento. É comum se ver um animal morto, seja um cavalo, um jumento, um carneiro, fora um grande número de cachorros, gatos e galináceos, que, inocentemente, se arriscam a atravessar as estradas. São atropelados constantemente, involuntariamente, ou por brincadeira de motoristas irresponsáveis, quando se trata de galinhas, patos, guinés ou perus, que estão soltos nas estradas. Ainda há motoristas sem compaixão, que param para transportar para casa os galináceos atropelados, para as mulheres prepará-los para almoço ou jantar.

O único animal que é raríssimo se encontrar morto nas estradas é o urubu, ave elegante que tem a incumbência de limpar a natureza, alimentando-se da carniça de outros animais. Mas, mesmo assim, uma vez por outra, um urubu é encontrado morto na estrada. Ele “aterrissa”, à procura de carniça, quando fareja que há animal em decomposição por perto.

Naturalmente, urubu também adoece e morre. Ninguém escapa.

O urubu é um animal injustiçado. Nunca ouvi falar que houvesse uma “sociedade protetora dos urubus”. Certa vez, um conhecido meu se deparou com um urubu morto na estrada da zona rural e perguntou a causa da morte do urubu a algumas pessoas e ninguém soube dizer. Até que um menino disse que o urubu tinha morrido de uma pedrada. Achei estranho.

Não imaginava que urubus se deixassem apedrejar. Urubu, na minha opinião, só morria empanzinado com carniça. Pois a função deles na terra é limpar a carniça dos animais mortos.

Por ser um animal difícil de ser visto morto, quando morre um urubu, é um acontecimento, uma festa. A ave é velada por algumas pessoas curiosas. Dificilmente, gatos e cachorros se aproximam de um urubu morto. Mas, se morre um gato ou um cachorro na estrada, rapidamente, os urubus se aproximam, imponentes, querendo se inteirar da “causa mortis” e levando o “defunto” para lhes servir de regalo.

Ninguém lamenta a morte de um urubu, pois ele vive da carniça de outros animais. Não tem choro nem vela. E os outros animais não querem nem ver o urubu morto . Eles tem repulsa pelos urubus.

Um gato ou um cachorro, morto na estrada, atrai muitos urubus. Mas a morte de um urubu só atrai outros urubus. Eles são orgulhosos e discriminam os outros animais. Formam uma casta, ou melhor, uma corja.

O urubu quando morre é abandonado, porque nunca deu valor ao seu semelhante. O que acontece com os urubus, acontece com o homem. Tal vida, tal morte.

Quando um homem se aproxima de um urubu, ele sai andando de lado e devagar, como se o homem lhe despertasse nojo e desprezo. O urubu é arrogante, mas acha que o homem é que é, mesmo sendo um cidadão comum, cumpridor dos seus deveres. O urubu se acha superior a todos os homens, só porque sabe voar. O urubu voa e voa bonito e elegante. Enquanto isso, os humanos são prisioneiros do chão. Não tem asas para voar.

Quando o homem tentou voar e não conseguiu, após dezenas de tentativas fracassadas, tentou construir um aparelho à imagem e semelhança do urubu. Afinal de contas, o avião é um urubu, ainda em fase de aperfeiçoamento. O avião se aperfeiçoa cada vez mais, na meta necessária do urubu. Já não faz barulho, como o urubu. Chegará o dia em que não ocorrerá mais desastres de avião. Aí, será a glória. O urubu será superado.

Por enquanto, em relação ao espaço aéreo, o urubu é autossuficiente e determinado, conhecendo sua rota.

O urubu que estava morto na estrada, segundo me contaram, atraiu a curiosidade de algumas pessoas, até com direito a uma vela acesa. Outros urubus sobrevoaram o local, mas logo o transportaram para o solar onde viviam.

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EVOCANDO A MODINHA

Nasci e me criei em Nova-Cruz, ouvindo minha mãe entoar modinhas, acompanhada ao violão pelo sogro e meu avô paterno, Manoel Ursulino Bezerra, ou Seu Bezerra. Aprendi a gostar de modinhas desde criança. Hoje, sinto falta das modinhas, que, literalmente foram expulsas do cenário do cancioneiro popular brasileiro.

