Galo da Madrugada, símbolo do carnaval de rua
Felizes daqueles que viveram os carnavais dos anos 50. Eram folias típicas de nossa gente, dos nossos costumes, cujas características não eram importadas de outros estados.
O frevo passava a imperar nas ruas, as orquestras de metais circulavam a pé. As pessoas fantasiadas representavam o espetáculo. Era o Náutico nas ruas!
Os blocos daqueles anos cumprimentavam as famílias fazendo malabarismos com seus estandartes, em honra dos seus habitantes beneméritos. O povão cantava músicas de nossos carnavalescos sob o ritmo alucinante dos frevos-canção gravados por Claudionor Germano, Expedito Baracho, Maves Gama e Mimi Castilho.
Desses inúmeros blocos falo do “Timbu Coroado”, a representação carnavalesca dos apreciadores do Clube Náutico Capibaribe.
Logo às 6h da manhã a sede do clube era tomada por famílias inteiras, vestidas com fantasias onde predominavam as cores do clube. Às 10 h a turma se arrumava no portão do estádio, por onde sairia para tomar as ruas do bairro dos Aflitos. Um mar de gente!
As músicas entoavam o hino do bloco, comemorando mais uma apresentação carnavalesca. E entoava a célebre música de Nelson Ferreira:´
O nosso bloco
É mesmo de verdade
É o timbu, é o timbu coroado
De manhanzinha já está acordado
É o timbu, é o timbu coroado.
Os que nasceram nas décadas distantes dão-se por felizes em ter visto e participado, na sua juventude, dos famosos “carnavais de rua”, os quais eram realmente esplêndidos.
Hoje os cronistas registram alterações profundas. As pessoas são concentradas para ver espetáculos de cantores de vários estados, contratados a peso de ouro, para cantar músicas de diversos ritmos.
Todas apreciando os shows de pé, paradas num só lugar, apenas “remexendo os quartos”. Enquanto isso nosso ritmo típico – o frevo – vai se perdendo no destrambelhamento dos novos modelos “baianados”: os Polos de Carnaval.
Residindo atualmente no Caxangá, proximidades do “Polo Carnavalesco da Várzea”, bairro da cidade do Recife, sinto-me frustrado.
Na semana pré-carnavalesca vejo e escuto “horrores musicais” desde que inventaram a moda do “Carnaval Multicultural”. Vejo-me perplexo e até revoltado pelo que sou forçado a ver e ouvir, de minha varanda.
Músicas de sons e letras estranhos à nossa cultura carnavalesca tradicional. Uma zuadeira infame emitida pelos “carros-de-som” e gritos de pessoas que parecem estar pedindo socorro.
Muitas carretas, adaptadas para serem palcos completos, estacionam atravessadas na rua. Ali se apinham cantores e músicos. O som é infernizante. Estremece até as ruas mais distantes.
Não há respeito a um bairro que é residencial. Não se aplica nenhuma norma disciplinante do silêncio, mesmo estando nas proximidades de hospitais e sendo o local um bairro tipicamente residencial. Além de ser ainda o domingo anterior ao carnaval oficial.
Um pânico geral para quem não está no furdunço! Fechando as ruas pelos longos veículos que transportam as equipagens de som, cantores e orquestra, muitos foliões se comprimem.
Não fazem o passo. Rebolam e cantam em dialetos inaudíveis, misturando o chamado “estilo brega” completado pela “swingueira”, pagode e outras denominações mal inventadas.
O meu carnaval percorria as ruas do centro da cidade, onde só havia casas de comércio. Só se iniciava nas noites destinadas ao reinado de Momo. Não fazia essa zuadeira de hoje. Cantava lindas músicas.
Hoje avacalharam o carnaval, inventando essa moda esdrúxula de Polos diversificados, estuprando o direito ao silêncio dos moradores.
Foram-se os tempos em que pelo Rádio, semanas antes do carnaval, se ouvia gravações com as vozes de cantores carnavalescos e logo decorávamos algumas músicas, para alegria geral das ruas nos dias exclusivos da festança de rua.
Os blocos familiares tomavam conta das ruas dos bairros, durante o dia.
Participante de tantos anos “balançando meu esqueleto” com a turma alvi-rubra, sou historiador dos fatos.
Logo que saia dos Aflitos, a turma do “Timbu Coroado” ia cumprimentando, com seu estandarte, as casas de diretores e torcedores do Náutico, situadas nas ruas adjacentes.
Depois, a convite de meu tio Sebastião Carvalho, a diretoria do bloco visitava sua casa, na Boa Vista, sendo recebida com “Bate-bate”, (o aperitivo da época) e água para os foliões. Era a hora do repouso e refrigério após uma andada de cinco quilômetros dos Aflitos até aquele bairro.
E haja disposição física! Os participantes acompanhando as orquestras, cantavam animadíssimos, continuando a desfilar pelas ruas da Boa Vista, todos frevando, até chegar à apoteose, na Praça da Independência, onde a multidão de “fanáuticos” se dissipava.
As minhas saudades são justificadas porque saíamos de casa como se para um desfile fosse: já fantasiados. Famílias inteiras participavam dos grupos de colombinas, pierrôs e arlequins, vibrando suas castanholas. De cada casa iam saindo mais foliões para aumentar o fluxo do “Timbu Coroado”.
Nas ruas dos bairros por onde ia o bloco passando, os moradores ficavam sentados em cadeiras nas calçadas para apreciar os desfilantes fantasiados, que pareciam concorrer entre si. As orquestras de metais, se movimentavam a pé, puxando os cordões de foliões. O frevo imperava em todos os momentos!
Não se dava vez às esquisitices de outros lugares, impróprias para nossa cultura. Hoje, porém, me sinto um velho pierrô, ainda apaixonado pela colombina imaginária com quem frevei uma única vez, na Rua Nova.
Mas tudo é apenas saudade dos carnavais de 1950!