CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

Barry Lyndon: cena de batalha externa filmada na Irlanda

BARRY LYNDON é uma das obras-primas do gênio da diversificação, Stanley Kubrick, pouco lembrada, mas memorável, com todo o apuro técnico kubrickiano elevado ao infinito. Uma história dramática e pungente contada com a estética e os planos mais aprimorados que o cinema já conheceu.

Aqui temos talvez o mais belo filme de batalha de todos os tempos, com uma fotografia e uma direção de arte única, levando o telespectador à sensação de estar dentro de tudo aquilo que ocorre num roteiro maravilhoso, de uma história contada em mais de três horas que não cansa, ainda temos um elenco espetacular, com ótimas performances.

Barry Lyndon é a história de um ambicioso irlandês sem futuro, ou a esperança de que ele pretenda alcançar uma alta posição social, tornando-se parte da nobreza inglesa do século XVIII. Para Lyndon (Ryan O ‘Neal), as respostas sobre como alcançar o poder e suas ambições são simples: de qualquer maneira possível. Sua ascensão à riqueza em uma suntuosa revisão realizada por Stanley Kubrick baseado no romance de William Makepeace (1811-1863), As Memórias de Barry Lyndon.

Para a criação desta inteligente sátira, ganhadora de quatro prêmios da Academia em 1975, Kubrick encontrou inspiração nas obras dos pintores da época, colocando em exposição o excelente ambiente cinematográfico que em todos os aspectos alicerçam o filme. Os aspectos técnicos, objetivos, pioneiros de utilização das câmeras foram desenvolvidos e utilizados para fotografar ao ar livre e nos interiores, obtendo um efeito de luz natural. Barry Lyndon permanece como um filme de vanguarda que recupera um período da história como nunca visto na tela grande. Uma obra-prima de um realizador cujos filmes são todos magníficos.

Mas o grande triunfo de Barry Lyndon vai além de sua inebriante história de ascensão e queda. Filmado quase que inteiramente em locação na Irlanda – tanto exteriores quanto interiores – a película é uma viagem fantástica, que realmente faz o espectador mergulhar na ambientação do século XVIII como nenhum outro filme havia feito ou viria a fazer.

Genialmente Stanley Kubrick determinou, para desespero de seu diretor de fotografia John Alcott (que trabalhara com ele em Laranja Mecânica e 2001- Uma Odisseia no Espaço), que, sempre que humanamente possível, a iluminação fosse 100% natural. Assim, na grande maioria das tomadas, a iluminação ou é gerada pelo sol ou por velas. Nas tomadas exteriores, durante o dia, o resultado é belíssimo, de uma naturalidade que é difícil de ver em épicos. As cores saltam aos olhos e as tomadas em plano geral são de uma perfeição técnica e simetria sem par.

Reparem na composição das sequências, com a obsessão de Stanley Kubrick por paralelismos. Normalmente, o lado esquerdo da tela emula o direito e vice-versa, mas aqui o diretor consegue ir mais além ainda, quebrando o paralelismo absoluto com pequenos desvios, pequenos desequilíbrios da encenação.

Mas são as cenas de interiores que realmente tiram Barry Lyndon do lugar comum. Sem luz artificial, Alcott teve que se reinventar com a claridade entrando pela janela, frestas aqui e ali e muita contra luz. E, se tirar uma foto de um ambiente iluminado com velas é um trabalho hercúleo, imagine fazer o mesmo com uma câmera de filmar, para se alcançar um resultado aceitável. E o uso de velas permeia todo o filme e isso funciona não só para envolver o espectador na vida do século XVIII como, também, para criar imagens amareladas irretocáveis, além de sombras fantasmagóricas, talvez um prenúncio do destino dos personagens. Cada sequência parece ser tirada de pinturas clássicas, como as de William Hogarth, tamanha é a precisão do trabalho de Kubrick e Alcott.

O uso do som diegético também é fundamental para esse envolvimento e Kubrick faz questão de nos deixar ouvir passos pisando na grama, cascos de cavalo tocando o solo e o arrulhar de pombos na lenta, mas envolvente cena de ação final dentro de um enorme celeiro. E, em cima disso tudo, Kubrick ainda se esmera na escolha de uma trilha sonora clássica – Bach, Vivaldi, Mozart, Schubert e especialmente Sarabande, de Handel – que acompanha a progressão e regressão da complicada vida do protagonista.

É difícil escolher o melhor filme desse fantástico diretor, mas Barry Lyndon talvez seja o verdadeiro ponto alto de sua carreira. A afirmação é polêmica, especialmente diante de sua curta, mas quase irretocável filmografia. No entanto, se o cinéfilo der uma chance a esse filme, que exige paciência e calma, tenho certeza que, se ele já não está dentre os maiores em sua lista, subirá algumas colocações.