O romantismo desapareceu, e a atual juventude “morre de rir”, quando ouve músicas românticas e apaixonadas, que mexem com o coração. Só escapam do riso sarcástico, as músicas românticas, cantadas dentro do contexto sertanejo ou de vaquejada.

A juventude de hoje não pode imaginar – pois jamais sentiu – a sensação de acordar, alta madrugada, com o canto de um seresteiro e seu violão. A modinha cumpriu a sua etapa histórica. A serenata refugiou-se no passado e nas doces lembranças, onde a maldade não penetrava. Propiciou muita beleza às noites de luar, ao som de poemas e melodias..

A Modinha é uma canção, composta de melodia e versos, e tem a necessidade da voz humana para expressá-los. A verdadeira modinha é sempre um poema musicado em tom menor, com conotações tristes. É um gênero musical de canção sentimental brasileira e portuguesa, cultivada nos séculos XVIII e XIX.

Na cidade, havia o hábito da serenata, favorecido pelo clima tropical, que proporcionava luares inspiradores e estimulantes, a ingênua beleza da pequena cidade, estendida entre o mar, o rio Potengi e o alviverde das dunas.

A Natal antiga, do fim do século passado e começo do atual, caracterizou-se por um grande número de poetas e músicos que punham melodias em seus versos.

Entre as mais discutidas e antigas modinhas do cancioneiro popular brasileiro está “A Pequenina Cruz do teu Rosário, do poeta cearense Fernando Weine.

Seu aparecimento deu-se, pela primeira vez, nas páginas de “Canções Populares”, em 1906. Em seguida, a revista “Fortaleza”, que se editava na terra da luz (1907), publicou-a na página 18, número 12, o nome do autor.

Os anos vinham-se passando, e a modinha ganhava preferência nas serestas do Brasil inteiro, até que, em 1926, a famosa “Casa Édison”, do Rio de Janeiro gravou A Pequenina cruz do Teu Rosário, na voz seresteira do cantor Roque Richard, apontando-a como de autor desconhecido.

Daí em diante, tem aparecido um número expressivo de pretensos autores da bela modinha.

O grande cantor Carlos Galhardo gravou “A Pequenina Cruz do Teu Rosário” em disco RCA-Victor, número 80-1622.

Da Antologia da Serenata, foi extraída esta versão aqui reproduzida, tendo sido julgada a mais autêntica, e a que fez mais sucesso, na voz de Carlos Galhardo.

A Pequenina Cruz De Teu Rosário – Carlos Galhardo

Agora que eu não te vejo ao meu lado
A segredar apaixonadas juras
Busco às vezes do nosso amor de outrora
A recordar nossas íntimas loucuras
Faz tanto tempo, nem me lembro quando
A vida é longa e o pensamento é vário
Tu me mostravas vil, no idílio santo
A pequenina cruz de teu rosário

E sempre que eu a via, recordava
Do nosso amor, a fantasia louca
Todas as vezes que a pequena cruz beijava
Eu beijava febril a tua boca
Mas o tempo passou triste eu segui
Da minha vida um longo itinerário
E nunca mais, nunca mais eu vi
A pequenina, a pequenina
Cruz de teu rosário

Do amor fugiu-me a benfazeja luz
Não posso mais, errante caminheiro,
Se o Cirineu, como o de Jesus,
Larga-me ao corpo o peso de um madeiro
Já vou trilhando a estrada da amargura,
Antes porém, que eu chegue ao meu calvário,
Dá-me a beijar, ó santa criatura,
A pequenina cruz do teu rosário.

Recordo ainda o nosso amor de outrora
Vamos lembrar os tempos de criança
Se o amor fugiu-me à luz da aurora,
Resta em minh’ alma um raio de esperança.
Tu que és tão boa, és tão meiga e pura,
Quando eu baixar ao campo funerário,
Dá-me a beijar, ó santa criatura,
A pequenina cruz do teu rosário.

