Acauã ave agourenta
A calçada alta com as bordas feitas de tijolos brancos desgastados com o subir e descer da gente. Arestas abauladas pelo sentar e pelo tempo, naquele momento se tornava confortável e parceira na tristeza normal do fim de dia e chegada da lugubridade da noite. João cuidava em preparar os candeeiros para amainar a noite.
“Vem-vem!……..”
Sem que ninguém estivesse para chegar, o vem-vem cantava em tiriça, entristecendo mais ainda aquele fim de dia, que ficava mais triste ainda com a chegada das mariposas perseguidas pelas andorinhas.
Uma ode poética num verso que nada dizia além da desesperança. Sim, por quê, longe dali, na grande capoeira duas, três, quatro e agora cinco vacas haviam morrido de sede, virando carniça e fazendo o banquete dos urubus. A natureza se fazia perversa, ainda que de forma passageira.
Mais escuro que claro, o silêncio do vem-vem parecia uma autorização para os sussurros lúgubres da coruja que sobrevoavam a área. Aquele “cantar”, diziam alguns, era o prenúncio da chegada da morte para alguém. Era, pelo assim dizer sertanejo, um “agôuro”!
João concluíra a tarefa da preparação dos candeeiros. Agora, segurando na mão firme e envelhecida de Raimunda – os dois – dobrava os joelhos e rezava o que mais parecia uma cantiga que oração:
“Pai celestial de todos nós. Minhas vaquinhas estão morrendo de sede. Onte morreu uma, onteonte morrer duas e mais uma novilha, e hoje perdemos ôtra”. Ajude nós, Sinhô de todos. Nem temos mais o que cumê, faiz três dias.”
Acauã – Gravação de Luiz Gonzaga e letra de Zé Dantas
“Acauã, acauã vive cantando
Durante o tempo do verão
No silêncio das tardes agourando
Chamando a seca pro sertão
Chamando a seca pro sertão
Acauã,
Acauã,
Teu canto é penoso e faz medo
Te cala acauã,
Que é pra chuva voltar cedo
Que é pra chuva voltar cedo
Toda noite no sertão
Canta o João Corta-Pau
A coruja, mãe da lua
A peitica e o bacurau
Na alegria do inverno
Canta sapo, gia e rã
Mas na tristeza da seca
Só se ouve acauã
Só se ouve acauã
Acauã, Acauã…”
Muito mais que o sono, o cansaço e a ansiedade pela chegada da chuva, adormeceram João minutos após a oração conjunta com Raimunda. Candeeiros acesos. Cessado o canto da coruja. Mariposas que conseguiram se salvar da gula das andorinhas, fugiram e se aquietaram. Com o fato seguinte, concluo mesmo que se esconderam ou se abrigaram.
A noite quente que traz aquele calor conhecido na roça, agora começava a se transformar. Uma neblina e em seguida uma chuva mais forte e cada vez mais forte fazendo barulho nas telhas, acordou João.
– Chuva meu Deus! “Aubrigado” por atender minha oraçãozinha mais cheia de Fé que de conhecimento”!
Agora mais intensa, a chuva continuava caindo. A forte ventania começou a preocupar João que, longe dali, escutava os chocalhos das vacas em movimento procurando abrigo. A ressequida sombra do juazeiro não protegeria todas.
A claridade do dia seguinte chegou. João levantou, tomou café acompanhado de farinha seca e foi pastorear as vacas, na esperança que elas tivessem se protegido durante a chuva. Algumas sobreviveram, outras tantas se afogaram nos lagos formados pelo excesso de chuvas nas capoeiras. Mas, havia a alegria do futuro garantido pela chuva.
Contrito e agora só, João mais uma vez dobrava os joelhos em oração. Não era oração. Era uma cantiga do vasto cancioneiro sertanejo:
“Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Oh! Deus, será que o senhor se zangou
E só por isso o sol arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há
Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedi pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração”