MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

A maneira de trabalhar em Camaçari, na Bahia, era, digamos assim, sui generis – pelo menos naquela época, há mais de trinta anos atrás. Não sei como é hoje.

Em 1991, trabalhando em uma metalúrgica em São Paulo, obrigações profissionais me levaram a visitar uma empresa de auto peças localizada no Polo Industrial de Camaçari e que consumia nossos produtos.

Reunião confirmada por fax (vosmecê se lembra dele?), horário agendado e confirmado para a próxima segunda-feira com o Diretor Técnico às 9 horas. Providenciei então a passagem aérea até Salvador.

Para não haver problemas com eventuais atrasos, algo detestável por este cabra desmantelado que fuxica com vosmecê, viajei no domingo para Salvador. O trajeto de uma hora da capital baiana até Camaçari foi feito no carro de nosso Representante Comercial na Bahia, um simpático e arretado mulato que, para não perder nenhuma hora sequer do carnaval baiano, reservava todos anos, por uma semana inteira, um quarto em um hotel que ficava ao lado da Praça Castro Alves.

Chegamos cerca de 15 minutos antes das 9 horas. Claro, o senhor Diretor Técnico ainda não havia chegado. Sua secretária tampouco. Bem, o negócio era esperar.

O relógio bateu 9:30 e nada de ninguém. Cheguei a pensar que havia me enganado e ainda era domingo. E então perguntei a um rapaz que passava:

– Diz aí, meu jovem, a que horas vocês começam a trabalhar aqui no escritório?

– Normalmente às 8:00, que é quando chega o ônibus com a gente de Salvador.

– E quando chega a primeira gente que não usa ônibus?

– Isso depende do dia. Hoje, por exemplo, é segunda-feira e é dia do pagamento quinzenal.

– E o que tem o pagamento quinzenal que ver com a chegada das pessoas?

– O que se assucede é que, como Camaçari ainda não tem uma boa estrutura bancária e de comércio, a turma do escritório é dispensada do trabalho nos dias de pagamento para fazer as compras e ir aos bancos em Salvador. Eu acho que ninguém vai aparecer hoje aqui, e vocês estão perdendo tempo esperando. Vocês são paulistas, não? Sugiro que vão passear e conhecer nossa linda Salvador, se ainda não conhecem, e voltarem amanhã!

Bem, a realidade é dura mas é a realidade, e o nosso Representante Comercial me levou então  para visitar o Pelourinho, o farol da Barra, Ondina, o Elevador Lacerda e um bom restaurante que servia uma peixada deliciosa, protocolarmente acompanhada de acarajés e uma cervejinha baiana gelada de estalar os dentes.

No dia seguinte, terça-feira, recomeçamos nossas atividades. Às 9 horas chegamos à empresa. O Diretor Técnico nos atendeu por volta das 11 horas, conversou conosco como se nada tivesse acontecido, acertamos os pontos que motivaram a reunião e, transbordando de gentilezas, nos levou a degustar uma maravilhosa panelada de camarões feita pelas mãos divinas de uma tiazona sacudida em uma bodega ali pertinho. Vixe, que coisa gostosa!

A Bahia é um lugar maravilhoso!

8 pensou em “CAMAÇARI NA SEGUNDA-FEIRA

  1. Mas também, Magnovaldo, foi forçar a barra, né?
    Lugar? Bahia.
    Dia da semana? Segunda.
    Horário? Pela manhã.
    Algum evento especial? Pay Day.
    Tais brincando?

    • Lembra-me uma estorinha que o nosso Representante Comercial contava:

      Baiano na rede, na beira da praia, falando com sua mulher:
      – Mainha, você tem aí vacina pra picada de cobra?
      – Tenho sim, porque, ela te picou?
      – Não, mas tá vindo na minha direção.

      Um grande abraço,
      Magnovaldo

  2. Estimado Magnovaldo.

    Que crônica maravilhosa!

    Gosto da sua maneira de contar histórias. São ímpares, pessoais, mas que alegra a todos que a leem. “Camaçari na Segunda Feira” nos deixa uma grande lição: a paciência com o agir com a razão.

    Imagino o estimado amigo com pavio curto bravando cobras e largados sem saber o que estava acontecendo do outro lado da linha?

    Forte abraço com ótimo final de semana para o mestre e família, extensivo a todos que fazem parte dessa parentada legal.

    • Ciço, meu bom compadre:
      Grato pelo seu sacudido elogio a este simples fuxicador da vida alheia. Sempre procuro achar graça em tudo. A Bahia é uma fonte de inspiração. Tenho muito gosto por aquele povo, mesmo tendo uma certa diferença de comportamento em relação à a minha pessoa. Há muitos anos não vou à Bahia, mas tenho saudades daquele lugar.
      Desejo-lhe um final de semana cheio de saúde, alegria e paz.
      Abraços,

  3. Parabéns pelo excelente texto, prezado Magnovaldo!

    Imagino o seu descontentamento, ao sair de São Paulo onde trabalhava, para participar de uma reunião, previamente agendada com o Diretor Técnico de uma empresa de auto peças localizada no Polo Industrial de Camaçari, na Bahia, e levar uma massada de um dia para ser atendido.

    O baiano tem fama de preguiçoso, até para correr e evitar uma picada de cobra …kkk.
    O saudoso humorista Chico Anízio explorava muito este tema nos seus “causos”.
    Ainda bem que, para compensar a massada, a ida a Camaçari foi compensada pela deliciosa e apimentada comida baiana, inclusive pela panelada de camarões, “feita pelas mãos divinas de uma tiazona sacudida em uma bodega ali pertinho.”
    Deu água na boca…

    Desejo a você um feliz final de semana, extensivo à sua família!

    • Divina Violante:
      Apesar dos conceitos diferentes sobre trabalho e horários, tenho uma certa paixão pela Bahia. É um lugar maravilhoso, cheio de belezas. A comida, então, me é fantasticamente maravilhosa.
      Desejo que você tenha um final de semana lindo, cheio de saúde, paz e alegria.
      Beijão acarajético.
      Magnovaldo

  4. Magnovaldo, também assim é demais….. trabalhava no banco e ia de salvador pra São Paulo. O voo saía 5h15 e 5h para as 4h eu me aproximei de uma lanchonete que estava abrindo. Tinha um atendente lá e o pedi um sanduíche misto por conta do embarque. O cara gritou:”baiano, faz um misto aí pro cliente”… E o baiano veio da cozinha, acho que segurando na parede pra não cair, olhou para o relógio e disparou: ” quéisso, meu rei…falta 5 cinco minutos ainda!”…..o lanche do avião não foi suficiente…. cheguei em Guarulhos com uma fome da porra. Magnovaldo, você teve sorte: poderia ter esperado até o trio de Armandinho, Dodô e Osmar…. passar por lá

    • Eita, ferro! Às vezes fico pensando como é que os baianinhos foram poduzidos, com tanta vontade de trabalho.
      Um grande abraço, bom final de semana cheio de saúde e paz.
      Saudações baianísticas.

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