ANA PAULA HENKEL

A REAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES

Pegue as últimas edições da revista Oeste. Não falo das últimas semanas, mas dos últimos meses, anos. Corra os olhos pelas notícias e artigos. A montanha-russa de emoções na qual nos obrigaram a embarcar diariamente é inacreditável. Os trilhos das más notícias impostas por um Judiciário aparelhado mais parecem, na verdade, um trem-fantasma. Imoralidades e inconstitucionalidades viraram a regra de muitos homens e mulheres que deveriam proteger o sagrado Estado de Direito, a Constituição. Nosso cotidiano é feito por eternas brigas com nosso desânimo e apatia. Não é fácil. O sentimento de derrota chega a ser avassalador. Mas, às vezes, algo para nos puxar para fora do desalento aparece e, francamente, não custa acreditarmos que não nos afogaremos em um mar de insanidade e promiscuidade jurídica.

Nesta semana, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) atendeu a uma representação do desembargador Marcelo Malucelli e afastou Eduardo Appio, novo juiz da Operação Lava Jato da 13ª Vara de Curitiba. Durante uma entrevista à GloboNews recentemente, pouco antes de ser afastado do cargo, Appio revelou que achou injusta a prisão de Lula e que usava a senha “LUL22” para acessar os sistemas da Justiça Federal como “protesto isolado contra uma prisão que considerava ilegal. O juiz ativista (o termo está se tornando um pleonasmo no Brasil) se defendeu dizendo que a senha usada era “questão individual” e garantiu “não ser petista”: “Acho que o atual presidente Lula é uma figura histórica, muito importante para o país. Erros e acertos vão ser julgados pela Justiça. O juiz fala nos autos. Eu falo no processo”.

Eu sou mineira, tenho algumas camisas do Cruzeiro, mas não sou cruzeirense. Tenho-as apenas em protesto a uma derrota para o Atlético, em 1984, em uma das maiores polêmicas da história do clássico, quando a disputa pelo título do campeonato mineiro foi levada para os tribunais que, apenas em 1990, deram a vitória ao Cruzeiro. Mas que fique bem claro — não sou cruzeirense, as camisas azuis no meu armário são apenas uma forma de protesto.

eduardo appio - novo juiz da operação lava jato

O juiz Eduardo Appio

Na Lava Jato desde fevereiro deste ano, em sua primeira sentença proferida na operação Lava Jato, o juiz ativista (perdoem-me pela redundância) absolveu de cara, logo na largada, o réu Raul Schmidt Júnior, acusado de pagar propina a ex-diretores da Petrobras. Schmidt foi preso em 2016 em Portugal, na 25ª fase da Lava Jato, e deixou a cadeia em 2018. Na decisão, Appio argumentou que o Ministério Público Federal teve acesso de “maneira ilegal” aos dados bancários de Schmidt e que os procuradores da Lava Jato não tinham uma decisão judicial autorizando a quebra de sigilo bancário da conta do réu em um banco em Mônaco.

O mais curioso é que Appio defende a soltura de Lula pelo STF na manobra ativista da corte que usou mensagens hackeadas, adquiridas ilegalmente e sem terem sido submetidas a uma perícia técnica, mas que “mostravam um conluio entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa” para perseguir o ilibado Lula. Igualmente curioso é o fato de que o CPF do juiz igualmente ilibado ainda consta entre um dos doadores da campanha de Lula no Tribunal Superior Eleitoral. Desde o início de fevereiro, ele foi transferido para a 13ª Vara Federal de Curitiba. Conforme a Corte, Appio doou R$ 13 a Lula e R$ 140 à deputada estadual Ana Júlia Pires Ribeiro (PT-PR). Já disse que não sou cruzeirense.

Appio também foi responsável por decisões contrárias às tomadas pelo seu antecessor na Vara de Curitiba, o ex-ministro e hoje senador Sergio Moro, e, em poucos meses de atuação à frente da Lava Jato, o fã de Lula no Judiciário do Paraná reverteu a sentença contra o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e anunciou o desejo de rever o caso do doleiro Alberto Youssef.

Cabral

Sérgio Cabral

O afastamento de Appio do cargo de juiz da Lava Jato foi determinado pela Corregedoria do TRF4 depois que Appio, de acordo com as investigações, fez uma ligação para ameaçar o filho do desembargador Marcelo Malucelli. Além de utilizar um número de telefone bloqueado, que não permite a identificação da chamada, ele usou um nome falso, de um servidor inexistente nos sistemas da Justiça. No dia anterior à ligação, a 8ª Turma do TRF4 havia autorizado algumas medidas contra Appio para apurar possíveis irregularidades e adotar providências contra o magistrado — o desembargador Marcelo Malucelli era relator do procedimento.

O que o juiz não contava era com o fato de que o filho do desembargador, João Eduardo Barreto Malucelli, gravaria o telefonema. A gravação foi encaminhada à Polícia Federal, e o perito concluiu que, “a partir da comparação da voz do interlocutor da ligação suspeita com a voz do juiz federal, Eduardo Fernando Appio, se ‘corrobora fortemente a hipótese’ de que a voz presente no vídeo que gravou a ligação telefônica recebida pelo filho do desembargador federal Marcelo Malucelli fora produzida pelo juiz federal Eduardo Fernando Appio, em nível ‘+3’”. A escala vai do grau “-4” ao “+4”.

Com o afastamento de Appio, a juíza Gabriela Hardt assume a condução dos processos da Operação Lava Jato da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, pelo menos temporariamente. Em passagem anterior como titular da Lava Jato, Gabriela proferiu sentença no processo do sítio de Atibaia, na qual condenou o então ex-presidente Lula a 12 anos e 11 meses de prisão. Uma de suas frases ficou famosa quando, depois de uma resposta mal-educada do futuro ex-presidiário durante uma audiência, Hardt disse a Lula: “Se começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”. A presença de Gabriela como mulher forte e influente, que combate a corrupção com mão firme e no rigor da lei, recebeu inúmeras comemorações de feministas pelo Brasil. Mentira. Nem um pio.

Gabriela Hardt

A semana nos deu vitórias diante de um sistema corrompido gigantesco. Mesmo que pequenas, temos que celebrar. Fica cada dia mais óbvio que Lula não tem força no Congresso, apesar de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, fazerem parte do ecossistema petista.

Não podemos perder a esperança de que ainda haja bons juízes em Berlim e de que haverá, sim, uma reação em algum momento por parte das instituições. Não há mais para onde fugir. Não há mais corda para ser esticada. Não há mais páginas da Constituição para serem rasgadas. Se perdermos a esperança na reação do povo, de pessoas sérias nas instituições, não será o fracasso que nos atingirá, mas a barbárie absoluta de um Estado caótico sem leis.

Confesso, eu estava um pouco desanimada no último domingo, logo depois da batida forte que sofremos com a ilegal e imoral cassação de Deltan Dallagnol, em mais uma missão cumprida pelos vingativos vingadores. Mas Deus manda suas mensagens. Fui surpreendida pela homilia do padre na missa com palavras que parecem ter sido enviadas diretamente para um coração, como o de todos vocês, que questiona diariamente se vamos “aguentar o tranco”.

Deltan Dallagnol

O padre trouxe para reflexão um poema do poeta francês Charles Péguy, Le Porche du Mystère de la Deuxième Vertu (“O portal do mistério da esperança”, numa tradução livre).

Péguy escreveu o poema em 1911, quando as sombras da Primeira Guerra Mundial se acumulavam sobre a Europa em uma guerra que ele também acreditava ser “a guerra para acabar com todas as guerras”, e na qual ele morreria lutando em 1914, aos 41 anos, em um ambiente de crescente tensão política e econômica. Sem filosofar, sem moralizar, sem fazer advertências nem prescrições leves, Péguy propõe uma terapia radical em suas palavras: a esperança. Como os profetas bíblicos, ele discerne a presença de Deus nas experiências humanas concretas. Para ele, a esperança brota da leitura da criação, onde Deus fala, transformando a angústia em compaixão, o fracasso em abandono criativo, a amargura em ternura. Péguy, em Le Porche du Mystère de la Deuxième Vertu, é o escriba de Deus, e a mensagem de Deus é a esperança.

Naturalmente, o poeta personifica a Esperança (“Hope”), assim como a Fé (“Faith”) e a Caridade (“Charity”), embora, curiosamente, seja apenas em uma seção muito curta do poema que ele dá letras maiúsculas aos três nomes. Todos os três personagens são femininos, o que não é surpreendente, porque “l’espérance” (“esperança”), “la foi” (“fé”) e “la charité” (“caridade”), assim como no português, são palavras femininas em francês.

Péguy as vê como três irmãs que caminham juntas pela estrada áspera e pedregosa que conduz à salvação (“le chemin raboteux du salut”), a estrada que segue interminável (“la route interminable”). Enquanto caminham, a fé está de um lado, a caridade do outro, enquanto no meio está a pequena esperança, quase escondida nas saias de suas duas irmãs mais velhas. O poeta não resiste a algumas imagens vívidas. A fé, diz ele, é uma catedral, construída sobre fortes alicerces, sólida, antiga, venerável, que dura séculos. A fé é uma esposa firme e íntegra, uma mulher casada e de fidelidade inquestionável. A caridade, ao contrário, é um hospital, uma casa de esmolas, e ali recolhem-se todas as misérias do mundo, ali acolhem-se os feridos, os doentes, os tristes, os indesejados. A caridade tem se doado incessantemente ao longo de todos os séculos da existência humana e sempre o fará. Ela é uma mãe viva em seu coração profundo, compassiva e gentil. Seus olhos brilham com preocupação amorosa, suas mãos estão sempre estendidas para ajudar todos os necessitados. Assim ela vive.

Mas e a esperança? A esperança de Péguy é uma criança, “une petite fille de rien du tout”, inocente, confiante, indefesa. Ela não carrega fardos pesados, então ela pula entre suas duas irmãs mais velhas, despreocupada e alegre, e ninguém, na verdade, liga muito para ela ou nota sua presença. Todas as noites ela vai para a cama, dorme muito bem e levanta-se todas as manhãs, revigorada e renovada.

O poema abre com a voz de Deus dizendo que a fé não o surpreende em nada: “La foi, ça ne m’étonne pas. / Ҫa n’est pas étonnant”. Deus brilha na criação. O tom de Péguy, melancólico e contemplativo em seu imaginário, transporta o leitor para a França rural, ainda tocada pela beleza do cristianismo medieval e suas devoções tradicionais. Deus não é revelado no universo? Deus não é visível na face da Terra, na face das águas, no movimento das estrelas, no vento que sopra sobre a terra e o mar, nas montanhas e vales e florestas e campos, nos povos e nações, em homem e mulher? Não vemos Deus sobretudo nas crianças — no seu olhar inocente, na pureza da sua voz? Basta que os nossos olhos contemplem a criação, diz o poeta, e seremos levados sem esforço ao reino da fé. Para não acreditar, para não ter fé, diz ele, teríamos de tapar os olhos e os ouvidos.

A caridade também não surpreende a Deus: “‘La charité’, dit Dieu, ‘ça ne m’étonne pas’”. Estamos cercados por tantos infelizes, desolados, feridos no corpo e na alma, que precisaríamos ter um coração de pedra para não responder a eles, nossos irmãos e irmãs, em sua necessidade. Como não desejar repartir o nosso pão com os famintos? Não tiraríamos de nossas próprias bocas o próprio alimento, nosso próprio pão de cada dia, e o daríamos de bom grado a qualquer criança faminta que cruzasse nosso caminho? Certamente não seria natural fazer o contrário. Teríamos que tapar os olhos para não ver tanta gente sofrendo; teríamos que tapar os ouvidos para não desejar responder a tantos gritos de angústia. Segundo Deus, de acordo com o poeta, a caridade é totalmente natural, e o coração humano está cheio dela: jorra como um rio cheio, e nada nem ninguém pode impedir o seu fluxo.

“Não”, diz Deus, “a fé e a caridade não surpreendem”. Elas são bastante naturais e simplesmente acontecem.

O que Deus acha realmente incrível é a esperança. Que vê tudo o que está acontecendo ao nosso redor hoje e ainda espera que amanhã seja melhor: “Ҫa c’est étonnant”, diz Deus. A fé e a caridade são comparativamente fáceis e diretas — a esperança é muito mais difícil, pois a tentação de perder a esperança paira constantemente sobre nós. A fé vê o que é, no tempo e na eternidade; a esperança vê o que ainda não é e o que será, no tempo e na eternidade. A caridade ama o que é, no tempo e na eternidade; a esperança ama o que ainda não é e o que será, no tempo e na eternidade. Péguy apresenta a esperança ao mesmo tempo natural e sobrenatural, temporal e eterna, terrena e espiritual, mortal e imortal. Ela é uma chama frágil, mas não pode ser extinta, nem mesmo pelo sopro da própria morte. Essa pequena chama perfurará a escuridão da eternidade: “Une flamme percera des ténèbres éternelles”.

