VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Décadas atrás, precisamente no começo da segunda metade do século passado, o uso de dentes de ouro virou moda no Brasil. Os ricos transformavam sua boca num cofre de valores incalculáveis.

Em 1957, Nelson Rodrigues escreveu uma peça que se chamava “Boca de Ouro”, sobre um bicheiro que mandava arrancar todos os dentes e colocar uma dentadura de ouro, para “se alugar”.

Nesse período, pessoas ricas e vaidosas investiam altos valores em dentes de ouro, exibindo sorrisos dourados, o que começou a despertar a cobiça de assaltantes, que se “armavam” com “boticões” (alicates usados por dentistas), no intuito de assaltá-las, violentamente.

Uma ilustre dama da sociedade carioca, cuja boca era considerada uma verdadeira sucursal do maior banco do País, por um triz não perdeu a vida, ao ser atacada por marginais, que a raptaram e, na marra, “extraíram” seus dentes de ouro, de forma inadequada, provocando-lhe hemorragia, além de dores insuportáveis, que a fizeram perder os sentidos.

Os portadores de dentes de ouro, portanto, passavam a correr o risco de sofrer ataques de marginais, na ânsia de se apossarem da fortuna que eles traziam na boca.

Lana, 30 anos e dona de uma grande fortuna, nessa época, ao precisar de tratamento dentário, por vaidade, pediu ao dentista que lhe colocasse alguns dentes e obturações de ouro. Queria ter um sorriso dourado e uma “boca de ouro”. Quando falava, seus lábios pareciam uma porta se abrindo, para deixar à mostra um altar de ouro de uma luxuosa Igreja. A mulher dava suas gostosas risadas, para exibir seus dentes de ouro. Por isso, entrou na mira de marginais, que procuravam o momento adequado para atacá-la.

Certa noite, armados com “boticões”, marginais conseguiram arrombar uma porta da sua casa. Na mesma hora, ouviram entrar um carro na garagem. Era o dono da casa que chegava. Por ter encontrado o portão aberto, e temendo que houvesse ladrão dentro de casa, desceu do carro armado de revólver, atirando para cima e gritando pelos empregados, que prontamente apareceram, também armados. Viu dois bandidos fugindo. Ele e dois empregados, todos armados, percorreram os cômodos da casa e tiveram uma surpresa: Encontraram, debaixo de uma cama, um dos ladrões, escondido. Arrastado pelos empregados, o marginal foi imobilizado, tendo pés e mãos amarrados, enquanto a polícia era aguardada.

O marginal confessou que estava ali, somente, para levar a fortuna guardada na boca de ouro da dona da casa. Ao lado dele, estava a arma: um “boticão”, usado por dentistas.

Por um triz, Lana não foi vítima de uma grande violência, mesmo numa época em que a criminalidade era menor.

Felizmente, esse modismo passou e já não se usa dente de ouro.

8 pensou em “BOCA DE OURO

  1. Violante,

    Parabéns pela interessante crõnica do tempo que usar dente de ouro era sinônimo de alto poder aquisitivo. Fiz uma pesquisa em Assombrações do Nordeste Fantástico – Podcast Sombras do Recife. Compartilho a lenda com a prezada amiga, e espero que goste.

    BOCA DE OURO

    O Boca de Ouro é uma lenda típica do Recife. Narrada pelo sociólogo Gilberto Freyre.

    Esta lenda Recifense tem similaridades em outras regiões do Brasil e quero acreditar assim que possui outras culturas estrangeiras amalgamadas, como a dos mortos-vivos do Haiti ou mesmo o tradicional zumbi.

    A história original então se passa no Recife nos inícios do século XX. Alta madrugada, um homem solitário anda pelas ruas, cantando odes à lua. Está assim um tanto quanto alcoolizado, e curtindo a noite. Quiçá encontre uma dama de vida fácil e desacompanhada.

    E então possa passar o resto da madrugada em uma boa companhia feminina.

    Do nada, de repente, uma figura masculina e encapuzada surge na sua frente. A pessoa então pede que acenda o seu cigarro.

