Meu curso ginasial, incluindo a “Admissão ao Ginásio” (sou daquela época), foi feito na Escola Agrícola Gustavo Dutra em São Vicente, a 90 quilômetros de Cuiabá, hoje Instituto Federal de Mato Grosso, entre 1955 e 1959.
Um de meus colegas se chamava Silvio, e era conhecido por Carreupa, apelido de origem incerta e não sabida, mas que tampouco o desagradava.
Carreupa era proprietário de 237 neurônios no total, o bastante para aprender os ensinamentos escolares em nível suficiente para passar de ano. Índio grosso, era, entretanto, um amigão sempre disposto a ajudar, sorridente, nunca reclamava de nada e mantinha um espírito alegre e positivo.
Quando terminou o curso ginasial resolveu seguir seus estudos e foi encaminhado, como todos nós de São Vicente, ao Colégio Agrícola Nilo Peçanha em Pinheiral, Estado do Rio (hoje Instituto Federal do Rio de Janeiro), igualmente sob a administração do Ministério da Agricultura.
Fui aluno desse Colégio Agrícola de 1960 a 1962, onde tive um dos períodos mais felizes de minha juventude.
Pinheiral fica junto aos trilhos da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil, entre Volta Redonda e Barra do Piraí, não sendo ponto de parada da maioria dos trens de passageiros com destino ao Rio de Janeiro. Somente uns poucos trens de subúrbio com destino a Japeri paravam em Pinheiral. Não havia serviço regular de ônibus naquela época. A estação de trem de Pinheiral foi desativada há muitos anos atrás.
A antiga estação de trem de Pinheiral, RJ
Meu querido amigo Carreupa veio de Cuiabá a São Paulo de ônibus e de ônibus continuou até Volta Redonda, quando foi informado que teria que tomar um trem para Pinheiral. E agora, como se faz para tomar um trem? Como é isso?
Com as informações obtidas, comprou uma passagem de trem até Pinheiral e ficou na plataforma apropriada esperando a próxima composição.
Acontece que o próximo a estacionar na plataforma foi um trem de minério de ferro que havia acabado de desembarcar sua carga na Usina Siderúrgica da CSN em Volta Redonda e estava voltando para Minas Gerais. Teve que parar na estação por alguns minutos esperando luz verde para seguir na rota.
Carreupa viu o trem parado e não titubeou. Achou que esse era o seu trem. Jogou sua mala no vagão de minério parado à sua frente e pulou para dentro dele em seguida.
Ora, se há alguma coisa neste mundo que está cheia de pó de ferro é um vagão de minério do mesmo. E o nosso Carreupa, oitavado num canto do vagão, recebeu toda a carga de pó de minério no rosto, braços, cabelos, roupa, sapatos, mala e em tudo o mais que fazia parte de sua figura. Com o trem em movimento e dentro de um vagão aberto, o vento se encarregou de impregnar esse pó em todos os milímetros quadrados do Carreupa e de seus pertences.
Na próxima parada da composição Carreupa leu a placa com o nome da estação: “PINHEIRAL”.
– Oba, é aqui que eu desço.
Pegou sua mala, pulou do vagão e ei-lo chegando em Pinheiral mais preto que bunda de nigeriano, coberto de uma camada de 3 milímetros de pó de minério de ferro, somente com o sorriso branco estampado na negra figura, e reclamando do serviço:
– Esse troço só pode ser obra do cão. Não existe viagem mais miserável no mundo do que nesse tal de trem. Deus me livre de viajar nessa porcaria de novo!