À medida que o cristianismo avança através dos tempos, as novas gerações de cristãos extraem força desse trio de virtudes. A fé é o fundamento e, de acordo com Paulo na Bíblia, a caridade, “sempre paciente e bondosa e nunca ciumenta”, é a maior das três virtudes. Mas a esperança também é essencial — ela também é um dom espiritual muito precioso. O “petite fille de rien du tout” de Péguy é indispensável para as outras duas virtudes, pois na verdade é ela quem permite que todas continuem caminhando: “…en réalité c’est elle qui fait marcher les deux autres”. Sem ela, tudo é humanamente impossível. A esperança humaniza a fé. Ela sabe que não é fácil, nem mesmo possível, acreditar em Deus sem cessar e sem nunca duvidar. Ela sabe que é impossível para nós vivermos sempre à altura das exigências da fé que professamos e, mesmo assim, ela nos empurra para o que pode ser: o melhor de nós mesmos, o melhor de tudo.

Ao acordar todas as manhãs, vulnerável, mas invencível, a esperança nos sensibiliza a perceber os minúsculos vislumbres de luz na escuridão espessa que tantas vezes nos envolve. Ela nos lembra que, se a nossa fé enfraquece e perdemos Deus de vista no caminho da vida, podemos sempre reencontrar a sua presença e caminhar com Ele.

É a esperança que caminha nas trevas, sem medo, e ilumina a escuridão.

O emblemático líder francês Charles de Gaulle, confrontando-se com as tragédias de outra grande guerra, teria dito que Le Porche du Mystère de la Deuxième Vertu era seu poema favorito — dado o tema, hoje não é difícil entender por quê.

ANA PAULA HENKEL

“MISSÃO DADA, MISSÃO CUMPRIDA”

A ditadura do Judiciário, agora claramente estabelecida no Brasil, tem a sua mais nova vítima: o deputado Deltan Dallagnol.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou na noite de terça-feira, 16 de maio, o mandato do ex-coordenador da Lava Jato em Curitiba que se elegeu deputado federal em 2022 pelo Estado do Paraná com mais de 344 mil votos. O julgamento que cassou Dallagnol teve como relator o ministro Benedito Gonçalves, sim, aquele dos tapinhas na cara.

O relator companheiro de Lula foi o único a votar de facto. A leitura do voto, que durou cerca de 40 minutos e que teve decisão proferida em escandalosos 66 segundos, retratou a tese de que Dallagnol tentou burlar a Justiça ao deixar o Ministério Público durante o período em que, segundo o magistrado, respondia a processos administrativos que poderiam resultar em condenação, transformando-o em “ficha suja”. O ministro que recebe tapinhas na cara (de pau) em público de ex-presidiário afirmou que o que Deltan fez foi apenas uma “manobra para driblar a inelegibilidade”.

O cenário de absoluta promiscuidade jurídica no Brasil deixa bem claro que Deltan não foi apenas cassado. Ele foi também caçado. A sanha autoritária que tomou conta do Brasil há alguns anos, e que firmou passos rápidos desde 1º de janeiro de 2023 com a posse do corrupto favorito do STF, deixou claro nesta semana que cassará – e caçará – todos aqueles que são e foram contra o sistema. A tal ditadura que disseram que Jair Bolsonaro implementaria no Brasil, com censura e perseguições políticas, não aconteceu durante os quatro anos de seu governo, mas finalmente chegou.

O processo de caçação – sim, com “ç” – de Deltan se deu, como de praxe hoje no Brasil, de maneira inconstitucional, desrespeitando mais uma vez a autonomia e independência dos Poderes da República. Os ativistas de plantão, que aplaudem o atropelo das leis para a derrubada de oponentes políticos, clamam que o desfecho do julgamento do TSE foi correto, uma vez que Deltan Dallagnol ao se exonerar do cargo de procurador teria processos disciplinares pendentes no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o que o tornaria inelegível. No entanto, quando Deltan saiu do Ministério Público, a certidão do CNMP mostra não haver processos disciplinares e, por isso, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná autorizou sua candidatura em 2022.

Deltan Dallagnol

A tese que consta no recurso que cassou Deltan alega que a exoneração “antes da instauração de um possível processo disciplinar (PAD)” atrairia inelegibilidade. No entanto, não cabe à Justiça Eleitoral avançar para examinar o conteúdo de processos preliminares e realizar um juízo se eles resultariam ou não em uma hipotética e não sabida punição. Se essa for a nova regra, basta que alguém formule inúmeros pedidos de providências antes de um juiz ou membro do MP pedir exoneração para alegar a inelegibilidade depois. O advogado Fabricio Rebelo simplificou muito bem todo o cenário: “Imagine ter de explicar juridicamente como um procurador SEM processo disciplinar aberto não pode ser candidato, pela possibilidade de que algum venha a ser instaurado, enquanto políticos tradicionais que efetivamente respondem a inúmeros processos ficam tranquilos. Traduzindo a cassação de Deltan Dallagnol: é como alguém começar a cumprir a pena ainda na fase do inquérito policial, antes de sequer se saber se houve mesmo um crime ou muito menos existir uma ação penal. É o ápice de um estado policialesco, regido pelo direito penal do inimigo”.

Ou seja, Dallagnol se tornou o primeiro parlamentar cassado por uma suposição, por um possível crime no futuro. A barbaridade cometida pelo TSE nesta semana vai muito além de uma mera interpretação errônea de uma lei – o Supremo Tribunal Eleitoral no país supôs que Deltan pediu exoneração do Ministério Público para escapar “talvez quem sabe um dia no futuro” de algum processo administrativo disciplinar que poderia ser aberto, instaurado e julgado. O precedente do TSE é gravíssimo e acarreta perigo sistêmico, uma vez que a interpretação extensiva do tribunal poderá ser aplicada a outros casos por juízes eleitorais em todo o Brasil, inclusive para outras hipóteses de inelegibilidade previstas na Lei da Ficha Limpa.

O que o TSE fez nesta semana foi mais um evento grave desse insano regime totalitário ao qual foi submetido o Brasil, uma anulação forçosa e inconstitucional da vontade popular: 344.917 pessoas foram caladas em uma canetada vergonhosa, em mais um abjeto caso de perseguição política de quem claramente discorda do sistema podre que está implodindo a República e transformando o Brasil em um absoluto regime totalitário.

Os juízes de Berlim

Saímos de uma aura de justiça da “República de Curitiba” para a “República Soviética do Brasil”. E creio que podemos ir além da aura persecutória dos bolcheviques para retratar o sentimento e o medo justificado que estamos vivendo. Salvaguardado todo o respeito às vítimas e à proporção do mal feito pelos nazistas ao mundo, ler sobre “lei e a justiça” no Terceiro Reich traz arrepios com as pequenas semelhanças com um sistema no Brasil que não usa mais as leis, o processo legal e o amplo direito de defesa como o único norte possível em uma nação séria – mas a vontade de juízes. Não podemos esquecer – jamais – que há um deputado preso que teve um perdão presidencial constitucional extirpado de seus processos, e foi condenado a oito anos de prisão por palavras proferidas em um vídeo no YouTube.

Daniel Silveira, condenado a oito anos de prisão

É profundamente incômodo visitarmos a história e nos depararmos com as páginas que mostram que, no Terceiro Reich, o estado policial é caracterizado pela detenção arbitrária e encarceramento de opositores políticos e ideológicos. Com a reinterpretação de “guarda protetora” (Schutzhaft) em 1933, o poder de polícia tornou-se independente dos controles judiciais. Na terminologia nazista, “custódia protetora” significava a prisão – sem revisão judicial – de opositores reais e potenciais do regime.

O Terceiro Reich foi também chamado de dual state, ou estado duplo, já que o sistema judicial normal coexistiu com o poder arbitrário de Hitler e da polícia. No entanto, como a maioria das áreas da vida pública após a ascensão nazista ao poder em 1933, o sistema de Justiça alemão passou por uma “coordenação”, para maior alinhamento com os objetivos nazistas. Associações profissionais envolvidas com a administração da Justiça foram fundidas na Liga Nacional Socialista de Juristas Alemães. Em abril de 1933, Hitler aprovou uma das primeiras leis antissemitas, expurgando judeus e também juízes, advogados e outros oficiais do tribunal de suas profissões. Além disso, a Academia de Direito Alemão e os teóricos jurídicos nazistas, como Carl Schmitt, defendiam a nazificação da lei alemã, limpando-a da “influência judaica”. Os juízes foram obrigados a deixar que o “sentimento popular saudável os guiasse em suas decisões”, e não as leis.

Hitler então decidiu aumentar a confiabilidade política dos tribunais. Em 1933, ele estabeleceu tribunais especiais em toda a Alemanha para julgar casos “politicamente delicados”. Insatisfeito com os veredictos de “inocente” proferidos pela Suprema Corte no Julgamento do Incêndio do Reichstag, Hitler ordenou a criação do Tribunal do Povo em Berlim em 1934 para julgar traição e outros “casos políticos” importantes.

Adolf Hitler (centro) e líderes nazistas, em 1930

Desde a sua fundação, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães lutou contra o estado de direito. A aquisição nacional-socialista também representou uma vitória do direito penal autoritário sobre o direito penal liberal. A criação dos Tribunais Especiais em 1933 e do “Tribunal do Povo” em 1934 foram marcos importantes nas terríveis páginas da história nazista contra a humanidade.

Depois de 1938, todos os atos criminosos e, depois de 1939, todos os delitos menores poderiam ser processados perante os Tribunais Especiais. Esses tribunais consistiam em três juízes profissionais, e o veredicto que proferiam era o primeiro e último estágio de apelação. Com a nomeação do juiz Roland Freisler como presidente do “Tribunal do Povo” em 1942, os julgamentos perderam sua última aparência de procedimentos legais legítimos. Freisler humilhou e ridicularizou os réus. A redação das leis foi sistematicamente mal interpretada e sentenças de morte foram “justificadas” por motivos apresentados em menos de duas páginas de texto, textos que poderiam ser lidos em 66 segundos, e o “Tribunal Popular” foi autorizado a cometer assassinatos judiciais.

O regime nazista teve juízes leais que voluntariamente transformaram a lei liberal alemã em um instrumento de opressão, discriminação e genocídio. Isso foi conseguido sem interferir substancialmente no funcionamento dos tribunais e sem aplicar medidas disciplinares aos juízes. Mas nem todos os juízes eram servidores congeniais do regime – alguns resistiram na qualidade de juízes e honraram suas togas e dever com o povo alemão. É claro que não estamos diante de um estado judicial visto nas páginas da Alemanha de Hitler. Ainda. O que nos preocupa, no entanto, é o desrespeito histórico às nossas leis e o silêncio que foi conivente a muitos que hoje, com razão, gritam por justiça diante do episódio com Deltan Dallagnol.

Durante quatro anos, assistimos atônitos à complacência da imprensa no Brasil e à quebra do ordenamento jurídico no país, afinal, era para derrubar o “Bozo”, o “novo Hitler”, o “ditador”, o “autoritário”. Até os ditos e autoproclamados conservadores e liberais demonizaram e desumanizaram Jair Bolsonaro porque “ele não é conservador” no checklist burkeano dos hipócritas do Instagram que surfaram e nadaram de braçadas na onda conservadora empurrada por Bolsonaro. Muitos elogiavam o presidente para vender cursos e livros, para depois posarem de limpinhos que “não se misturam com essa gente bolsonarista”. Permaneceram em absoluto silêncio durante 2020, 2021 e 2022 enquanto nossa Constituição era estuprada diariamente, afinal, “oh well… são bolsonaristas sendo perseguidos e presos. Inconstitucionalmente, sim. Mas ainda são bolsonaristas”.

Jair Bolsonaro, assim como Donald Trump, foi um fenômeno reativo da sociedade que estava estafada de tanta corrupção, aparelhamentos, acordos. Sabíamos que a eleição de 2022 era muito, muito além de Bolsonaro ou Lula. O próprio Deltan Dallagnol, homem que lutou bravamente no MP contra um sistema carcomido, julgou o presidente Bolsonaro de maneira injusta e sem se ater a críticas pontuais e pertinentes. O dano agora está feito. O monstro de alma autoritária e caneta tirânica virá para todos.

Quero acreditar que a verdadeira missão de Deltan Dallagnol, muito além da Lava Jato e do mandato de deputado, tenha apenas se iniciado. Sua cassação irregular ao arrepio da lei pode ter mobilizado quem ainda pensava que sairia ileso de um projeto de poder totalitário. O presidente da Câmara, Arthur Lira, tem uma histórica oportunidade de retomar as rédeas institucionais da Casa do Povo e mostrar que a autonomia entre os Poderes não pode suportar mais uma grave interferência de um Judiciário ativista que recebe tapinhas na cara de um ficha suja. A prerrogativa de cassação de um mandato de um deputado que já foi empossado é exclusivamente da Câmara. Se Arthur Lira vai peitar o sistema, duvido. Gostaria de estar errada.

Arthur Lira

Benedito Gonçalves, como um bom servidor do projeto de poder do partido mais corrupto da nossa história, mostrou nesta semana que sua célebre frase proferida a Alexandre de Moraes, “missão dada, missão cumprida”, não é mote exclusivo dele, mas de todo um sistema que agora se arma contra o povo em projetos de censura, mordaça, intimidações, perseguições, prisões, desmandos, imoralidades e inconstitucionalidades.

Cabe a nós, assim como as páginas da história claramente ensinam, que o silêncio e o medo não possam mais ser uma opção. A história, dificilmente, não se repete.