    Ao se aproximar do homem, o misterioso ser enfim revela sua face. Era um cadáver apodrecido, a pele arroxeada, com vermes e olhos amarelados. Na sua boca, de fato de um hálito putrefato, ele traz uma dentadura toda de ouro.

    Transido de medo, o infeliz bêbado corre então de seu algoz, mas ao chegar mais na frente, o monstro o aguarda, como que se materializando magicamente. Isto acontece certamente algumas vezes. O pobre homem termina desmaiando de medo e terror, enquanto o riso da medonha aparição ressoa pelas ruelas vazias da cidade.

    No dia seguinte, é afinal encontrado caído, por um leiteiro de rua. Após ser reanimado, então contou toda a sua desdita e o leiteiro. O homem que era de fato extremamente falador, passou adiante a história.

    Trilha Sonora Boca de Ouro
    audio
    Arroz com Casca
    by Mário Álvares / Trio Aurora

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e alegria

    Aristeu

  2. Obrigada, prezado Aristeu, pelo gratificante comentário e por compartilhar comigo essa interessante lenda de terror, típica do Recife, intitulada “Boca de Ouro”.
    “Boca de Ouro” também é o título de um filme brasileiro (1963), do gênero drama, que conta a história de um bicheiro assassinado, e a tentativa de um repórter em relatar a sua vida, a partir do depoimento de uma de suas amantes. As lendas sobre o bicheiro revelavam que ele usava uma dentadura de ouro, e que estava preparando um caixão mortuário com o mesmo valioso metal.

    O filme foi estrelado por Jece Valadão, Odete Lara e Daniel Filho; direção de Nelson Pereira dos Santos, com roteiro baseado em peça teatral de Nelson Rodrigues.

    Um final de semana cheio de paz, saúde e alegria, para você também.

    Violante

  3. Houve casos em que, após o enterro de um “boca rica”, o tumulo ser violado por ladrões, com o intuito de garimpar ouro na boca do falecido. .

  4. Obrigada pelo comentário, prezado Paulo Terracota!

    Realmente, a violação de túmulos, na época dos dentes de ouro, se tornou uma prática comum, entre os ladrões.

    Bom final de semana!

  5. Queridíssima Violante Pimentel,

    Sua crônica, BOCA DE OURO, é extraordinária porque foca o modismo dos anos 50,60,70…a coragem que as pessoas tinham de colocar dentes de outro em suas bocas em substituição dos dentes naturais.

    Sempre considerei esse modismo horroroso, anti-higiênico, cafona e perigoso. Um chamariz para bandidos. Quantas gentes não foram mortas por se deixar levar por esse modismo piega?

    Aliás, tudo que mutila o corpo é violento, porque o corpo é o templo do espírito que não deve ser pichado.

    Fraternais saudações, grande Cama das Crônica do JBF.

    • Obrigada pelo comentário gentil, querido Cícero Tavares!

      Os modismos passam e sempre vem outros.

      Com relação à moda de dente de ouro, essa era destinada aos ricos. Quem não podia colocar dentes inteiros, se contentava com “falhinhas” de ouro, em um ou dois dentes incisivos, localizados na parte da frente, da arcada dentária superior (são quatro na linha superior e quatro na linha inferior)
      Atualmente, estamos vivendo a era do “implante dentário”, ao qual, pelo elevado preço, os pobres não tem acesso.

      Grande abraço, e um excelente domingo!

  6. Magnifica crônica, Violante.

    O uso de dentes de outo é uma tradição cigana que atravessou séculos, virou moda em várias partes do mundo. Como o ouro era uma espécie de moeda aceita em qualquer parte do mundo, nada mais seguro do que carregá-los dentro da boca.

    Só em pensar no terror de ter o dente arrancado à força, dá arrepios.

    Hoje em dia existe até dentes de ouro falso (mercado livre e outros sites de vendas), muito usados por astros do hip hop em suas apresentações e performances.
    .

    • Obrigada pela gentileza do comentário, prezado Marcos André!

      Realmente, o uso de dentes de ouro “é uma tradição cigana que atravessou séculos”.

      Colocar dentes inteiros ou apenas detalhes em ouro, ainda é moda entre os africanos, que fazem isso por vaidade.
      A explicação para esse costume se perdeu com o tempo.

      Bom domingo!.

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