ARISTEU BEZERRA - CULTURA POPULAR

Luís da Câmara Cascudo (1898 – 1986) foi um folclorista, historiador, antropólogo, advogado e jornalista brasileiro. Pertencente a uma rica família potiguar, Câmara Cascudo tornou-se talvez o mais importante pesquisador da etnografia e do folclore brasileiro. Ele viveu quase toda sua vida no Rio Grande do Norte . Lia, recebia visita e escrevia muito. Em suas viagens, fazia amigos e ouvia histórias. Trocava correspondências com bastante frequência.

Exerceu várias profissões públicas, entre as quais professor, diretor de escola, secretário do Tribunal de Justiça e consultor jurídico do estado. Iniciou o curso de medicina, mas desistiu deste e acabou por se formar em Direito na velha Faculdade do Recife. Ao desejar ser jornalista, seu pai, um homem rico, instalou o jornal “A Imprensa” para seu filho, que neste mantinha uma coluna chamada de “Bric-A-Brac”, onde escrevia observações sobre a gente e a cena cultural de Natal. Iria colaborar, posteriormente, em vários outros jornais de capitais brasileiras, em especial no Recife.

Por ser um homem muito querido, Cascudo era constantemente abordado por pessoas, seja por escrito ou ao pé do ouvido, e acabava sendo um constante receptor de informações de toda a sorte, incluindo o relato de causos que embalaram o sono ou provocaram o susto em várias gerações. Como historiador, enriqueceu a sua obra com pesquisa sobre o homem no Brasil, deixando um precioso legado repleto de referências da sabedoria popular e da cultura brasileira. É notável que tenha obtido reconhecimento nacional e internacional publicando e vivendo distante dos centros Rio de Janeiro e São Paulo.

Uma pequena amostra do bom humor e do pensamento desse cientista social, responsável por disciplinar o conhecimento popular enquanto ciência:

“Faço questão de ser tratado por esse vocábulo que tanto amei: professor. Os jornais, na melhor ou na pior das intenções, me chamam folclorista. Folclorista é a puta que os pariu. Eu sou um professor. Até hoje a minha casa é cheia de rapazes me perguntando, me consultando.

“Domingo, 21 de abril, 39º aniversário do meu casamento. Ao despertar, a noiva de 1929 desaparecera. Fora assistir missa à missa na capela do Hospital. De regresso, beijos, abraços, congratulações. Dália declara não estar arrependida e me confesso capaz de reincidência com a mesma vítima.”

“Não se assombre, em Natal eu sou o único pecador profissional. Os outros são amadores.”

“Pescador é profissional do mutismo; deve ficar silencioso dentro da selvagem musicalidade do mar.”

“Quem não tiver debaixo dos pés da alma, a areias de sua terra, não resiste aos atritos da sua viagem na vida, acaba incolor, inodoro e insípido, parecido com todos.

“Comer de pé é modalidade de pasto, indispensável, justo, mas não humano, não natural, não social.”

“Meu pai dizia que a rede fazia parte da família. A rede colabora no movimento dos sonhos.”

“É o cinema em casa, o mundo em casa. É o tapete mágico de Aladim, em que você viaja sem sair do lugar. Tem função deturpadora, e não orientadora ou elevadora. Mas para os velhos surdos, meio cegos e jumentos como eu, aos 83 anos, é a vida. Para quem não chega á janela, não lê jornais como eu, a televisão é minha vida, a minha viagem.”

“Sou um homem mais de fé do que de culto. Posso recusar a extrema-unção, vou me entender pessoalmente com Deus.”

“O Piauí lembra um estômago cujo o piloro está voltado para cima e cai no Atlântico.”

“Vivi no sertão típico, agora desaparecido. A luz elétrica não aparecera. O gramafone era um deslumbramento. O velho João de Holanda, de Caiana, perto de Augusto Severo, ajoelhou-se no meio da estrada e confessou aos berros, todos os pecados, quando avistou, ao pôr do sol, o primeiro automóvel.”

“Amigo? É um parente por vocação. Parente? É um amigo por obrigação. O verdadeiro parentesco é aquele que você elege pelo afeto.”

“Sou um homem que não desanimou de viver e acho a vida cheia de encantos.”

“Foi apresentado a um figurão da diplomacia, no Itamaraty.

– Luís da Câmara Cascudo, Câmara Cascudo… parece que já ouvi falar no seu nome.

– O senhor é muito mais feliz do que eu. Estou absolutamente certo de que nunca ouvi falar no seu.”

10 pensou em “CÂMARA CASCUDO

    • Agradeço o seu ótimo comentário. Aproveito esse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar uma bem-humorada frase de Câmara Cascudo com o prezado amigo:

      “Exame oral. O estudante é Sylvio Piza Pedroza, que depois seria governador do Rio Grande do Norte. Cascudo pergunta: – Como o rei de Portugal teve notícias do descobrimento da Ilha de Vera Cruz? – Pedro Álvares Cabral passou um telegrama. O aluno foi aprovado.”