Carlos Galhardo

Nascimento: 24 de abril de 1913, Buenos Aires, Argentina
Falecimento: 25 de julho de 1985, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

O CRIADOR E A CRIATURA

Péricles Maranhão, criador d’O Amigo da Onça

Às vezes, acontece da criatura superar o seu criador. Essa premissa é muito verdadeira e não é raro acontecer na vida real. Muitas vezes, o aluno é tão brilhante e inteligente, que ofusca o Mestre.

Péricles de Andrade Maranhão nasceu no bairro do Espinheiro, no Recife (PE), no dia 14/08/1924; estudou no Colégio Marista e fez sua primeira charge para o Diário de Pernambuco.

Foi um adolescente desenhista, daqueles com talento de enlouquecer qualquer professor. Ainda muito jovem, durante a fase áurea dos quadrinhos, várias vezes imitou os traços de Dick Tracy, Agente Secreto X-9 e Flash Gordon.

Em Recife, Péricles tomou conhecimento do concurso para a “Semana do Trânsito”, organizado pelo escritor Souza Barros. Resolveu concorrer, enfrentando alguns “cobras” do pincel, como Lula Cardoso Ayres, Manoel Bandeira (o pintor) e Eros Gonçalves. Ganhou o prêmio e a simpatia de Souza Barros, que lhe encomendou uma história em quadrinhos, sobre problema de trânsito.

Mas, o sonho de Péricles era ir para o Rio de Janeiro, a “cidade grande”, sonho da maior parte dos artistas da época.

Souza Barros deu-lhe duas apresentações para amigos do Rio de Janeiro. Mas foi uma terceira, de Aníbal Fernandes – então diretor do Diário de Pernambuco – endereçada a Leão Gondim de Oliveira, diretor de “O CRUZEIRO“, que o colocou nessa famosa revista.

Péricles começou a trabalhar como desenhista, em “O Cruzeiro“, em 6 de junho de 1942, então com 17 anos de idade. Era o mais jovem artista da grande revista.
Nesse mesmo ano, lançou em “O Guri” e num rodapé do carioca “Diário da Noite”, seu personagem “Oliveira, o Trapalhão”; para a revista “A Cigarra“, desenhou “Cenas Cariocas”, “Miriato, o Gostosão” e, ainda, o próprio “Oliveira”.
Foi quando a direção da revista “O CRUZEIRO“, que atravessava uma fase áurea, com suas reportagens empolgando o Brasil, resolveu criar um tipo humorístico só para si. O tipo, entretanto, deveria conter toda a verve do carioca. Seu criador teria que captar o estado de espírito daquele que vive no Rio de Janeiro, sem importar onde tivesse nascido.

Péricles aceitou o desafio. Depois de alguns esboços, apresentou o desenho definitivo. Ali estava o “sujeitinho irreverente”, que haveria de divertir o Brasil por muitos anos. Só faltava mesmo batizá-lo.

O nome “O AMIGO DA ONÇA” foi sugestão do então diretor da revista “O CRUZEIRO”, Leão Gondim de Oliveira, inspirado numa anedota brasileira, que diz assim:

“-Dois caçadores conversavam:

-O que faria você se estivesse na selva e uma onça aparecesse na sua frente?

-Dava um tiro nela.

-E se você não tivesse uma arma de fogo?

-Tentava furá-la com o meu facão.

-E se você não tivesse um facão?

-Apanhava qualquer coisa, como um pedaço de pau pra me defender.

-E se não tivesse um pedaço de pau por perto?

-Procuraria subir na árvore mais próxima.

-E se não tivesse nenhuma árvore no lugar?

-Sairia correndo.

-E se você estivesse paralisado pelo medo?

Aí, o outro, já aborrecido, retruca:

-Afinal, você é meu amigo, ou amigo da onça?”

