XICO COM X, BIZERRA COM I

Num tempo em que havia lua e as estrelas ouviam serenatas, quando a minha boca doida e nua passeava por todas as calçadas, vez em quando se escutava, além de tiros, uma ou outra canção de amor. Era quando a pureza vinha e se deleitava bem distante do inferno da solidão. Meu olhar lacrimoso era adoçado no bagaço de cana do engenho …

Você existia. Sua voz era ouvida.

Hoje soube de sua viagem e desacordei com a noite escura. O canto alucinado não existe mais: é só uma foto num caderno de cultura, um Purgatório numa banca de jornais. Resta o doloroso bardo do se ir, o bardo luminoso da realidade última. Eu, triste, como um bicho triste, um bando de pardais tristes, sem galos, noites e quintais.

Você ainda existe. Sua Poesia resiste.

E a vida segue, a canção insiste, feito avião brabo lá no céu sem rédea, fazendo um Paraíso cada vez mais triste, a mais profana e desumana comédia… Hoje, eu canto muito mais, sem medo. De avião e de nada. Sonha teu sonho que ele é vida.

Você permanece. Seu canto não calou.

Até qualquer dia, Poeta.

* * *

Nota:

Conheci Belchior em 1976, em Fortaleza, no Bar do Anísio, na Praia de Iracema, onde se encontravam os músicos e poetas de Fortaleza. Por ali andavam ele, Ednardo, Fagner… Belchior, admirador de Dante e de sua teológica Divina Comédia Humana, era presença constante naquele ambiente onde, meio por enxerimento, meio por não ter o que fazer, eu frequentava com regular habitualidade. Cordial e simpático, não se negava a um bom papo, quando o tempo permitia. No dia em que o cantor foi ‘visitar outro plano’ eu escrevi–lhe um bilhete, e, a seguir e com algumas adaptações, uma letra que virou canção na bela voz de Tonfil – Profana Comédia Desumana. Está no meu disco CHAMA INFINITA, e pode ser encontrada em todas as plataformas virtuais.

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