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  1. Recorro a Câmara Cascudo.. Aristeu Bezerra. parece que já ouvi falar nesse fubânico nome, capaz de fazer Sancho CONFESSAR, recorrendo ao señor Cascudo: “Quem não tiver debaixo dos pés da alma, a areias de sua terra, não resiste aos atritos da sua viagem na vida, acaba incolor, inodoro e insípido, parecido com todos.
    É por isso que sempre, em meus textos, faço questão de colocar minha linda Desengano.
    Belo texto. braço forte, fortíssimo amigo

    • O seu comentário é valioso, pois suas observações são importantes e instigantes. Compartilho uma frase de Câmara Cascudo sobre Rui Barbosa com o prezado amigo:

      “Eu o conheci em 1919, ele morreu em 21. Passando pela Faculdade de Medicina, ele foi nos visitar. Estava em campanha presidencial, competindo com Epitácio Pessoa. Alguém chegou esbaforido e avisou: “Rui Barbosa vem aí”. Não ficou um estudante na cadeira. Todo mundo arribou, inclusive os professores. A faculdade não existe mais, era na praia Vermelha, na Urca. De volta, tomamos a rua, de braços abertos, e ele teve que parar. Fez um pequeno discurso do automóvel, até hoje eu guardo um trecho na memória: ‘A política, senhores estudantes, é uma verminose brasileira. Inclina o carão severo e sinistro, aceita o falsete da voz insidiosa e burla as consciências, falando todos os idiomas da mentira’. Só Rui fazia isso. Efetivamente a mentira é poliglota. Só Rui dizia isso.”

      Saudações fraternas,

      Aristeu

      • Aristeu sou seu fã de carteirinha. E escrevendo sobre tais grandiosos brasileiros tenho que agradecer o muito que aprendo com o amigo. Orgulho danado dessa gente fantástica que Berto reuniu. Que timaço! Em tal time Sancho é gandula. Mas (benedicto mas), não um gandula qualquer, Sancho é O GANDULA.
        Fraterno beijo em vosso coração.

  2. Lembro que, em 1939, Câmara Cascudo publicou a obra “Vaqueiros e cantadores: folclore poético do sertão de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará”, sua primeira obra tipicamente folclorista, inaugurando uma vertente de estudos importantíssima para se compreender o Brasil sertanejo. Nessa e em outras obras, Cascudo, mais do que proceder como analista e crítico desses materiais, estava interessado em compilá-los, em registrá-los para a posteridade de estudiosos. Sua obra continua como a mais importante fonte de pesquisa para se entender o folclore e suas manifestações.

  3. É gratificante receber o comentário de quem cultiva a poesia popular e o folclore. Compartilho um cordel do poeta e pesquisador Marco Haurélio que homenageou Luís da Câmara Cascudo em seus 30 anos de encantamento (1986-2016):

    CÂMARA CASCUDO

    A cultura não está
    Somente nos alfarrábios.
    Há doutores pouco doutos
    E matutos muito sábios.
    O néctar da inteligência
    Pode vir de rudes lábios.

    O Brasil é a nação
    Que da mistura se fez.
    Em sua alma há muitas almas,
    Se olhamos com sensatez,
    Enxergamos um país
    Mestiçado em sua tez.

    Por guardião da cultura,
    Armado de espada e escudo,
    O Brasil teve um guerreiro
    Que sabia quase tudo
    E sempre prestará preito
    Ao gênio Câmara Cascudo.

    O nome de São Luís,
    Foi dado por garantia
    Para que não sucumbisse
    Ao crupe, à difteria.
    Para gáudio do Brasil,
    Ele sobreviveria.

    Menino livre, peralta,
    Ouvidos d’alma aguçados,
    Desde cedo conviveu
    Com as chulas, os reisados,
    As histórias de Trancoso,
    Os ritos, os encantados.

    O pai, Francisco Cascudo,
    Grande contador de histórias,
    Foi, com saudade, evocado
    Em inúmeras memórias.
    Ser o pai de Cascudinho:
    A maior de suas Glórias.

    Já a mãe Ana Maria,
    A imagem da ternura,
    Serviu a ele de bússola
    Quando a via fez-se escura,
    Iluminando pra sempre
    A sua literatura.

    O menino fez-se homem
    E brilhante professor,
    Da cultura popular
    Foi o grande difusor.
    Das tradições brasileiras
    Mostrou, com arte, o valor.

    Os aboios dos vaqueiros,
    Os gênios da cantoria,
    As rezas e benzeduras,
    Os devotos de Maria.
    As superstições, os medos,
    Tudo ele registraria.

    Recolheu e comentou
    Diversos contos e lendas,
    Nas praias, várzeas e campos,
    Nos alpendres das fazendas,
    Não esqueceu as cirandas,
    Os ditados e as parlendas.