ANA PAULA HENKEL

RENDER-SE NÃO É UMA OPÇÃO

Pintura de Emanuel Leutze: Washington cruzando o Delaware, sobre o ataque de George Washington aos hessianos em Trenton, na manhã de 26 de dezembro de 1776

Na minha última coluna aqui no JBF, conversamos sobre essa estranha sensação de estarmos trancados no filme Feitiço do Tempo, sim, aquele do “dia da marmota”. Todas as manhãs, o protagonista Phil Connors, interpretado por Bill Murray, acorda sempre no mesmo dia. As mesmas coisas acontecem repetitivamente e ele parece estar diante de um transe, um feitiço do tempo, que faz com que o dia de hoje se repita da mesma maneira.

Ultimamente, a sensação é de que todo brasileiro poderia adotar o sobrenome Connors. Já nem sabemos há quanto tempo estamos trancados no feitiço que o STF e Alexandre de Moraes impuseram sobre o Brasil. Entra dia e sai dia, abrimos as páginas dos jornais e o mesmo está nas manchetes: STF interfere no Legislativo, Alexandre de Moraes manda prender alguém inconstitucionalmente, ministro não sei quem desrespeita a Constituição e decreta não sei o quê ilegalmente. O Senado, única ferramenta constitucional para frear essa insanidade jurídica, continua de joelhos aos desmandos narcisistas do Supremo, e o Congresso se mostra praticamente inexistente diante da barbárie judicial a que estamos sendo submetidos diariamente.

Foram quatro anos de perseguição a um governo legítimo que tentou fazer o seu melhor. E fez. O legado bendito está aí em números, ações e em uma renovação no Legislativo. O povo foi às ruas em muitas ocasiões pedir respeito à Constituição, pediu reformas importantes, cobrou parlamentares, discutiu política — mas foi calado na pandemia e nas eleições presidenciais. O debate público foi cerceado, as multas e as ações do TSE já começavam a mostrar que a censura seria o foco do Judiciário. “Povo chato que anda falando demais sobre política e cobrando o sistema, o nosso sistema. Vejam só… Agora essa gente vai querer cobrar parlamentar… Vai querer cobrar que a Constituição seja seguida… Era só o que faltava…”

Alexandre de Moraes no lançamento do Anuário da Justiça, em 10/5/2023

E 2023 bateu com força na gente. A carreta furacão do desgoverno veio sem freio. Atropelou tudo pela frente. Da saúde fiscal do país à nossa saúde mental que está por um fio assistindo ao mais absurdo aparelhamento do Judiciário, que, dentre outras tantas barbaridades jurídicas apontadas até por juristas renomados, agora resolveu calar de vez a boca dos brasileiros. Sem votos para aprovar o PL 2630 da Censura, o governo sofreu uma derrota importante na Câmara, empurrada principalmente pelo povo chato que cobrou de seus parlamentares a não aprovação de um texto que institucionalizaria a censura no Brasil. Pois bem, os monstros do pântano não gostaram. Povo chato! Lá vem essa gentalha cobrar parlamentar!

Em uma semana testemunhamos a outrora gloriosa Polícia Federal fazer operação de busca a cartão de vacina de ex-presidente, o desgoverno liberar R$ 10 bilhões em emendas do relator — aquilo que o consórcio de imprensa e a Simone Tebet chamavam de “Orçamento secreto”, para a compra de votos na Câmara e no Senado, o STF derrubar o indulto presidencial constitucional a Daniel Silveira, e o mais recente ato de censura — Google e Telegram tiveram de apagar suas opiniões negativas sobre o PL da Censura. As plataformas também tiveram de acatar as decisões do ministro da (in)Justiça, Flávio Dino, e do ministro de tudo o que está a nossa volta no passado, presente e futuro, Alexandre de Moraes, de “reformular” suas opiniões sobre o PL para que agradasse à sanha bolchevique de ambos. Caso não acatassem as vontades magnânimas e inconstitucionais dos digníssimos, multas milionárias seriam aplicadas.

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ANA PAULA HENKEL

A HISTÓRIA SE REPETE

No filme Groundhog Day, de 1993 (no Brasil lançado com o nome de Feitiço do Tempo), o meteorologista Phil Connors, interpretado por Bill Murray, viaja até Punxsutawney, na Pensilvânia, para cobrir as celebrações da data que marca a metade do período entre o solstício de inverno e o equinócio da primavera no Hemisfério Norte. O Groundhog Day, ou Dia da Marmota, deriva-se da superstição de imigrantes holandeses e alemães do Estado da Pensilvânia de que, se uma marmota sair de sua toca neste dia e vir sua sombra, ela voltará para sua toca, e o inverno continuará por mais seis semanas. Se o roedor não conseguir ver sua sombra, a primavera chegará mais cedo.

Filme Feitiço do Tempo

O filme é considerado um clássico e uma das maiores comédias românticas de todos os tempos, mas poderia ser a realidade dos brasileiros demonstrada principalmente na cena em que Connor está em um bar local e diz a um homem: “Eu acordo todos os dias, bem aqui em Punxsutawney, e é sempre 2 de fevereiro. E não há nada que eu possa fazer sobre isso. O que você faria se estivesse preso em um lugar e todos os dias fossem exatamente iguais, e nada do que você fizesse importasse?”

Há pelo menos três anos, quando vamos comentar as principais notícias do dia de segunda a sexta-feira, antes no programa Os Pingos nos Is e agora no Oeste Sem Filtro, falamos do Supremo Tribunal Federal e quase sempre de Alexandre de Moraes. Depois de inúmeros atos ilegais cometidos pela Corte e por ministros que deveriam apenas salvaguardar e aplicar a Constituição Federal, mantendo assim o equilíbrio e a sanidade jurídica no país, o que mudou no Brasil? Para eles, nada. Para nós, tudo. Não temos mais ordenamento jurídico, as leis são diariamente vilipendiadas por pessoas que deveriam honrar a confiança da sociedade. Mas não é essa a realidade no Brasil. Entra dia, sai dia, os brasileiros assistem atônitos às inconstitucionalidades perpetradas por homens e mulheres da (in)justiça no Brasil. Estamos vivendo um eterno dia da marmota? Onde vamos chegar?

Abro minhas anotações das notícias e dos comentários que fizemos no Oeste Sem Filtro nas últimas semanas e parece que sou o próprio jornalista Connors no filme de 1993. Pacheco, STF, TSE, Alexandre de Moraes, Daniel Silveira preso, livre, preso, julgado, livre, preso… Bolsonaro, Bolsonaro, Bolsonaro… Um ministro do STF interferiu na prerrogativa do Executivo, outro ministro ignorou tal premissa do Congresso, ministro do TSE — que também é ministro do STF — decreta censura e é seguido por outra ministra do tribunal constitucional no Brasil… Prisões sem a devida investigação e o devido processo legal, perseguições políticas, criminalização de opiniões… O que está acontecendo? O Brasil saiu do caminho do progresso, mesmo aos trancos e barrancos, saiu do despertar político e saudável dos últimos anos para entrar nas páginas ruins dos livros de história quando Estados totalitários e policialescos viraram o cotidiano de populações inteiras. Medo, insegurança, instabilidade econômica e social que se instalam pelos devaneios cometidos por narcisistas autoritários.

Sessão plenária do STF, 26/4/2023

Projetos de lei que visam a censurar e amordaçar qualquer um que cometa o “crime hediondo” de abrir a boca contra o novo sistema no Brasil são tocados a toque de caixa e com a pressa de quem precisa silenciar dissidentes e opiniões contrárias ao sistema. Apenas ditaduras e regimes de exceção agem dessa maneira. O famigerado PL 2630 saiu do caráter de votação urgente nesta semana, os comunistas não tinham os votos necessários para calar a boca de meio mundo, mas vai entrar em campo agora o STF para matar essa no peito e marcar o gol de placa para os fãs de Karl Marx.

A sanha de calar a imprensa livre é antiga, bem antiga. O que precisamos sempre fazer é o exercício da volta às páginas da história para entender como os totalitários agem. Eles mudam de roupa, mas não mudam de estratégias. Não é só no filme Feitiço do Tempo que o Brasil parece acordar todos os dias. Ao tomarem o poder, em 1917, os bolcheviques agiram imediatamente contra o que consideravam “jornais hostis que disseminam desinformação”. Um decreto aprovado em 27 de outubro de 1917 declarava com todas as letras as medidas extraordinárias que seriam adotadas com o objetivo de cortar a corrente de “calúnias” em que a imprensa teria o prazer de afogar a nova vitória do povo. Os sanguinários revolucionários, ídolos dos comunistas tupiniquins, avisaram que, quando “a nova ordem fosse consolidada”, ou seja, todos estivessem tomados pelo medo de abrir a boca, todas as medidas administrativas contra a imprensa seriam suspensas — o que nunca aconteceu.

O decreto sobre a imprensa dos bolcheviques em 1917 deu ao governo o poder de emergência para fechar quaisquer jornais que apoiassem a contrarrevolução, criando um monopólio estatal de publicidade. A data, 1917, parece estar num passado bem distante de todos nós, mas as linhas do decreto soviético nem tanto. O documento deu ao governo o controle dos meios eletrônicos de comunicação e estabeleceu um “Tribunal Revolucionário de Imprensa”, além do poder de censurar a mídia. Jornalistas e editores que cometessem “crimes de desinformação” seriam punidos pela Cheka, a primeira polícia secreta da Rússia, que, segundo algumas estimativas em comum de vários historiadores, pode ter executado até 100 mil pessoas consideradas “inimigas de classe” durante o Terror Vermelho. A Cheka também estava autorizada a impor multas ou penas de prisão. Você ainda tem alguma dúvida de que falta pouco para chegarmos a este Estado policialesco? Você ainda tem alguma dúvida de que é este cenário que os comunistas no Brasil querem para todos nós?

Membros do conselho da Cheka, em 1918

Uma parte importante do DNA da história comunista é como usam o Estado para transformá-lo de acordo com os ideais marxistas. Uma vez no poder, os comunistas reorganizam completamente o aparato do Estado para melhor perseguir seus objetivos de engenharia social e poder absoluto. Nada pela metade. Historicamente, os governos comunistas, por definição, criaram Estados de partido único (mesmo que outros partidos existam, eles não desempenham nenhuma função política), impedindo que indivíduos não alinhados com o partido e seus objetivos chegassem ao poder, cerceando suas liberdades, suas ideias e sua voz. E, para isso, sequestram ou alinham-se a um corrupto Poder Judiciário, que desfigura as leis para benefício do novo sistema.

No filme de 1993, depois de perceber que não consegue mais sair do mesmo dia, o personagem de Bill Murray encontra um mendigo todos os dias e, em um gesto de desprezo, faz questão de bater nos bolsos da calça como se nunca tivesse dinheiro. Mais tarde, preso naquele feitiço do tempo e com a mente adormecida, o jornalista tenta ajudar repetidamente o mendigo, mas acaba descobrindo que não importa o que faça, o homem sempre morre. Mas há uma lição até mesmo em uma comédia romântica que, claustrofobicamente, eu diria, pode mostrar o que estamos vivendo no Brasil. Mesmo em uma já consolidada ditadura do Judiciário alinhada a comunistas, a lição da Oração da Serenidade, escrita pelo teólogo Reinhold Niebuhr e posteriormente usada pelos Alcoólicos Anônimos pelo mundo, precisa ser lembrada: “Deus, conceda-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem de mudar as coisas que posso, e sabedoria para saber a diferença”.

Uma das ideias centrais de Friedrich Nietzsche, filósofo alemão cuja obra exerceu uma influência profunda na história intelectual moderna, é imaginar a vida como uma repetição sem fim dos mesmos eventos que repetimos. Como isso moldaria suas ações? O que você escolheria para viver por toda a eternidade? O que podemos mudar hoje no Brasil? Por incrível que pareça, muito. Não sei se veremos a mudança necessária de imediato, mas o que estamos deixando para nossos filhos e netos?

Retrato de Friedrich Nietzsche, 1882

Não dá mais para procrastinar o encontro com a realidade que vai requerer um esforço igualmente histórico de todos nós. Cada dia que vivemos não é tão diferente do anterior. No entanto, as mudanças existem, precisam acontecer e estão nos detalhes e nas ações que pedem a nossa coragem para ser exaltados para poderem seguir seu caminho de transformação.

As páginas ruins da história estão diante de nós. Em preto e branco e em todas as cores. Precisamos mergulhar no legado de coragem de homens e mulheres que quebraram o feitiço do mal, dedicando suas vidas à entrega de um futuro melhor às futuras gerações.

Johann Goethe (1749-1832), filósofo, cientista e escritor alemão, resume em seu célebre pensamento que não podemos deixar que a inércia nos contagie: “No momento em que nos comprometemos, a providência divina também se põe em movimento. Todo um fluir de acontecimentos surge ao nosso favor. Como resultado da atitude, seguem todas as formas imprevistas de coincidências, encontros e ajuda, que nenhum ser humano jamais poderia ter sonhado encontrar. Qualquer coisa que você possa fazer ou sonhar, você pode começar. A coragem contém em si mesma o poder, o gênio e a magia”.

Johann Wolfgang von Goethe, pintura a óleo de Joseph Karl Stieler, 1828

O escritor britânico G. K. Chesterton, quando fala da grande geração que salvou o mundo do eixo nazifascista, sempre enaltece que ali havia heróis na essência do termo — em pensamento e ação, em força e capacidade de sacrificar tudo por todos, ressaltando de maneira emocionante que eram jovens que não foram movidos pelo ódio do que estava na frente, mas por amor ao que deixavam para trás.

O Brasil precisa do nosso amor e coragem.

A coragem contém em si mesma o poder, o gênio e a magia. Se a história se repete para o mal, ela também pode se repetir para o bem.

ANA PAULA HENKEL

O TRIUNFO DO BEM

Papa João Paulo II

A essa altura, todos já devem ter visto ou lido as lamentáveis declarações do papa Francisco sobre Lula e Dilma. Se você ainda não viu, mesmo não sendo católico, como eu, tome um antiácido para ler o próximo parágrafo.

Numa entrevista para o canal de notícias argentino C5N, o papa Francisco sugeriu que o ex-presidiário Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado sem provas, apenas com indícios e sob uma Justiça que “não é justa”. De acordo com o pontífice, o pobre coitado do descondenado pelo STF, a mais alta Corte da Justiça brasileira, foi vítima de injustiça.

De acordo com o papa, o político mais corrupto de nossa história foi vítima de lawfare – termo muito usado pelos norte-americanos e que se refere ao uso indevido do sistema legal e das leis para fins políticos ou de perseguição pessoal. Tudo isso, segundo Francisco, com uma “ajuda” dos meios de comunicação – ou seja, a imprensa que noticiava o rumo das investigações e prisões da Lava Jato também perseguiu o amigo de Daniel Ortega – o ditador da Nicarágua, amigo do coitado e perseguido Lula, que persegue cristãos. Não, Francisco não tocou nesse assunto.

Mas Francisco ainda falou sobre Dilma Rousseff. E não poupou elogios à ex-presidente: “Falando ainda do Brasil, o que aconteceu com Dilma Rousseff? Uma mulher de mãos limpas. Excelente mulher”, afirmou o pontífice logo depois de o jornalista argentino ter dito que “tiraram Dilma por um ato administrativo menor”. Bergoglio disse que Lula e Dilma são “inocentes condenados” e completou que o papa e os políticos têm a missão de desmascarar uma Justiça “que não é justa”.

Papa Francisco, falando sobre Lula e Dilma Rousseff, em entrevista ao canal C5N 

Mas isso, por incrível que pareça, não foi a única bobagem dita por Francisco. O papa afirmou que se preocupa com o avanço da “ultradireita” no mundo e usou um versículo bíblico para justificar seu posicionamento social atrelado ao comunismo. Interpelado sobre qual o “antídoto” para combater a chamada ultradireita, Francisco defendeu a “justiça social”, termo usado apenas pela ultraesquerda no mundo. “Não há outro (antídoto)”, argumentou o papa. “Se você quiser discutir com um político ou com um pensador da ultradireita, fale sobre justiça social.”

O papa é constantemente bombardeado com críticas e questionamentos sobre seus posicionamentos para lá de políticos, e de sua constante sinalização com a agenda da esquerda radical e do globalismo. Quando questionado se ele é comunista, Francisco tergiversou e utilizou a passagem bíblica de Mateus 25 para justificar seu posicionamento: “Padre, você é comunista? Minha carta de identidade é Mateus 25”, disse. “Leia Mateus 25 e veja se quem escreveu não era comunista. Tive fome e me deste de comer, tive sede e me deste de beber, estive nu e me vestisse. Essa é a regra de conduta. Comunista? Comunista!”

Diante dos absurdos profanados pelo líder oficial atual da Igreja Católica, não apenas os fiéis da igreja, mas cristãos como um todo derramaram críticas na internet sobre tais declarações. Alguns católicos, que, assim como outros seguidores de outras doutrinas, adoram usar a religião para sinalizar virtude, saíram em defesa do pontífice e fecharam os olhos para o perigoso caminho tomado por Francisco. Muitos, usando a mesma bobagem que a esquerda usa para balizar qualquer discussão e manter as opiniões dissidentes fora do debate, trouxeram a carta do “lugar de fala” – se você não e católico, feche a boca.

Bem, aqui não. Aqui, não apenas não fecharemos os olhos para qualquer declaração absurda a favor de comunistas, como também temos o tal “lugar de fala”. Sou batizada, catequizada e crismada na Igreja Católica, religião que sigo desde o meu nascimento. Vou à missa todos os domingos, rezo o meu terço todo santo dia (embora não tenha a necessidade de lotar minhas redes sociais com fotos de um assunto tão privado), e meu filho, 22 anos, será crismado no Domingo de Páscoa, depois de dez meses de intensos estudos. É “lugar de fala” que querem para criticar o papa? Check.

Dito isso, seguirei com as minhas críticas ao pontífice, principalmente pela razão que sempre foi destacada pelo nosso verdadeiro líder espiritual na terra, o papa João Paulo II, de que os pilares da justiça e da honestidade na Igreja Católica seriam sustentados pelos fiéis vigilantes, que, estando alertas, lutariam contra qualquer tribulação.

Papa João Paulo II, em 1984

Há pontos tão incômodos, eu diria até estarrecedores, no caminho de Francisco como papa que deixam até os católicos fervorosos mais apreensivos. O fato de ver sua defesa a membros de um partido que é uma quadrilha e a um corrupto condenado “com provas sobradas” (palavras do desembargador Gebran Neto – apontado ao TRF-4 pela administração petista – na chancela da condenação de Lula) não é o que mais choca, acreditem. O absurdo maior na fala de Francisco reside no fato de que esse partido, seus membros e seu líder estão enlaçados em páginas e mais páginas de relações íntimas com comunistas pelo mundo. Essa associação não pode ser colocada fora da equação quando criticamos essa entrevista e outros indícios de que Francisco se mostra um agente político de uma agenda que vai completamente contra os preceitos da Igreja Católica, e do próprio legado de João Paulo II, que, entre imensos trabalhos importantes para nós, católicos, lutou até seu último dia de vida contra regimes totalitários e, principalmente, o comunismo.

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ANA PAULA HENKEL

O MUNDO PRECISA DE HOMENS FORTES

Foto: Shutterstock

Milhões de pessoas ao redor do mundo consideram março “o mês da mulher”. Uma bobagem, na minha opinião. Para mim, um dia ou um mês da mulher não passam de uma grande bobagem. Nosso dia é todo dia. Assim como de nossos parceiros. Essa falsa celebração é estratégica e visa à divisão, que vai além de homens vs. mulheres. Hoje, o movimento que finge enaltecer as mulheres não prega a verdadeira contribuição feminina na sociedade, mas empurra uma agenda nefasta que vai da matança de bebês nos ventres de suas mães à demonização do sexo masculino.

É patético, para dizer o mínimo, que durante todo o mês de março, essa gente que “celebra a mulher e seu papel na sociedade” colocou em campanhas publicitárias por todo o mundo mulheres trans, homens que se sentem como mulheres e que querem ser vistos como mulheres. Como cada indivíduo quer viver sua vida é uma prerrogativa pessoal e, claro, tem de ser respeitada na sociedade. No entanto, vamos estabelecer alguns pontos que muitos, aterrorizados com as guilhotinas virtuais dos histéricos jacobinos justiceiros de teclados, têm medo de abordar: mulheres trans são homens que, por razões pessoais, não se identificam com o sexo biológico; todos podem escolher como querem viver suas vidas, mas isso não cria direitos; eu não sou uma mulher “cis” ou uma mulher “biológica”, eu sou apenas mulher.

Um homem não pode se tornar uma mulher diminuindo sua testosterona. E os direitos das mulheres não devem terminar onde os sentimentos de alguns começam. Não tenho nenhum problema ou ressalva em chamar alguém de “ela” ou “ele” se esse acordo foi selado entre a pessoa em questão e eu – e não por que uma turba quer ditar o que todos devem dizer. Não caiam na corrupção da linguagem misógina dos novos jacobinos, que sequestram uma agenda virtuosa de cooperação entre homens e mulheres para empurrar segregação e ódio ao sexo masculino.

Mulheres de burca na Mesquita Azul, em Mazar-e Sharif, no Afeganistão

O mais ridículo dessa agenda de “celebração da mulher”, aliada à insana seita do politicamente correto, é o silêncio das feministas com a realidade de mulheres em lugares como Afeganistão e Irã, que sofrem sob um duro regime de opressão com o sexo feminino. O silêncio da turba que enaltece o mês da mulher celebrando ditadores não é exclusivo para o assunto que aborda mulheres que sofrem sob regimes totalitários, mas o feminismo de butique que diz lutar pelo sexo feminino ficou calado durante anos em relação ao avanço de atletas transexuais, homens contemplados com anos de testosterona, competindo, invadindo e espancando mulheres aos aplausos dos seguidores do politicamente correto.

No meio dessa loucura, que vai de meninas perdendo bolsas universitárias para meninos à perda de medalhas e premiações em grandes competições, vimos essa semana um sopro de bom senso e sanidade em relação ao justo e sagrado lugar das mulheres em competições femininas: o Conselho Mundial de Atletismo proibiu transsexuais de competirem na categoria feminina em eventos internacionais. Presidido pelo espetacular ex-atleta e medalhista olímpico Sebastian Coe, a entidade estabeleceu, até que estudos sérios e longos sejam feitos, que nenhum atleta transgênero que passou pela puberdade masculina terá permissão para competir em competições do ranking mundial feminino a partir de hoje, 31 de março. Coe acrescentou que a decisão foi guiada pelo princípio abrangente que é proteger a categoria feminina: “As decisões são sempre difíceis quando envolvem necessidades e direitos conflitantes entre diferentes grupos, mas continuamos a ter a visão de que devemos manter a justiça para as atletas femininas acima de todas as outras considerações”. A lenda do atletismo mundial completou: “Seremos guiados pela ciência em torno do desempenho físico e da vantagem masculina. À medida que mais evidências estiverem disponíveis, revisaremos nossa posição, mas acreditamos que a integridade da categoria feminina no atletismo é fundamental”.

Sebastian Coe

Ufa! Finalmente alguém do porte e da importância de Coe para recolocar o assunto no patamar de onde nunca deveria ter saído – da biologia humana, único pilar importante no esporte. E, vejam a ironia, um homem saiu na justa defesa das mulheres no esporte! Em uma sociedade tomada pelo medo de se expressar, pelo medo dos injustos cancelamentos, segurar uma bússola publicamente e apontar onde está o norte virou um ato de coragem. A atual agenda neomarxista não apenas demoniza homens e coloca mulheres em uma covarde espiral de silêncio – ela visa a destruir a relação de confiança entre eles.

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ANA PAULA HENKEL

O DESFECHO DA TRILOGIA SOBRE O “IMPÉRIO DO MAL”

O selo com Stalin e Mao Zedong | Foto: Baka Sobaka/Shutterstock

O selo com Stalin e Mao Zedong

E chegamos à parte final de nossa trilogia sobre o comunismo. É claro que um assunto tão complexo, tão enraizado em detalhes e ações contadas em diferentes eventos históricos não poderia ser explorado na sua totalidade em apenas três artigos. Mas precisamos de um (re)começo – precisamos levantar esse tapete da barbárie e expor aos nossos herdeiros que o atual fascínio pelo “novo” socialismo/comunismo é nocivo, enganoso, vil e perigoso. Lembro que, em novembro do ano passado, em virtude do aniversário da queda do Muro de Berlim, postei algumas fotos sem legenda da queda do muro, em 1989, em meu Instagram. Para a minha grande surpresa, fiquei espantada com a quantidade de mensagens de jovens que não faziam a menor ideia do que eram aquelas imagens. Não conhecer a história é perigoso demais.

Há muitas razões além da história para refletirmos sobre o legado do comunismo. Desde que Vladimir Lenin derrubou a nascente democracia parlamentar da Rússia, em 1917, para estabelecer uma ditadura brutal, muitas outras nações caíram nas iscas travestidas de “igualdade para todos” chamadas de comunismo – muitas vezes, dissimuladas e maquiavelicamente empacotadas de apenas “socialismo”.

O comunismo promete igualdade, mas oferece escassez para todos, exceto para as elites em seu aparato. Ele lança a justiça social e oferece escravização em massa, miséria generalizada, desconfiança social e punição severa para todos os que discordam do sistema. Vimos esses fenômenos acontecerem em todo o mundo, na China, na Coreia do Norte, no Sudeste Asiático, na Europa Oriental pós-Segunda Guerra Mundial, Cuba, América Central e, talvez mais notavelmente visível para nós, brasileiros, hoje com a fome e o caos da Venezuela.

A queda do Muro de Berlim, 1989

O comunismo toma conta da China e além

Antes de a China se tornar um país comunista, houve um período de 37 anos, começando em 1912, com um governo provisório, depois a Primeira República da China, a Segunda República Nacionalista da China e depois a República Constitucional da China. Antes desse período, a China era governada por dinastias imperiais.

Em julho de 1921, o Partido Comunista da China é formado pelos revolucionários Chen Duxiu e Li Dazhao, que se tornaram marxistas após a vitória bolchevique na Revolução Russa. Em 1927, o PCC fica sob o controle de Mao Zedong, e, em 1947, Mao lidera uma revolução para que, em 1º de outubro de 1949, seja declarado o estabelecimento da República Popular da China, sob o regime do Partido Comunista.

Na divisão sino-soviética da década de 1950, Mao rompeu com o marxismo-leninismo tradicional e desenvolveu o maoismo, a interpretação chinesa do comunismo. Os maoistas iniciaram uma forte tradição comunista, instituindo o Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural. Em 1958, o Grande Salto é colocado em prática, com o objetivo de desviar a economia da China da agricultura para a indústria – em apenas cinco anos. O resultado foi uma das maiores barbáries contra a vida humana da história. Pelo menos 30 milhões de pessoas morreram de fome em apenas quatro anos. Além disso, as reformas agrárias de Mao levaram milhões à morte em execuções públicas em campos de trabalho. Na revolução cultural, Mao derrubou seus inimigos, perseguiu quase 300 mil intelectuais e dissidentes do comunismo na Campanha Antidireitista, e milhões de pessoas foram mortas ou perseguidas por apenas discordarem do regime.

Mao Zedong

Em apenas alguns anos, o Grande Salto também causou enormes danos ambientais na China. O plano de produção de aço resultou em florestas inteiras sendo derrubadas e queimadas para abastecer as fundições, o que deixou a terra aberta à erosão. O cultivo denso e a lavoura profunda despojaram as terras agrícolas de nutrientes e também deixaram o solo agrícola vulnerável à erosão. Líderes comunitários ansiosos exageraram em suas colheitas, na esperança de agradar à liderança comunista, mas este plano saiu pela culatra de forma trágica. Como resultado da superprodução, os funcionários do partido levaram a maior parte da colheita para as cidades, deixando os fazendeiros sem nada para comer. As pessoas no campo começaram a passar fome.

Em 1960, uma seca generalizada aumentou a miséria do país, e as pessoas no campo não conseguiam mais plantar sequer para sobreviver. No final, por meio de uma combinação de políticas econômicas desastrosas e condições climáticas adversas, cerca de 20 a 48 milhões de pessoas morreram na China. A maioria das vítimas morreu de fome no campo. O número oficial de mortos do Grande Salto é de 14 milhões, mas a maioria dos estudiosos concorda que esta é uma subestimação substancial, já que todos os dados vindos dos comunistas não são confiáveis.

No condado de Xinyang, Henan, durante a era do Grande Salto, os membros da comuna trabalhavam à noite, usando lâmpadas como luz, China, 1959

Seria impossível dissertar sobre toda a história e a situação da China, de seu povo, sua economia e sua atual influência global em apenas um artigo. O fato é que a aura comunista e perversa segue uma premissa ainda muito bem estabelecida no país que, inacreditavelmente, mantém até hoje campos de concentração para a população uigur e outros grupos étnicos majoritariamente muçulmanos. Em 2022, a China foi acusada de cometer crimes contra a humanidade e possivelmente genocídio contra esses grupos – e tudo sob um silêncio sepulcral de entidades governamentais, atletas e artistas no Ocidente, que foram comprados pelo dinheiro do regime ditatorial chinês.

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ANA PAULA HENKEL

O NASCIMENTO DO ‘IMPÉRIO DO MAL’ (SEGUNDA PARTE)

Vítimas da fome do Holodomor. Região de Kharkiv, Ucrânia, 1933 | Foto: Alexander Wienerberger/Wikimedia Commons

Vítimas da fome do Holodomor. Região de Kharkiv, Ucrânia, 1933

Depois da vexaminosa apologia do comunismo no Carnaval no Brasil, resolvi embarcar em uma trilogia de artigos sobre o comunismo e registrar que a história, pelo menos aqui no JBF, jamais será esquecida e que jamais banalizaremos o mal. Aqui, não deixaremos que o descalabro de uma escola samba em homenagear a ideologia que promoveu a matança de mais de 110 milhões de pessoas no mundo, e que é enaltecida por figuras como Flávio Dino, Gleisi Hoffmann, o próprio Lula e toda a nata do PT, passe em vão.

Seguiremos defendendo os fatos e mostrando que a história que alimenta a esquerda precisa ser mostrada aos nossos filhos e netos, para que eles façam o mesmo em nome da liberdade e da verdade. É claro que há muito mais detalhes em toda a história, detalhes de brutalidade com requintes de crueldade que raramente são trazidos ao debate quando se romantiza o comunismo. Aqui, para a nossa resenha semanal, que nossa pequena trilogia possa servir como um pequeno guia a ser entregue aos jovens, para que eles possam fazer suas próprias pesquisas – e descobrir a verdadeira cadeia genética do horror e da barbárie.

Sigamos.

Logo após a Revolução Bolchevique, Lenin estabeleceu a Cheka, a primeira polícia secreta da Rússia. À medida que a economia se deteriorava durante a Guerra Civil Russa, Lenin usou a Cheka para silenciar a oposição política, tanto de oponentes quanto de seus adversários dentro do próprio partido político (a reedição de certos atos ao longo da história, inclusive agora, não é mera coincidência…). No entanto, essas medidas não deixaram de ser contestadas, e um membro de um partido socialista rival atirou no ombro e no pescoço de Lenin quando ele saía de uma fábrica de Moscou, em agosto de 1918, ferindo-o gravemente. Após a tentativa de assassinato, a polícia secreta de Lenin instituiu um período conhecido como Terror Vermelho, uma campanha de execuções brutais em massa contra os apoiadores do regime czarista, as classes altas da Rússia e quaisquer socialistas que não fossem leais ao Partido Comunista de Lenin.

Segundo algumas estimativas em comum entre vários historiadores, a Cheka pode ter executado até 100 mil pessoas dos chamados “inimigos de classe” durante o Terror Vermelho, entre setembro e outubro de 1918. O líder da Cheka, Feliks Dzerzhinsky (cuja estátua ficava do lado de fora da sede da KGB em Moscou até depois da queda da União Soviética), proclamava que “qualquer um que ousar espalhar o menor boato contra o regime soviético será preso imediatamente e enviado para um campo de concentração”. Na prática, execuções em massa e enforcamentos sem julgamento começaram quase que imediatamente. Ser visto como o “tipo errado” de pessoa para o regime ou estar no lugar errado na hora errada, ou simplesmente possuir uma arma de fogo, era o suficiente para alguém receber uma sentença de morte de tribunais revolucionários recém-formados.

Feliks Dzerzhinsky (segundo, da esq. para a dir.) com membros do conselho da Cheka, em 1918

Esses tribunais sancionaram expurgos dos mais variados tipos, desde membros sobreviventes da família imperial russa até camponeses proprietários de terras, estabelecendo o tom para as próximas décadas. Mesmo durante os períodos de relativa tranquilidade doméstica, a sombra do terror de Estado pairava sobre a população.

A matança sem freios e sem precedentes do “império do mal” estabelecia mais um tijolo em seu pilar genético de pura barbárie. Esse é o regime enaltecido por uma escola de samba e por políticos da esquerda no Brasil.

Joseph Stalin

A Revolução de Outubro desencadeou a Guerra Civil Russa, que durou os primeiros anos do mandato de Lenin. O Exército Vermelho do ditador venceu a guerra, consolidando o poder do novo governo soviético. Em 1922, o governo de Lenin assinou um tratado com a Ucrânia, a Bielorrússia e outros países menores na região para formar a União Soviética. Nesse mesmo ano, a saúde de Lenin começou a piorar, depois de os médicos removerem a bala de seu pescoço, que estava alojada desde a tentativa de assassinato, em 1918. Em 21 de janeiro de 1924, o líder comunista morreu, de um derrame, aos 53 anos.

Lenin havia começado sua carreira revolucionária como um marxista que queria dar poder político aos trabalhadores e aos camponeses. No entanto, quando ele morreu, o atual governo soviético que ele havia estabelecido era muito diferente do tipo de socialismo que ele defendia. Seu sucessor, Joseph Stalin, tornaria essa diferença ainda mais marcante – e mais bárbara. Sua concentração de poder começou em 1922, quando se tornou secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista. Na década de 1930, ele começou o Grande Expurgo, no qual matou rivais políticos e outras pessoas que ele considerava perigosas para o sistema. Stalin forçou ex-companheiros a darem falsas confissões em julgamentos de fachada, para depois mandar fuzilá-los.

Josef Stalin, em 1937

Quando Stalin assumiu a liderança comunista, ele se concentrou em consolidar o controle do partido e do país por todos os meios necessários. A NKVD (Naródnyy komissariát vnútrennikh del – nome russo para a agência que foi originalmente encarregada de conduzir o trabalho policial nas prisões e campos de trabalhos forçados) havia substituído a Cheka, em 1922, para desempenhar um papel fundamental no apoio à cultura draconiana do ditador de “seguir a linha do regime ou pagar o preço”.

Enquanto a Cheka perseguia os inimigos do partido bolchevique, a NKVD visava membros bem posicionados do partido que Stalin via como rivais em potencial, incluindo funcionários do governo, oficiais do Exército e a guarda mais antiga do partido soviético. A polícia secreta de Stalin usou tortura e fabricou evidências para obter “confissões”. Julgamentos altamente públicos, cujos veredictos nunca foram questionados, provocaram terror generalizado – assim como o decreto de Stalin permitindo que famílias inteiras de suspeitos de traição fossem executadas.

A Era do Grande Terror mostrou à humanidade forças do mal jamais imaginadas. Uma era alimentada por homens que são enaltecidos por políticos brasileiros até hoje, como Jandira Feghali, que já fez uma publicação em suas redes sociais exaltando Stalin na data de aniversário do genocida: “Olha pro céu, meu amor, vê como ele Stalindo”, postou a parlamentar, com uma foto de Stalin ao fundo. Feghali é filiada ao Partido Comunista do Brasil e em seus discursos ela clama por defender os direitos humanos de cidadãos necessitados e das minorias. Seria cômico se não fosse profundamente trágico.

O Grande Terror

O Grande Terror, um termo retrospectivo que os historiadores tomaram emprestado da Revolução Francesa, refere-se ao paroxismo do derramamento de sangue organizado pelo Estado que dominou o Partido Comunista e a sociedade soviética durante os anos de 1936 a 1938. O Grande Terror, também conhecido como Grande Expurgo, foi exatamente a campanha brutal stalinista para eliminar membros dissidentes do Partido Comunista e qualquer pessoa que ele considerasse uma ameaça ao regime. Embora as estimativas variem, a maioria dos especialistas acredita que pelo menos 750 mil pessoas foram executadas durante o Grande Terror, que começou por volta de 1936 e terminou em 1938. Mais de 1 milhão de sobreviventes foram enviados para campos de trabalhos forçados, conhecidos como Gulags. Esta operação implacável e sangrenta causou um terror desenfreado em toda a União Soviética e impactou o país por muitos anos.

Depois da ascensão ao poder de Stalin, alguns membros do antigo partido bolchevique começaram a questionar sua autoridade. Em meados da década de 1930, Stalin acreditava que qualquer pessoa ligada aos bolcheviques ou ao governo de Lenin era uma ameaça à sua liderança e precisava ser eliminada.

O primeiro evento do Grande Terror ocorreu em 1934, com o assassinato de Sergei Kirov, um proeminente líder bolchevique, que foi assassinado na sede do Partido Comunista. Após a morte de Kirov, Stalin lançou seu expurgo por completo, alegando que havia descoberto uma perigosa conspiração de comunistas anti-stalinistas. O ditador começou a matar ou prender qualquer suspeito dissidente do partido, eventualmente eliminando todos os bolcheviques originais que participaram da Revolução Russa de 1917.

Sergei Kirov e Josef Stalin, 1934

Stalin usou termos como “inimigo do povo” e “sabotadores” para descrever aqueles que eram caçados durante o Grande Expurgo (as mesmas expressões usadas para os atuais questionadores – um incômodo para qualquer ditador – também não são pura coincidência, há método). A matança e a prisão começaram com membros do partido bolchevique, oficiais políticos e militares, mas o expurgo se expandiu e incluiu cidadãos comuns, camponeses, minorias étnicas, artistas, cientistas, intelectuais, escritores e até estrangeiros. Essencialmente, ninguém estava a salvo do perigo. Convencido de que todos poderiam estar tramando um golpe, Stalin executou 30 mil membros do Exército Vermelho e assinou um decreto que tornava as famílias responsáveis pelos crimes cometidos por um marido ou pai. Isso significava que crianças de até 12 anos também poderiam ser executadas. Ao todo, cerca de um terço dos 3 milhões de membros do Partido Comunista foi expurgado. Leia-se assassinados.

E o processo alimentou-se a si mesmo. Os acusados, sob forte pressão física e psicológica de seus interrogadores, citavam nomes e confessavam crimes bizarros, para tentar poupar sua vida ou pelo menos a de familiares. Milhões de outros se envolveram na busca frenética de “inimigos do povo” e entregaram conhecidos às garras do regime e às execuções sumárias.

Foi também sob o comunismo de Stalin que homens como Lavrentiy Beria foram criados. Beria gabava-se de poder provar a conduta criminosa de qualquer pessoa, até mesmo de inocentes: “Mostre-me o homem e eu lhe mostrarei o crime”, dizia o chefe da polícia secreta mais implacável da era de terror do sucessor de Lenin. Beria visava “o homem” primeiro, para depois encontrar ou fabricar um crime. O modus operandi de Beria era presumir que o homem – muitas vezes escolhido a dedo – era culpado e então preencher os espaços em branco mais tarde com acusações também escolhidas a dedo.

Não é curioso como esse tipo de conduta, esse nível de desvio de caráter, pode viajar no tempo, atravessar mares e oceanos e aterrissar em lugares como o Brasil no século 21?

Gulags

Não há dúvida entre historiadores de que as táticas brutais de Stalin paralisaram o país e promoveram um clima de terror generalizado. Milhares de vítimas alegaram que preferiam ser mortas a serem enviadas para suportar as condições torturantes nos infames campos de trabalhos forçados – os Gulags. Muitos dos que foram enviados para os Gulags acabaram sendo executados a sangue frio.

Embora a maioria dos historiadores estime que pelo menos 750 mil pessoas foram mortas durante o Grande Expurgo, há um debate se esse número é bem maior. Alguns especialistas acreditam que o verdadeiro número de mortes é pelo menos duas vezes maior, já que muitas pessoas simplesmente desapareceram, e os assassinatos foram muitas vezes encobertos. Outros acreditam que é impossível determinar um número exato de mortos, mas que ele pode ser até cinco vezes maior do que os livros contam. Além das execuções, os prisioneiros nos campos de concentração também morriam de exaustão, doença ou fome.

Prisioneiros do Gulag trabalhando, em 1936-1937

Joseph Stalin permaneceu no poder como ditador soviético até sua morte, em 1953. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele também foi responsável pelas execuções de centenas de prisioneiros de guerra e traidores, especialmente cidadãos poloneses.

Não posso encerrar esse nossa segunda parte sobre o “império do mal” sem mencionar uma das maiores atrocidades cometidas pelo ídolo de Dona Jandira Feghali: o Holodomor.

Holodomor

Em 1928, Stalin implementou o Primeiro Plano Quinquenal, que era o plano econômico de seu governo para transformar a União Soviética em uma república industrial. Na plataforma do ditador estava a coletivização da agricultura, e, para isso, os membros do Partido Comunista confiscaram as terras, o gado e as ferramentas agrícolas dos camponeses, forçando-os a trabalharem em fazendas coletivas de propriedade do Estado. Stalin e a União Soviética agora tinham controle direto sobre as ricas terras agrícolas da Ucrânia e suas exportações de grãos.

Em vez de abrir caminho para a URSS se tornar uma grande potência industrial, o coletivismo levou a uma diminuição da produção agrícola, escassez de alimentos e rebeliões camponesas. Muitas dessas revoltas ocorreram na Ucrânia. Essas rebeliões preocupavam Stalin, particularmente porque elas estavam ocorrendo em áreas que haviam lutado contra os bolcheviques durante a Guerra Civil Russa.

Enquanto o plano de Stalin criou fome em toda a URSS, as políticas do Partido Comunista pioraram, intencionalmente, a fome na Ucrânia. Em um esforço para controlar os ucranianos, Stalin e o Partido Comunista impuseram medidas que pioraram e alastraram a fome e a miséria no país, estabelecendo cotas de grãos impossivelmente altas de serem atingidas, e puniram fazendas, aldeias e cidades quando não conseguiam cumprir essa cota. Muitas dessas cidades foram colocadas em listas negras e foram impedidas de receber alimentos e outros suprimentos. Os ucranianos não foram autorizados a deixar o país em busca de comida, e qualquer um pego roubando comida das fazendas coletivas poderia ser preso e executado. Grupos especiais de membros do Partido Comunista saqueavam as casas dos camponeses e levavam tudo o que era comestível. O resultado foi um genocídio sem precedentes.

Apreensão de legumes de camponeses na aldeia de Novo-Krasne, em Odesa Oblast, Ucrânia, novembro de 1932

GENOCÍDIO, Dona Jandira Feghali.

Stalin mirava propositalmente na Ucrânia, pelo temor das possíveis rebeliões dos camponeses, e, junto com suas políticas de fome, também supervisionou a “desucranização” do país, instruindo burocratas ucranianos e funcionários do Partido Comunista, bem como a polícia secreta soviética, a reprimirem os líderes políticos, intelectuais e religiosos ucranianos. O regime comunista também interrompeu os esforços para que o idioma ucraniano fosse usado.

Os líderes soviéticos negaram o Holodomor (que significa “morte por fome”, em ucraniano), recusando até mesmo a ajuda de organizações como a Cruz Vermelha, já que aceitar a ajuda seria admitir a fome. Mesmo depois que o Holodomor acabou, a URSS proibiu os funcionários públicos de reconhecerem o que aconteceu. Os líderes até encobriram um censo feito em 1937, porque os números mostravam uma gigantesca diminuição na população ucraniana. Parte da campanha de desinformação incluiu esforços de silenciamento de pessoas de fora para relatar a barbárie. As autoridades soviéticas pressionaram até os repórteres ocidentais a permanecerem em Moscou, proibindo-os de entrar na Ucrânia, em 1933. Walter Duranty, chefe do escritório de Moscou do New York Times, foi autorizado a entrar na Ucrânia, mas negou que a fome estivesse ocorrendo, depois de ter sido “patrocinado” pelo regime. (Sim, a história de hoje apenas se repete…)

Stalin e seus seguidores estavam determinados a ensinar ao povo ucraniano “uma lição que eles jamais esqueceriam”. Dezenas de milhares de líderes intelectuais, espirituais e culturais da Ucrânia foram presos, torturados e alguns submetidos a julgamentos e executados. A maioria foi enviada para campos de concentração, e não sobreviveu. Os melhores agricultores da Ucrânia e suas famílias foram banidos para territórios remotos, e milhares deles foram condenados à morte. Como resultado desse genocídio da União Soviética, cerca de 4 milhões de ucranianos morreram de fome em pouco mais de um ano. Logo após, as pessoas continuaram a viver com medo da fome e das violentas represálias do governo soviético. Esse medo viveu por gerações, especialmente com o expurgo de Stalin, em 1937 e 1938, e a ocupação nazista da Ucrânia durante a Segunda Guerra Mundial.

Vítima do Holodomor em rua da cidade ucraniana de Kharkiv, em 1932

As notícias do Holodomor tornaram-se mais amplamente conhecidas no Ocidente à medida que um grande número de imigrantes ucranianos deixava o país, para escapar da URSS após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a contínua negação soviética e a repressão de informações impactaram a identidade e a memória pública ucranianas. Os esforços contínuos para suprimir as tentativas de respeito às tradições de seu povo retardaram a capacidade da Ucrânia de seguir formando sua identidade como nação e impediram o país de processar coletiva e publicamente o trauma e a dor da perda de quase 4 milhões de pessoas. No auge do Holodomor, 28 mil homens, mulheres e crianças na Ucrânia morriam de fome todos os dias.

Essa é a digital acurada de Joseph Stalin, sanguinário, genocida e ídolo da parlamentar Jandira Feghali, do ministro da Justiça, Flávio Dino, e até do atual presidente da República, Luiz Inácio, que, numa recente coletiva sobre as invasões do 8 de janeiro em Brasília, disse: “Essas pessoas, esses vândalos, que a gente poderia chamar de nazistas fanáticos, stalinistas fanáticos… Ou melhor, de stalinistas, não… de fascistas fanáticos, fizeram o que nunca foi feito na história deste país”.

Ficamos todos estupefatos com a banalização do mal no Carnaval no Brasil, mas o evento foi apenas um fio de cabelo em um contexto bem maior. Creio que deveríamos condenar com mais veemência o fato de existir um partido comunista no Brasil, assim como jamais aceitaremos um partido nazista. Os rastros de maldade do comunismo atravessam páginas e mais páginas de livros de história, atravessam países e fronteiras e tocam em várias etnias e povos. Em comum com tantos lugares diferentes no globo, a terrível trilha de destruição e assassinatos em massa.

Flávio Dino

O ministro da Justiça, Flávio Dino (centro), posa ao lado de foliões no Carnaval de São Luís (MA) – 18/2/2023

Fiquei extremamente feliz com o feedback de muitos leitores quando disse que abordaria esse tema, até para que pudéssemos entrar em uma campanha de conversas desse porte na mesa de jantar com nossos filhos, sobrinhos e netos. Reagan, implacável contra os comunistas desde a época em que era um ator em Hollywood, sempre dizia que a “lição número 1” sobre a América era que toda grande mudança no país começava na mesa de jantar. Façamos o mesmo com os nossos herdeiros no Brasil. Pelo futuro deles.

Na semana que vem, fechando nosso papo histórico, podemos falar sobre como o comunismo se espalhou pelo mundo com o pontapé, em julho de 1921, quando, inspirado pela Revolução Russa, o Partido Comunista da China foi formado. E então o efeito cascata: de 1940 a 1979, o comunismo é estabelecido pela força ou de outra forma na Estônia, Letônia, Lituânia, Iugoslávia, Polônia, Coreia do Norte, Albânia, Bulgária, Romênia, Tchecoslováquia, Alemanha Oriental, Hungria, China, Tibete, Vietnã do Norte, Guiné, Cuba, Iêmen, Quênia, Sudão, Congo, Birmânia, Angola, Benin, Cabo Verde, Laos, Kampuchea, Madagascar, Moçambique, Vietnã do Sul, Somália, Seychelles, Afeganistão, Granada, Nicarágua e outros países que hoje têm, através de seus ditadores, laços com o atual governo do Brasil.

Deixarei algumas dicas de filmes, séries e documentários a que devemos assistir com a nossa família, para que a história e as mortes de milhões de pessoas jamais fiquem em vão.

Até nosso próximo encontro.

ANA PAULA HENKEL

O NASCIMENTO DO “IMPÉRIO DO MAL” (PRIMEIRA PARTE)

Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lenin e Josef Stalin

Na minha coluna de semana passada, resolvi trazer para a nossa resenha o descalabro da apologia ao comunismo que testemunhamos no Carnaval no Brasil. Escolas de samba homenageando a nefasta ideologia, que matou mais de 110 milhões de pessoas no mundo, e figuras como Flávio Dino, atual ministro da Justiça, usando roupas e acessórios que brindam ditadores que sustentaram regimes totalitários através do comunismo. A pergunta que fazemos hoje é o que não estão ensinando nas escolas para que nossos filhos não questionem esse grotesco enaltecimento de homens abomináveis que assassinaram milhões de homens, mulheres e crianças?

escola de samba comunismo

Escola de samba faz apologia do comunismo, durante desfile de Carnaval em Florianópolis

Em 1987, em um discurso numa convenção dedicada a melhorar a vida de crianças pelo mundo, o então presidente norte-americano, Ronald Reagan, um dos homens que bravamente lutaram contra o comunismo durante toda a sua vida, disse: “A liberdade nunca está a mais de uma geração da extinção. Nós não passamos a liberdade para nossos filhos na corrente sanguínea. Devemos lutar por ela, protegê-la e entregá-la para que façam o mesmo”. Ou seja, a liberdade não será protegida se não protegermos a história daqueles que tentarão reescrever as páginas da humanidade manchadas pela maldade e pelo sangue de milhões de mortos. Como também disse Reagan, você difere um comunista de um anticomunista entre alguém que lê Marx e Lenin e alguém que entende Marx e Lenin.

Não podemos mais esperar as escolas. Temos de tomar as rédeas do que está ficando de fora de currículos e dos debates escolares. Já a Escola de Frankfurt fez o seu trabalho como planejado, infiltrou brilhantemente a revolução marxista e o pós-modernismo onde as sementes são germinadas. O meio acadêmico – dos pequenos aos grandes – está infestado de professores doutrinadores que empurram sem pestanejar o “manual da bondade” de Marx e seus discípulos. Nossos alunos não apenas sofrem com uma verdadeira lavagem cerebral, mas são privados do conhecimento dos fatos. Faça um teste: pergunte a um jovem o que aconteceu com o Muro de Berlim. Não se surpreenda se ele apenas responder que o “muro caiu, como um celeiro velho”, sem mencionar que, na verdade, ele foi derrubado.

Então, mãos à obra. Farei a minha parte aqui na companhia de vocês. É claro que seria impossível em poucos textos mostrar todas as nuances da covarde história do comunismo no mundo. Mas também não economizarei palavras e parágrafos neste artigo – e no que será publicado na próxima semana. Aqui no JBF, jamais deixaremos que adoradores do regime mais bárbaro da humanidade apaguem o que fizeram. Honraremos o legado de líderes como Ronald Reagan, João Paulo II e Margaret Thatcher, que lutaram bravamente contra o “império do mal”, como o presidente norte-americano certa vez definiu a ideologia.

Ronald Reagan segurando a camiseta Stop Communism Central America, em South Lawn, 7/3/1986

O comunismo se espalhou durante o século 20 e foi uma parte fundamental da Guerra Fria. Mas, exatamente, o que é comunismo? Embora o significado exato possa variar de acordo com o contexto, o comunismo é uma ideologia política e econômica que geralmente busca a criação de uma sociedade “sem classes”, por meio da intervenção do Estado e do controle sobre a economia e a sociedade. Os políticos comunistas procuram assim eliminar as hierarquias tradicionais e criar uma sociedade “livre da desigualdade de classes” e da “exploração dos trabalhadores”.

Uma parte importante do DNA da história comunista é a definição de partidos: as organizações políticas formadas por comunistas em vários países buscam obter poder sobre um Estado e transformá-lo de acordo com os ideais comunistas. Uma vez no poder, os partidos comunistas reorganizam completamente o aparato do Estado, para melhor perseguir seus objetivos de engenharia social. Historicamente, os governos comunistas, por definição, criaram Estados de partido único, impedindo que indivíduos não alinhados com seus objetivos chegassem ao poder, cerceando suas liberdades, ideias e vozes. Os países comunistas também criam economias planejadas, em que o governo dita a produção em vez das leis de oferta e demanda que determinam a produção nas economias capitalistas. Esse pode ser um resumo rápido da ideologia, mas como o comunismo se desenvolveu e quais as consequências para o mundo?

Desde seu início, há mais de um século, o comunismo, que diz clamar por uma sociedade sem classes, na qual tudo seja compartilhado igualmente, passou por uma série de mudanças nos métodos revolucionários para que os objetivos fossem alcançados, mesmo em 2023. O que começou em 1917, na Rússia, se tornou uma revolução global sinistra, criando raízes em países tão distantes quanto a China e a Coreia, o Quênia e o Sudão, Cuba e Nicarágua. Lançado a partir da Revolução de Outubro, de Lenin, a ideologia se espalhou para a China, com a ascensão de Mao Zedong ao poder, e para Cuba, com a chegada de Fidel Castro. O comunismo foi a ideologia por trás de um lado da Guerra Fria e teve um declínio simbólico com a queda do Muro de Berlim, embora atualmente ele venha ganhando adeptos e defensores exatamente pela falta de conhecimento histórico.

Karl Marx e a semente do comunismo

A linha do tempo do comunismo começa a ser delineada em 21 de fevereiro de 1848, quando o filósofo alemão Karl Marx e Friedrich Engels publicaram O Manifesto Comunista, convocando uma revolta da classe trabalhadora contra o capitalismo. Seu lema, “Trabalhadores do mundo, uni-vos!”, rapidamente se tornou um grito de guerra popular. Marx e Engels pensavam no proletariado como os indivíduos com força de trabalho, e na burguesia como aqueles que possuem os meios de produção numa sociedade capitalista. O Estado sonhado por Marx e Engels passaria por uma fase, muitas vezes considerada como um socialismo, para, finalmente, estabelecer-se em uma sociedade comunista pura. Nessa sociedade, toda propriedade privada seria abolida, e os meios de produção pertenceriam a todos. No movimento comunista, a espinha dorsal da ideologia sustenta que todos produzem de acordo com suas habilidades e recebem de acordo com suas necessidades (sim, a utopia é chocante!). Assim, as necessidades de uma sociedade seriam colocadas acima e além das necessidades específicas de um indivíduo. Não, não é o indivíduo que determina suas necessidades.

Capa da primeira publicação do Manifesto Comunista, em fevereiro de 1848, em Londres

Embora o manifesto delineasse alguns requisitos básicos para uma sociedade comunista, o nefasto manual era amplamente analítico – do ponto de vista de Marx – dos eventos históricos que levaram à sua necessidade. Ali, eram sugeridos os objetivos finais do sistema, mas não fornecia instruções concretas para se estabelecer um governo comunista. Embora Marx tenha morrido bem antes de um governo testar suas teorias, sua obra, em conjunto com uma crescente classe trabalhadora descontente em toda a Europa, influenciou imediatamente os trabalhadores industriais revolucionários em todo o continente, no que acabou resultando em um movimento trabalhista internacional.

Conforme imaginado por Marx, o comunismo deveria ser um movimento global, inspirando e acelerando inevitáveis revoluções da classe trabalhadora em todo o mundo capitalista. Embora o livro ainda não tivesse sido publicado, essas revoluções já haviam começado, no início de 1848, na França. A nova classe trabalhadora urbana que vivia e trabalhava em condições terríveis por toda a Europa havia se cansado de sua vida de miséria ao ver os cidadãos de classe alta, os burgueses, como Marx os rotulou no Manifesto, vivendo uma vida de luxo. As ideias e os objetivos do comunismo atraíram fortemente os revolucionários, mesmo depois do colapso das revoluções de 1848. Nas décadas seguintes, trabalhadores e camponeses fartos da classe baixa mantiveram-se firmes no legado dos revolucionários de 1848 e na ideologia comunista, esperando o momento certo para capitalizar.

Karl Marx, em 1875

Para entendermos todo o macabro quebra-cabeça do comunismo, precisamos voltar um pouco no tempo e visitar alguns eventos e personagens que compõem os pilares da injusta ideologia defendida pelo atual ministro da Justiça no Brasil.

A queda do império russo

A Revolução Industrial ganhou uma posição na Rússia muito mais tarde do que na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Quando finalmente ela tomou corpo, por volta da virada do século 20, trouxe imensas mudanças sociais e políticas. Entre 1890 e 1910, por exemplo, a população das principais cidades russas, como São Petersburgo e Moscou, quase dobrou, resultando em superlotação e condições de vida miseráveis para uma nova classe de trabalhadores industriais russos.

Um crescimento populacional sem precedentes no fim do século 19 (devido ao clima do norte da Rússia e a uma série de guerras caras, como a Guerra da Crimeia) criou severa escassez de alimentos em todo o vasto império. Além disso, estima-se que uma grande fome, em 1891-1892, tenha matado até 400 mil russos. A devastadora Guerra Russo-Japonesa, de 1904-1905, enfraqueceu ainda mais a Rússia e a posição do governante Czar Nicolau II. O país sofreu pesadas perdas de soldados, navios, dinheiro e prestígio internacional na guerra que acabou perdendo.

Muitos russos instruídos e estudiosos, observando o progresso social e o avanço científico na Europa Ocidental e na América do Norte, defendiam a ideia de que o crescimento na Rússia estava sendo prejudicado pelo governo monárquico dos czares e pelos apoiadores do czar na classe aristocrática. Logo, grandes protestos de trabalhadores russos contra a monarquia levaram ao massacre do Domingo Sangrento de 1905. Centenas de manifestantes desarmados foram mortos ou feridos pelas tropas do czar, e o massacre desencadeou a Revolução Russa de 1905, durante a qual trabalhadores furiosos responderam com uma série de greves em todo o país. Trabalhadores agrícolas e soldados se juntaram à causa, levando à criação de conselhos dominados pelos trabalhadores: os “soviets”.

Multidão enfrentando soldados armados em São Petersburgo, evento que levou à Revolução de 1905, na Rússia

Após o derramamento de sangue de 1905 e a derrota humilhante da Rússia na Guerra Russo-Japonesa, o Czar Nicolau II prometeu maior liberdade de expressão e a formação de uma assembleia representativa para trabalhar em prol de uma reforma. Veio então a Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, e a Rússia entrou no conflito para apoiar os sérvios e seus aliados franceses e britânicos. No entanto, o envolvimento na guerra logo seria desastroso para o Império Russo. Militarmente, a Rússia imperial não era páreo para a Alemanha industrializada, e as baixas foram maiores do que as sofridas por qualquer nação em qualquer guerra anterior. A escassez de alimentos e combustível atormentava a Rússia, enquanto a inflação explodia. A economia, já enfraquecida, foi irremediavelmente chacoalhada pelo dispendioso esforço de guerra.

Diante de imensa instabilidade política, econômica e social, os moderados logo se juntaram aos elementos radicais russos para pedir a derrubada do czar. O caldeirão, prestes a explodir, borbulhava agora sem controle.

Vladimir Lenin

O revolucionário mais adorado pela esquerda no Brasil foi o fundador do Partido Comunista Russo (os Bolcheviques) e líder da Revolução de 1917. Ele também foi o arquiteto, construtor e primeiro chefe do Estado Soviético (1917-1924), além de fundador da organização conhecida como Comintern – a Internacional Comunista -, fonte póstuma do “leninismo”, a doutrina codificada e conjugada com as obras de Karl Marx pelos sucessores de Lenin para formar o marxismo-leninismo, que se tornou a cosmovisão comunista.

Vladimir Lenin, em 1920

Até 1917, todos os socialistas revolucionários acreditavam corretamente, escreveu Lenin, que uma república parlamentar poderia servir tanto a um sistema socialista quanto a um sistema capitalista. Mas a Revolução Russa trouxe algo novo, os soviéticos. Uma vez que Parlamentos pelo mundo excluíam trabalhadores e camponeses, os soviéticos ultrapassaram todas as fronteiras de um real Parlamento democrático e criaram seu próprio sistema, apenas com operários, soldados e camponeses – excluindo as classes com propriedades e empregadoras. A escolha diante da Rússia no início de setembro de 1917, na visão de Lenin, estava entre uma república soviética – uma ditadura da maioria sem propriedade – ou uma república parlamentar, como ele a via – uma ditadura da minoria proprietária.

A Revolução Russa de 1917 foi um dos eventos políticos mais dramáticos e violentos do século 20, que marcou o fim da dinastia Romanov e séculos de domínio imperial russo. Vladimir Lenin não apenas tomou o poder, mas destruiu a tradição do regime czarista. Os bolcheviques mais tarde se tornariam o Partido Comunista da União Soviética, levantando o grito de ordem: “Todo o poder aos soviéticos!”.

1917 e os Bolcheviques

A tensão com a fome nacional e a perda de vidas humanas como resultado da Primeira Guerra Mundial foram exacerbadas. Manifestantes clamando por comida foram às ruas de Petrogrado (nome da cidade de São Petersburgo, de 1914 a 1924) e, apoiados por grandes multidões de trabalhadores industriais em greve, eles entraram em confronto com a polícia. Mesmo assim, se recusaram a deixar as ruas. Tropas da guarnição do Exército de Petrogrado foram convocadas para reprimir o levante. Bastaram poucos confrontos para que regimentos abrissem fogo, matando muitos manifestantes. Vários soldados, no entanto, não seguiram as ordens do czar e decidiram desertar, para protestar em solidariedade aos trabalhadores.

As constantes greves e tumultos por causa da escassez de alimentos, em março de 1917, forçaram a abdicação do inepto Czar Nicolau II, encerrando séculos de governo imperial. A Rússia ficou sob o comando de um Governo Provisório, que se opôs à reforma social violenta e continuou o envolvimento russo na Primeira Guerra Mundial. Mas Lenin tinha outros planos e começou a desenhar a derrubada do Governo Provisório. Para ele, aquele Estado de governo era apenas uma “ditadura da burguesia” e, em vez disso, defendeu o governo direto dos trabalhadores e camponeses, em uma “ditadura do proletariado”.

No outono de 1917, os russos, ainda mais cansados da guerra, exigiam mudanças imediatas no que ficou conhecido como a Revolução de Outubro. Lenin, ciente do vácuo de liderança que assolava a Rússia, decidiu tomar o poder e secretamente organizou trabalhadores de fábricas, camponeses, soldados e marinheiros em uma força paramilitar voluntária. Em 7 e 8 de novembro de 1917, os Guardas Vermelhos capturaram os prédios do Governo Provisório num golpe de Estado sem derramamento de sangue.

Vladimir Lenin, em 1917, chega a São Petersburgo, desencadeando a Revolução de Outubro

Os bolcheviques tomaram o poder, ocuparam prédios do governo e outros locais estratégicos em Petrogrado e logo formaram um novo governo, com Lenin como chefe, proclamando assim o domínio soviético. Lenin se tornou o líder do primeiro Estado comunista do mundo e estabeleceu que um governo soviético seria conduzido diretamente por conselhos de soldados, camponeses e trabalhadores. Os líderes bolcheviques se nomearam para muitos altos cargos e começaram a implementar as práticas comunistas baseadas na ideologia de Karl Marx. Assim, o comunismo foi adotado – e adorado – em toda a sua vil totalidade na Rússia, estabelecendo o início do que se tornaria o “império do mal”, de acordo com Ronald Reagan.

A Revolução Bolchevique mergulhou a Rússia em uma guerra civil de três anos. O Exército Vermelho – apoiado pelo recém-formado Partido Comunista Russo, de Lenin – lutou contra o Exército Branco, uma coalizão frouxa de monarquistas, capitalistas e apoiadores do socialismo democrático. Durante esse tempo, Lenin promulgou uma série de políticas econômicas, apelidadas de “comunismo de guerra”. Estas foram medidas temporárias para ajudar Lenin a consolidar o poder e derrotar o Exército Branco. Sob o comunismo de guerra, Lenin rapidamente nacionalizou toda a manufatura e a indústria em toda a Rússia soviética, até confiscando grãos excedentes de camponeses para alimentar seu Exército Vermelho.

Não demorou muito para que essas medidas, claro, se mostrassem desastrosas. Sob a nova economia estatal, tanto a produção industrial quanto a agrícola despencaram, e o ciclo virtuoso de trabalho livre e produção foi destruído. Estima-se que 5 milhões de russos morreram de fome em 1921, e os padrões de vida em todo o país mergulharam em uma pobreza histórica, trazendo agitações sociais em massa que balançaram o governo soviético. Como resultado, Lenin instituiu sua Nova Política Econômica, um recuo temporário da nacionalização completa do “comunismo de guerra”. A Nova Política Econômica criou um sistema econômico mais orientado para o mercado, “um livre mercado e capitalismo”, mas onde tudo era 100% sujeito ao controle do Estado.

Para os Romanovs, a família imperial que governou a Rússia por 300 anos, o destino foi selado de maneira trágica. Os bolcheviques esconderam toda a família em uma casa na cidade de Yekaterinburg, nas encostas dos Montes Urais, durante meses, enquanto ainda lutavam contra alguns dissidentes da revolução. A família esperava que os bolcheviques os mandassem mais tarde para outro país, ou que Exército Branco, que ainda lutava contra as garras de Lenin nas encostas, tomasse conta da cidade e os libertasse. Temendo que o Exército Branco libertasse o czar, o comando bolchevique local, com a aprovação de Lenin, decidiu matar o czar e toda a sua família. Nas primeiras horas da manhã de 17 de julho de 1918, o czar deposto, sua esposa, Alexandra, e seus filhos, Olga, Tatiana, Maria, Anastasia e Alexei, foram executados pelos bolcheviques.