Primeira charge do Amigo da Onça

Baseando-se nessa anedota, o diretor Leão Gondim de Oliveira sugeriu a Péricles o nome de “O Amigo da Onça”, para o personagem que ele havia criado recentemente. O nome foi aceito e o batizado ocorreu no dia 23 de outubro de 1943, data, também, da estreia do personagem em “O Cruzeiro“.

Com “O Amigo da Onça”, Péricles ficou famoso. Logo depois, foi feita uma pesquisa de opinião pública, para saber qual era a seção mais lida em “O CRUZEIRO”, e “O Amigo da Onça” venceu, com louvor.

Aos 20 anos de idade, Péricles já atravessava sua melhor fase artística. Mas, no seu entender, seu personagem ofuscava sua glória, e ele ouvia sempre este tipo de diálogo:

“- Este é o Péricles.

– Quem?

– Péricles, o criador de “O Amigo da Onça”.

E todos queriam parabenizá-lo, pela fabulosa criação.

Nem todos conheciam Péricles, mas todos conheciam “O Amigo da Onça”. Isso o incomodava.

Péricles sabia fazer amigos. Trazia sempre no rosto um sorriso franco e dava provas de bom caráter. Entretanto, dentro da aparente extroversão, escondia uma terrível timidez. A timidez do menino pobre do Recife, que vencera no Rio de Janeiro, aspiração sonhada por todos os artistas, e alcançada por poucos. Silenciosamente, Péricles era consumido pela depressão, que já era a doença do século, um monstro que age em silêncio.

Durante 18 anos ininterruptos, “O Amigo da Onça” fez gozação com todos os tipos de pessoas, inclusive com o leitor. Dessa forma, certo dia, quando o leitor abriu sua página preferida em “O CRUZEIRO”, encontrou o homenzinho sobre fundo branco, dizendo “Hoje não tem piada.”

Péricles estava morto. Suicidou-se na passagem do ano de 1961 para 1962, abrindo o gás, sozinho em seu apartamento. Morreu de solidão e tristeza, doenças da alma, muitas vezes disfarçadas em sorrisos e alegria forçados.

As dores da alma são piores do que as dores do corpo e matam na surdina.

João Martins, amigo de Péricles, escreveu:

“O Amigo da Onça” satirizou costumes e situações, lançou tipos e expressões populares, criou tal personalidade que se incorporou, como uma pessoa real, à realidade de cada dia em todos os quadrantes do nosso território.”

Sobre Péricles, escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade: “A solidão do caricaturista seria talvez reação contra a personagem, que o perseguia, que lhe era necessária e que lhe travara os meios de comunicar-se e comungar com outros seres”.

Por sua vez, escreveu o jornalista e escritor Glauco Carneiro:

“O Amigo da Onça” persiste na memória como uma catarse coletiva, que, semanalmente, prestava seu auxílio terapêutico a milhões de habitantes das grandes cidades, agradecidos pela oportunidade de projetar muitos momentos sarcásticos e ferinos de suas vidas estressadas.”

Em sentido figurado, o criador foi vítima de sua criatura, que, ao mesmo tempo, era seu melhor amigo.

Nós, pobres seres viventes, não somos capazes de penetrar nos mistérios da vida. Como pode haver, ao mesmo tempo, tanta gloria e tanto desatino?!!!

Apoiado no vidro de nanquim, em cima da prancheta de caricaturista, que o olha boquiaberto, o “Amigo” recusa-se a entrar no desenho incompleto: “Só conte comigo quando terminar a piada!…”

Depois da morte de Péricles, o “Amigo da Onça” passou a ser desenhado por Carlos Estêvão, sendo publicado até 1972.

VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

A ÚLTIMA LUTA NO COLISEU

Coliseu – Wikipédia, a enciclopédia livre

Tudo na vida tem começo, meio e fim. É a regra geral. Ninguém fica para semente. Nos grandes dias em que Roma governava o mundo, e o imperador vivia em um palácio de mármore branco ou em uma casa de ouro puro, o Coliseu era o maior teatro que se tinha erguido na terra.