    Estudou, com muito afinco,
    Os romances de cordel,
    Perscrutou, com grande acerto,
    Da oralidade ao papel,
    Como nasceu e vingou
    A arte do menestrel.

    Investigou os costumes,
    Os temores do demônio,
    Vislumbrou informações
    Em Dante, Ovídio Petrônio,
    Trouxe luzes sobre a crença
    No bom frade Santo Antônio.

    Enalteceu a Mãe África,
    Saudando a rainha Ginga,
    Estudou a capoeira,
    Esmiuçou a mandinga.
    Do baralho da cultura,
    Cascudo é nosso Coringa.

    Em vida o maior dos sábios
    Do Rio Grande do Norte,
    Ao lado de sua Dhália,
    Julgou-se um homem de sorte.
    E disso ninguém duvida,
    Porque vive além da morte.

    Apesar de ser católico,
    Fez de sua casa um templo
    De devoção ao saber,
    Que eu, seu seguidor, contemplo.
    E legou a todos nós,
    Como láurea, o seu exemplo.

    Hoje, está no tempo eterno,
    Com Dhália e os seus dois filhos,
    Fernando e Ana Maria,
    Que seguem por outros trilhos,
    Pelas veredas do céu,
    Nas quais vemos quatro brilhos.

    Há trinta anos, partiu
    Nosso maior folclorista.
    Porém eu prefiro crer
    Que o Celestial Artista
    Quis ter perto dele um gênio,
    Pra enriquecer sua lista.

    C ontudo, aqui neste plano,
    A inda rendemos preito,
    M as jamais lamentaremos
    A quilo que não tem jeito.
    R eceba de todos nós
    A mor, estima e respeito.

    C âmara Cascudo é símbolo
    A temporal de cultura.
    S eu exemplo é nossa luz,
    C hamando-nos lá da altura.
    U m abraço, grande mestre,
    D e nossa casa terrestre
    O seu legado perdura.

    Saudações fraternas,

    Aristeu

  4. Parabéns pela perfeição do texto, prezado Aristeu Bezerra!

    Luís da Câmara Cascudo foi um marco na inteligência e na cultura do Rio Grande do Norte e do Brasil.
    Seu nome será sempre lembrado com respeito e gratidão. Apesar de sua obra ter alcançado os mais vastos horizontes da história e da geografia do nosso País, Cascudo nunca deixou de demonstrar seu amor e devotamento a Natal.
    Nos seus estudos, sempre destacou os grande acontecimentos e as figuras ilustres que enriqueceram a nossa história.

    Célebres frase de Cascudo, extraídos de seus livros, conversas e entrevistas.:

    “O melhor produto do Brasil ainda é o brasileiro.”

    “Veja você se não é curioso. O desafio, que é português, vem pro Brasil e se torna popular. O fado, que é eminentemente brasileiro, se torna canção nacional em Portugal. Os portugueses que voltaram com D. João VI é que levaram o fado.”

    “Você sabia que o nosso cantador nordestino é o único no mundo que vive de fazer versos e cantar? Em todos os cantos da Terra isso já desapareceu.”

    Um grande abraço e uma ótima semana!

    Violante Pimentel Natal (RN)

  5. Muito obrigado por seu maravilhoso comentário com informações e frases do genial Câmara Cascudo. Tive oportunidade de ler uma entrevista desse respeitado pesquisador do folclore e da etnografia no Brasil ao jornal “A Província”, de Natal, e pinçei a seguinte frase do seu ilustre conterrâneo: “Queria saber a história de todas as cousas do campo e da cidade. Convivência dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço.”

    Aproveito a oportunidade para compartilhar nesse espaço democrático do JBF um trecho de uma cantoria de viola na qual os cantadores Ercílio Pinheiro (1918 – 1958) e Otacílio Batista (1923 – 2003) homenagearam Câmara Cascudo com a prezada amiga:

    Ercílio Pinheiro canta a seguinte sextilha:

    Eis o doutor Cascudinho
    Que prestimoso tesouro!
    Lá no sertão também há
    Cascudo, aranha e besouro;
    Os de lá, não valem nada,
    Mas este aqui, vale ouro!

    Otacílio Batista complementa a louvação de forma genial:

    Não digo por desaforo,
    Já que falaste em Cascudo;
    Os do meu sertão tem casca,
    Mas este aqui tem estudo;
    Os de lá, não sabem nada;
    Mas este aqui, sabe tudo!

    Saudações fraternas do amigo,

    Aristeu

  6. Obrigada, Aristeu, por compartilhar comigo, esse trecho de uma cantoria de viola, dos cantadores Ercílio Pinheiro (1918 – 1958) e Otacílio Batista (1923 – 2003) em homenagem a Luís da Câmara Cascudo! Uma preciosidade!

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