(Há uma série espetacular na Netflix chamada Os Últimos CzaresThe Last Czars, 2019.)

Série Os Últimos Czares

Em nosso próximo encontro aqui no JBF, na segunda parte de uma breve série sobre o comunismo, visitaremos como as sementes do “império do mal” germinaram e se alastraram pelo mundo, espalhando terror e morte por terras devastadas por ditadores e líderes comunistas.

ANA PAULA HENKEL

UMA FESTA SEM MÁSCARAS E SEM VERGONHA

Flávio Dino fantasiado de comunista em bloco no Carnaval

No best-seller O Lado Certo da História, o escritor e jornalista norte-americano Ben Shapiro dedica um capítulo inteiro aos avanços da humanidade e como as nações e as sociedades se desenvolveram ao longo do tempo, podendo hoje desfrutar de vasta prosperidade material e liberdade individual. A obra traz um extenso passeio pela filosofia, pela religião e pelo pensamento político, mostrando como a receita de liberdade de ideias, expressão e economia é um dos pilares do sucesso para a sustentação de nações férteis. O livro também traz relevantes dados e estatísticas que mapeiam de maneira clara como as nações criadas e mantidas na ideia de liberdade individual, mas também estabelecidas em um ambiente moral definido, são as mais prósperas do mundo. Mesmo diante dos imensos progressos alcançados na humanidade, possíveis apenas através da liberdade pelo conhecimento, nunca se viu tanta histeria como a promovida pelas novas gerações, em que tudo é problema, como se vivessem num antro de opressão global. Nunca na história fomos tão livres para criar, empreender, progredir, ter. E reclamar.

Diante de imensas e inúmeras possibilidades para aprender, entender e crescer intelectualmente, o que leva alguém ou um grupo de pessoas a defenderem e enaltecerem o comunismo em 2023? Tudo, absolutamente tudo, que precisamos saber para que esse regime nefasto seja varrido para o lixo da história está disponível em milhões de páginas de livros de história e em milhares de horas gravadas em centenas de canais pelo YouTube. Enquanto os filhotes do comunismo no Brasil e no mundo escondem as verdadeiras vísceras desse monstro, muitos, infelizmente, nem sequer sabem que estamos em meio a uma época revolucionária. As instituições e grande parte da sociedade, em uma espécie de transe, estão sendo absorvidas não apenas pelo aparato do que foi chamado por Ronald Reagan de “império do mal”, mas por uma série de tentáculos desse fantasma que buscam destruí-las.

Durante o Carnaval por todo o Brasil nesta semana, havia blocos que enalteciam o regime que matou mais de 110 milhões de pessoas no mundo. Foliões que registraram em redes sociais suas fanfarronices e fantasias vermelhas com o símbolo da foice e do martelo no peito ou no boné. A escola de samba Protegidos da Princesa, de Florianópolis, foi para o seu desfile fazendo apologia ao comunismo e homenageando o extremista de esquerda Luís Carlos Prestes, chamando-o de “cavaleiro da esperança”. Na década de 1930, Prestes foi um militante comunista que, a convite do governo soviético, se mudou para Moscou, para imergir de maneira mais direta nas páginas do manual marxista-leninista, para que ele pudesse criar asas na América do Sul. Os soviéticos também pressionaram o Partido Comunista do Brasil para que aceitasse a adesão do “cavaleiro da esperança”, com o intuito de ter Prestes como um dos líderes para comandar uma revolução comunista no Brasil. O “herói” da escola de samba Protegidos da Princesa (ah… a ironia!) trabalhou detalhadamente para que a ditadura do proletariado fosse estabelecida no Brasil.

As imagens da bizarra homenagem ao comunismo geraram revolta nas redes sociais para aqueles que sabem o que significa toda essa bizarrice, e o tema entrou nos Trending Topics. Ao longo da performance da escola de samba, os príncipes e as princesas do Carnaval de Florianópolis cantavam uma música contra a censura, sem sequer mencionar que ela existe em regimes totalitários de extrema esquerda, sob o falso manto da bondade do comunismo e da tolerância.

Diante de tantas possibilidades de aprendizado hoje em dia, com a tecnologia que revela a verdade e os fatos históricos, diante de tantas informações que podem ser checadas em um segundo na palma de nossas mãos, por que ainda testemunhamos essa estupidez apologética ao comunismo?

Não pensem que isso é uma tendência ignorante do brasileiro. Durante décadas, especialmente durante a Guerra Fria, os norte-americanos mantiveram uma visão amplamente negativa do comunismo e do socialismo e precisavam de pouco estímulo para falar contra essas ideologias. Mas isso mudou. Em 2019, um estudo da YouGov, uma empresa de pesquisa e dados reconhecida internacionalmente, mostrou que a ideia a favor do comunismo e do socialismo nos Estados Unidos está aumentando entre os millennials. Os números falam por si: um em cada três millennials é a favor do comunismo; até 70% provavelmente votariam em um candidato socialista para qualquer eleição; e apenas 57% acreditavam que a Declaração de Independência dos Estados Unidos garante “liberdade e igualdade” melhor do que o Manifesto Comunista. Outra descoberta da pesquisa observou que 66% dos norte-americanos não conseguiam definir corretamente o socialismo.

Essas descobertas compõem mais um relatório anual do YouGov sobre a favorabilidade pública ao comunismo e levaram em consideração as respostas de 2,1 mil entrevistados. O projeto foi encomendado pela Fundação Memorial das Vítimas do Comunismo, uma organização que visa a educar uma nova geração sobre a ideologia, a história e o legado do comunismo. Marion Smith, diretor-executivo da fundação, acha os resultados perturbadores (quem não acharia!), afinal, o comunismo e o socialismo têm uma história assassina. Mas Smith não está exatamente surpreso com os números: “Há uma normalização do termo ‘socialismo’. Isso aponta para a necessidade de educação e uma conversa honesta sobre o assunto”. Smith diz que há alguma sobreposição entre o número de pessoas que estariam dispostas a votar a favor de ideias socialistas e o número de pessoas que não sabem o que elas representam. Em outras palavras, alguns millennials parecem pensar que o socialismo é uma boa ideia.

Marion Smith

É claro que todas as crenças dessas pessoas entre 18 e 30 e poucos anos não vieram do nada. Eles passaram o primeiro terço de suas vidas em um sistema de educação – com a ajuda de bombardeios maciços da imprensa – que prefere ensinar sobre autoestima e “palavras que machucam” a ensinar história. Muitos cursos de história descartaram ou parafrasearam muito como e por que a União Soviética entrou em colapso, e as grandes diferenças entre viver sob um sistema de livre empresa e sobreviver durante a Guerra Fria, quando o socialismo atingiu o pico e o contraste parecia preto e branco.

Uma outra pesquisa mais antiga do grupo, de 2016, é ainda mais estarrecedora: 1 em cada 4 norte-americanos (26%) e um terço da geração de millennials (32%) acreditam que mais pessoas foram mortas sob George W. Bush do que sob Joseph Stalin. Apesar de abraçar as ideologias que os líderes comunistas representam, muitos millennials não estão sequer familiarizados com os líderes comunistas: 42% reconheceram Mao Zedong; 40% Che Guevara; 33% Vladimir Lenin; e apenas 18% Joseph Stalin. Daqueles que estão familiarizados com Lenin, 25% o veem favoravelmente. Em vez de ser responsável por fundar uma ditadura totalitária que assassinou milhões de pessoas e promoveu brutos abusos dos direitos humanos, eles acham que ele foi apenas um defensor da classe trabalhadora.

Vladimir Lenin, á esquerda, ao lado de Joseph Stalin (1922)

Há mais de cem anos o mundo testemunhou a Revolução Bolchevique na Rússia. Há muitas razões para continuarmos refletindo sobre o legado do comunismo. Desde que Vladimir Lenin derrubou a nascente democracia parlamentar da Rússia, em 1917, para estabelecer uma ditadura brutal, muitas outras nações caíram na isca do comunismo, muitas vezes rotulado de apenas socialismo. O comunismo promete igualdade, mas oferece escassez para todos, exceto para as elites em seu aparato. Ele lança a justiça social como promessa certa de ser cumprida e oferece escravização em massa, miséria generalizada, desconfiança social e punição severa para todos os que possam discordar. Vimos esses fenômenos acontecerem em todo o mundo, na China, na Coréia do Norte, no Sudeste Asiático, na Europa Oriental pós-Segunda Guerra Mundial, em Cuba, na América Central e talvez mais notavelmente visíveis hoje na fome e no caos de nossos vizinhos na Venezuela.

Não custa enaltecer a importância de sempre repetirmos para nossos herdeiros, independentemente da idade: durante o século 20, os regimes comunistas assassinaram mais de 110 MILHÕES DE PESSOAS. Esse tipo de crueldade espantosa está na própria natureza da besta chamada comunismo. Acontece quando muito poder se concentra nas mãos de poucas pessoas e esse ciclo sempre se repete. Repita para filhos e netos, para que nosso alerta seja constante – mais de cento e dez milhões de pessoas foram mortas pelo comunismo no mundo. Os mais de cem anos de comunismo alcançaram quatro principais resultados para as pessoas que sofreram sob ele: pobreza, opressão, guerra e morte em massa. Mostre para as crianças, sem medo do choque, o contraste entre países tomados pelos comunistas; da China e Rússia a Cuba e Venezuela. Ou eles mergulharam da relativa prosperidade para a fome, ou se isolaram por décadas da crescente prosperidade dos países capitalistas — muitas vezes bem ao lado, desfrutando dos mesmos benefícios geográficos e culturais. Mostre o contraste entre Berlim Oriental e Ocidental, entre Cuba e Chile, entre a China continental e Hong Kong, entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. O comunismo também alimentou dezenas de guerras civis brutais e insurreições em todo o mundo. Há uma lista de países sinônimos de guerras quase sem fim durante o fim do século 20: Vietnã, Camboja, Angola, El Salvador, Afeganistão… e todos com uma grande coisa em comum, o comunismo. O fim da Guerra Fria viu a maior queda no número de guerras e mortes por guerra desde o fim da Segunda Guerra Mundial, junto com a criação de dezenas de novas democracias. Acima de tudo, a história do comunismo é uma história de horrores em grande escala: o terror da fome na Ucrânia, os julgamentos e gulags de Stalin, a fome em massa do Grande Salto Adiante da China, seguido pelo terror anárquico da Revolução Cultural no Camboja.

Queda do Muro de Berlim, em 1989

Não podemos relativizar o mal e não podemos deixar que ele venha travestido de “inocência carnalvalesca”. Uma foto de 2019 do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, fazendo o símbolo do comunismo, também viralizou nesta semana na internet. A fantasia do então governador do Maranhão pelo PCdoB era composta de um boné verde com estrela vermelha, igual ao do Exército de Cuba, e uma foice e um martelo nas mãos. O atual ministro da Justiça tem em seus planos como chefe nacional da segurança pública desarmar a população responsável, que tem suas armas registradas, e também a criação de um “Ministério da Verdade Orwelliano” para chamar de seu, em que ele e seus asseclas decidirão o que é verdade e o que é mentira, o que pode ser falado ou não. Talvez seja apenas coincidência seu apreço pelo comunismo.

O Muro de Berlim caiu, em 1989, mas o comunismo, não. Mais de cem anos após a Revolução Bolchevique, um quinto da população mundial ainda vive sob regimes comunistas de partido único na China, em Cuba, na Coreia do Norte, no Vietnã, na Venezuela, na Nicarágua e em outras ditaduras africanas. O comunismo promete tornar todos iguais, mas oferece uma desigualdade radical, imposição da censura e uma lista de atrocidades que nunca são implementadas da noite para o dia. Cada vez que é tentado, termina em colapso econômico ou em Estado policialesco.

O ministro da Justiça, Flávio Dino (centro), posa ao lado de foliões, no Carnaval de São Luís (MA) – 18/02/2023

A política de identidade, as táticas segregacionistas e que promovem divisões na sociedade, o domínio das massas e a censura imposta por plataformas digitais e pelo Judiciário hoje são as mesmas ferramentas, apenas atualizadas, que os regimes comunistas sempre usaram para impor seus esquemas utópicos. Se mais e mais pessoas reconhecessem a ideologia como a perversão assassina que ela é e entendessem como suas ferramentas abrem caminho para a verdadeira opressão, estaríamos mais vigilantes. Mas como podemos construir essa consciência se a educação é a base da sociedade e ela está desmoronando?

Quando as escolas substituem Deus e os fatos históricos por lugares seguros e autoestima pela autorização de que o governo trará segurança sem questionamentos, produzimos uma geração de adultos com pouca perspectiva histórica e ignorância geral do mundo. Não esperem mais nada das escolas, por melhores que elas sejam. Eduquem seus filhos e netos sobre o que – de fato – foi e ainda é o grande mal da humanidade.

Na próxima semana, escreverei sobre algumas obscuras e bárbaras páginas do comunismo na história, para que possamos sentar e mostrar aos nossos filhos os perigos do império do mal, que, de tempos em tempos, se traveste de bondade para ludibriar os desavisados e jovens sonhadores. É preciso mostrar para a futura geração – com todas as letras e imagens – que os atuais filhotes do comunismo tentarão apagar ou redesenhar o passado, como mandam seus manuais de lavagem cerebral, nem que para isso usem a tradição da folia do Carnaval.

Até lá.