Ainda hoje, lá está ele de pé, arruinado e partido, mas ainda assim, talvez seja a ruina mais impressionante que existe. Nos dias terríveis em que Roma estava decaindo do grande lugar ocupado na história, quando Pedro e Paulo sofriam o martírio fora das suas portas, o pequeno bando cristão escondia-se em grandes buracos subterrâneos para escapar à tortura e à morte. Ainda hoje, podemos percorrer as catacumbas em que os primeiros fieis de Jesus se escondiam de Nero, o monstro que vivia em uma casa de ouro dentro da cidade . Diz-se que, quando a casa de Nero ardeu em chamas, corria ouro derretido pelas ruas de Roma.

Nesses dias negros e vergonhosos, o grande Coliseu branco era um espetáculo grandioso, elevando-se, andar sobre andar, na terra, e tendo dentro dele grandes galerias que comportavam quarenta mil pessoas. Aqui vinha toda Roma ver as grandes feras soltas dilacerarem-se umas às outras. Aqui se mostravam os gladiadores, homens fortes treinados para lutar dois a dois, até que um caísse morto. Aqui se lançavam os cristãos vivos aos leões, em dias de festa romana. Não há lugar no mundo que tenha visto cenas mais cruéis. Grandes monstruosidades aconteciam no Coliseu.

Pouco a pouco, o Cristianismo abriu caminho, até que o próprio imperador se tornou cristão. Então, acabaram-se esses espetáculos vergonhosos e o Coliseu tornou-se um mero circo. O povo, porém, ainda ansiava pelos antigos espetáculos, e de vez em quando a antiga fúria reaparecia. Havia quatrocentos anos que os cristãos se tinham ido tornando cada vez mais numerosos e fortes, quando chegou um dia de terror para Roma. Alarico, chefe dos godos, caiu como um temporal sobre Roma, a qual, tendo por imperador apenas um pobre mancebo louco, teria fatalmente sucumbido se não fosse um bravo general e os seus homens, que derrotaram os godos.

Tal foi a alegria em Roma, que nesse dia o povo afluiu ao Coliseu, vitoriando o bravo general. Houve ali uma caçada às feras e um grande espetáculo, como nos tempos antigos, quando, de repente, dentro de um dos corredores estreitos que conduzem à arena, surgiu um gladiador com espadas e lanças. O entusiasmo do povo não tinha limites.

Então, aconteceu uma coisa estranha. Para o meio da arena avançava um velho, descalço e de cabeça descoberta, que pedia ao povo que evitasse derramamento de sangue. Gritou-lhe o povo que deixasse o sermão e se fosse embora. Os gladiadores avançaram e empurraram-no para o lado, mas o velho tornou a meter-se entre eles. Uma saraivada de pedras caiu sobre ele, atirada pelo povo irado. Os gladiadores abateram-no e o velho morreu ali, ante os olhos de Roma.

Era um eremita, chamado Telemaco, um desses santos homens que, cansado das maldades, tinha ido viver na solidão dos montes. Tendo vindo a Roma para visitar os altares sagrados, vira o povo afluindo ao Coliseu, e, compadecendo-se da sua crueldade, tinha-o seguido para evitá-lo ou morrer.

O Gladiador era um escravo lutador na Roma Antiga. O termo utilizado para definir os escravos que eram forçados a lutar por suas vidas no antigo Império Romano é proveniente de uma espada que utilizavam em combate, o gládio. Os primeiros registros existentes sobre lutas de gladiadores em Roma são datados de 286 a.C. Sabe-se, contudo, que foi um esporte inventado pelos etruscos.

Os Etruscos representam uma das civilizações da antiguidade que habitaram a península itálica a partir do século IX a.C., antes dos Romanos. Eles desenvolveram uma cultura original, e, para a época estavam bem evoluídos em relação a sua arte (artesanato, arquitetura, escultura) e engenharia.

Em Roma, a luta dos gladiadores fez muito sucesso, e era atividade muito atrativa para o grande público. Combatentes se enfrentavam na arena e a luta só terminava quando um deles morria, ficava desarmado ou sem poder combater. Havia um responsável por presidir a luta que determinava se o derrotado deveria morrer ou não, e o povo influenciava muito nessa decisão. Normalmente, a manifestação popular era expressa, apontando a mão fechada com o polegar para baixo, o que significava que o povo desejava a morte do derrotado. Entretanto nem sempre a morte era desejada e a posição oposta do indicador ou a mão fechada levantada do ar indicava que o derrotado poderia ficar vivo.

Por muitos séculos, os Gladiadores lutaram entre si ou contra animais ferozes para entreter os romanos. Foi construída uma arena especial para esse tipo de espetáculo, o Coliseu, que tem em suas ruínas, hoje, um dos principais pontos turísticos da Itália.

Os lutadores eram prisioneiros de guerra, escravos e autores de crimes graves. Para satisfazer o fetiche de alguns imperadores, mulheres e anões também lutavam. Eles tinham treinamento em escolas especializadas para combater na arena, recebiam tratamento especial no intervalo das lutas e não lutavam mais que três vezes ao ano. Ou seja, ser um Gladiador era melhor do que ser um escravo comum e ainda abria a oportunidade ao reconhecimento do público. Quando viajavam para lutar em outras cidades, deslocavam-se em grupos conhecidos como famílias e eram acompanhados pelo treinador. Os Gladiadores eram separados por categorias, para impossibilitar as desvantagens, que eram: trácios, murmillos, retiários, secutores e dimachaeri.

Estudos feitos em esqueletos desses combatentes mostraram que os derrotados que eram julgados pela plateia costumavam ser mortos por um golpe na jugular. Quando o lutador estava muito debilitado, ficavam de quatro e recebiam um golpe nas costas que chegava diretamente ao coração. A luta de gladiadores representava muito no Império Romano. Era a grande atração para o povo. Por esse motivo, os imperadores investiam muito nesses espetáculos, já que assim conseguiam conquistar a amizade do povo. E assim surgiu a chamada política de “Pão e Circo”. Os governantes distribuíam pão durante as lutas e assim conseguiam manipular as massas, oferecendo o que mais lhes interessava.

Dois imperadores, inclusive, entraram na arena para lutar, como foi o caso de Calígula e Cómodo. Naturalmente, as lutas foram sabotadas e eles venceram. Como mostra a História, a política de “Pão e Circo” surgiu na Roma antiga, e ainda hoje existe. Da mesma forma, o golpe e a sabotagem se eternizaram no meio político em todas as Nações. À medida que o progresso tecnológico avança, mais duvidosos se tornam os resultados das disputas para eleição de governantes. E não vai ficar assim. Vai piorar. O descrédito tomou conta da vida política, e a dúvida está presente em todos os certames.

A monstruosidade de Nero está solta, e seus asseclas estão espalhados nas guerras atuais, que a mídia nos mostra 24 horas por dia.

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O JUDEU ERRANTE

Segundo a História, quando Nosso Senhor Jesus Cristo ia levando a Cruz para o Calvário, deteve-se um momento, para descansar, à porta de um sapateiro, que o não deixou parar, dizendo:

“Segue! Segue! Não descansarás aqui”.

E Nosso Senhor Jesus Cristo tomou outra vez a Cruz e disse: “Vou para onde descanse, e terás que caminhar até que eu volte”.

E assim o sapateiro tornou-se o Judeu Errante, que não poderá nunca descansar, enquanto Nosso Senhor não voltar à terra, no Dia de Juízo.

O sinal de uma cruz encarnada apareceu-lhe na testa, e deixou a mulher e os filhos, seguindo Nosso Senhor até ao Calvário. Depois, deixou Jerusalém e começou a sua longa e estranha peregrinação, que nunca terminou.

Seguiu, seguiu sempre, esse velho alto, descalço, com o cabelo caído sobre os ombros e uma ligadura negra em torno da testa para esconder o sinal da Cruz encarnada.

E segue, segue sempre, com o mesmo passo largo, por montanhas e através de desertos, e por todas as estradas longas e brancas do mundo.

Mas, uns momentos de descanso são-lhe por vezes permitidos. Se acontece passar por uma igreja cristã na manhã de domingo, quando vai começar a missa, pode entrar e estar lá parado, a ouvir o sermão. Mas não se senta nunca.

Em 1505, um tecelão da Boêmia, chamado Kokot, estava tentando descobrir um tesouro que o avô tinha escondido no palácio real. E quando andava cavando aqui e ali, ao acaso e sem resultado, passou o Judeu Errante:

“Teu avô estava enterrando o tesouro da última vez que por aqui passei”; – disse o Judeu Errante, “se bem me lembro, enterrava-o ali, ao pé daquele muro”.

Kokot, imediatamente, cavou ao pé do muro e lá encontrou o tesouro que tanto ambicionava. Mas, antes de poder agradecer ao Judeu Errante, o estranho peregrino já tinha desaparecido da sua vista.

O nosso País está cheio de judeus errantes, que ostentam na testa uma cruz encarnada, e vivem sofrendo no corpo e na alma o reflexo das maldades cometidas contra Jesus Cristo, o Messias.

As doenças do corpo e da alma não se curvam ao dinheiro. O poder de Deus é bem maior do que os remédios fabricados em laboratório. Milhões tirados dos mais fracos não tem o poder da cura.

A Cruz encarnada que o Judeu Errante carrega na testa, é o sinal do sangue de Cristo derramado na frente dos cristãos, que urgiam pela sua morte em plena via pública.

“Nem só de pão vive o homem”. O dinheiro compra coisas materiais, tratamento médico sofisticado, mas não compra a vida, nem a qualidade de vida.

Por isso, quem tem contas a ajustar com Jesus Cristo, levará nas costas o peso das maldades cometidas, até o Juízo Final.

Segundo o grande historiador norte-rio-grandense Luís da Câmara Cascudo, em “Dicionário do folclore brasileiro”, Ahasverus, o Judeu Errante, era um sapateiro em Jerusalém, que, ao ver Cristo passando com a cruz sobre os ombros, teria dito ao Salvador, empurrando-o: “Vá andando, vá logo”. Jesus, como represália, o teria condenado a vagar, sem descanso nem rumo certo, até o final dos tempos.

Conforme diz Marie-France Rouart, em “Dicionário dos mitos literários”, distintas denominações foram atribuídas ao herói: para os poetas alemães, ele se tornou o Judeu Eterno; para os ingleses, o Judeu Vagabundo; para os espanhóis, o Judeu que espera por Deus.

O mito recebeu várias interpretações ao longo dos séculos, em diferentes lugares, mas sempre mantendo essa estrutura básica. Embora as primeiras manifestações da lenda datem do século XIII, nos oitocentos é que o mito do Judeu Errante ganhou versões literárias que o celebrizaram: a epopéia “Ahasverus” (1833), de Edgar Quinet; o romance-folhetim “O Judeu Errante” (1844-1845), de Eugène Sue; e o romance inacabado “Isaac Laquedem” (1853), de Alexandre Dumas pai.

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UM TEMPO ESTRANHO

Estamos vivendo um tempo diferente, quando tudo que parecia ficção transformou-se na crua realidade.

Os dias se alongaram e as madrugadas trazem um sono perturbado, povoado de pesadelos, com o fantasma da guerra aterrorizando nossas noites, e vivendo dentro da nossas casas, trazidos pela mídia funerária.

As notícias que, no século passado, só eram transmitidas pela Voz do Brasil”, hoje nos são transmitidas, ao vivo e a cores, durante as 24 horas do dia. Estamos vivendo em contato com a guerra, vivendo a guerra e respirando a guerra, presente da era cibernética e da mídia funerária. O pavor da guerra, que aprendemos a ter desde criança, de repente tomou forma dentro da nossa casa, através da mídia televisiva.

Assiste quem quer, e basta desligar o aparelho. É fácil dizer isso. Mas, se estamos vivendo a era digital, não há como retrocedermos no tempo, e vivermos isolados em cavernas, para não saber do que se passa no mundo e sobre sua terrível evolução.

A guerra sempre povoou, como um fantasma, os gibis e histórias em quadrinhos. Mas hoje, esse fantasma criou corpo e alma e nos assombra durante as 24 horas do dia.

A depressão nunca esteve tão presente na vida do homem. Fugir da realidade é impossível.

Estamos vivendo uma triste realidade, onde a vida humana nunca foi tão banalizada. Cada pessoa tem seu grau e seu suporte de sofrimento. A dor entra em nós sem pedir licença.

Não devemos nos apegar à dor. O apego à dor é pior do que a própria dor.

Então, o que temos a fazer é enfrentar a realidade e assistir os horrores da guerra que adentram à nossa casa, através da mídia. Ou nos trancarmos num casulo, à parte do que acontece no mundo, e criando para nós um mundo falso e fantasioso, onde só existe alegria.

O sofrimento da guerra nos dá a dimensão exata de que o homem é a fera destruidora do próprio homem. Não existe amor fraterno, solidariedade, nem desejo de paz no mundo em que vivemos.

A paz é e será sempre uma utopia. Os homens poderosos tem o estopim da bomba nas mãos, e cada bomba deflagrada, representa para eles uma vitória.

Pouco importa o número de vidas humanas que se dizimam numa guerra. Os inocentes pagam pelos culpados e o sofrimento causado pelas guerras não comovem os poderosos.

Os romances de amor, que tem a guerra como cenário, são pura ficção. Mas existe um, que trago sempre na memória: Adeus às Armas, de Ernest Hemingway.

O Adeus às Armas é um livro de Ernest Hemingway, publicado em 1929. É um romance quase autobiográfico, contando a história de um americano que se resolve se alistar para servir ao exército italiano durante a Primeira Guerra Mundial.

Na Itália, ele conhece uma enfermeira de nome Catherine, por quem se apaixona loucamente. Inicialmente, seu interesse nela era apenas sexual, para fugir da mesmice que eram as mulheres da casa de prostituição local. Foi com o tempo, que o sentimento se transformou completamente.

Cath, como ele a chamava, correspondeu a sua paixão e começaram a viver uma intensa relação amorosa. Neste intervalo, o protagonista se envolveu em um acidente no campo de batalha, tendo a perna arrebentada por uma granada, que, inclusive, matou um de seus colegas.

Ele teve de passar meses e meses acamado no hospital de campanha, mas teve a sorte de contar com Catherine como uma de suas enfermeiras, e aproveitar a situação para tê-la por perto quase que por tempo integral.

O relacionamento se solidificou neste período. Catherine engravidou, e a perna do protagonista se recuperou. Ele teve de voltar para o campo de batalha, mas prometeu retornar o mais rápido possível para se casarem e darem seguimento a uma vida juntos.

Ao retornar, o protagonista já parecia completamente exausto do conflito. Não só ele, como a maioria dos seus companheiros. A guerra se estendia por tempo demais e alguns expressavam até o desejo de derrota, se isso significasse que poderiam ter finalmente paz.

Na volta ao front, ele se envolveu em alguns percalços que quase lhe tomaram a vida mais uma vez. Por fim, teve que sair do campo fugido.

A obra faz uma sintetização genial do que fora a Primeira Guerra. De como toda uma geração foi impactada por batalhas infindáveis, deixando vidas esgotadas, e esmagando esperanças por qualquer esquina em que se passava.

O protagonista começa alistando-se em um exército estrangeiro por conta própria. Excitado pela ideia de fazer parte de algo importante. No meio do caminho, percebe como as coisas se resignificaram ou, pior, nunca tiveram significado nenhum.

Termina desolado, sem chão, sem perspectivas. E chega à conclusão de que a guerra é uma ilusão e um terror.