Assistindo a Barry Lyndon, com a sua exuberante e panorâmica fotografia, quase toda realizada em locações externas, principalmente as cenas de batalha, fica difícil de acreditar que o cinema não tenha perdido sua narrativa pungency e seu encanto penetrante, com essas porcarias que são lançadas nos serviços streaming todos os dias, com seus heróis decadentes e babacas.

Barry Lyndon – Official Trailer [1975] HD

BARRY LYNDON (1975) – Crítica

8 pensou em “BARRY LYNDON (1975) – UM ÉPICO POUCO LEMBRADO DO MESTRE KUBRICK

  1. Caríssimo Brito,

    As antológicas cenas de batalha de Barry Lyndon são um prenúncio do preparo do genial Kubrick para a realização do épico que nunca conseguiu realizar, a vida de Napoleão Bonaparte.

    Temor dos estúdios pela quantia vultosa que teriam de desembolsar por um filme que, na visão deles, os diretores dos estúdios, só beneficiaria a história.

    Infelizmente Kubrick encantou-se sem realizar o filme dos seus sonhos.

    Fraternais saudações.

    • Mestre Adônis Oliveira,

      Obrigado pela leitura.

      Na verdade quem baixa esses filmes para mim é meu filho, Luis Antonio Tavares Portella.

      Ele os baixa nos site dos fans, e um desses sites de onde ele baixou Barry Lyndon para mim foi o site TORRENT.

      Site independente feito e mantido por fãs.

      Boa sorte na busca.

  2. Barry Lyndon. Um clássico irretocável.

    Com esse filme o amigo Cícero ganhou o meu dia. Barry é um dos meus filmes favoritos, sendo uma obra de arte do grande diretor Stanley Kubrick que já nos deu
    outras grandes obras primas da arte cinematográfica, tais como LARANJA
    MECÂNICA, 2001 UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO e tantas outras obras primas do cinema.
    Esse filme é perfeito em todos os sentidos, ótima fotografia, trilha musical com os
    clássicos pontuando em cada cena, Bach, Beethoven, Mozart e principalmente a famosa Sarabanda pouco citada regularmente.
    Quem já assistiu Barry Lyndon, não se contenta com pseudos clássicos, pois
    a distância qualitativa é alarmante.
    Parabenizo o amigo por nos lembrar deste grande clássico cinematográfico,
    o que faz muita diferença no cenário atual, que conforme o amigo diz em seu ótimo,
    texto, que eu assino embaixo , o verdadeiro cinema acabou, o que resta são fake cines, filme idiotizados, com pouco de qualidade. Posso afirmar que faço
    diáriamente pesquisa sobre novos filmes ou filmes do passado recente e
    lamentavelmente a safra recente é lamentável e
    só enganam aqueles que por ventura ou melhor desventuras estão
    dependendo da mediocridade atual.
    Aconselho a todos, não percam tempo com essa fartura de filmes disponiveis
    que nos são empurrados à força, visitem os filmes antigos se desejarem
    saber o que é cinema de verdade.

    • Chupando uma laranja mecânica, lembro a genialidade de Stanley Kubrick (apenas 13 longas-metragens em seus setenta anos de vida; muito pouco para tanta genialidade).
      Alguns momentos que provam sua genialidade: A cena das gêmeas no corredor em O Iluminado é de cair o queixo; foi ao extremo da genialidade quando em Barry Lyndon, filmou cômodos iluminados unicamente à luz de velas com lentes especiais fabricadas pela Zeiss, por encomenda da NASA. Tudo FANTÁSTICAS imagens com pouca luz; abusou de Beethoven, Schubert e Bartók em seus filmes (COMO ESQUECER a trilha sonora de 2001 – Uma Odisseia no Espaço?); O cineasta era um amante da leitura e encontrou nos livros uma fonte de inspiração, como podemos constatar com obras-primas como Lolita, O Iluminado, Laranja Mecânica e 2001 – Uma Odisseia no Espaço .

      Brigaduuuuu, Ciço por me fazer rever o genial Kubrick.

      • Mestre e Guru Sancho Pança.

        “Alguns momentos que provam sua genialidade: A cena das gêmeas no corredor em O Iluminado é de cair o queixo; foi ao extremo da genialidade quando em Barry Lyndon, filmou cômodos iluminados unicamente à luz de velas com lentes especiais fabricadas pela Zeiss, por encomenda da NASA.”

        Essa passagem do teu comentário sintetiza bem o que é comentar sobre “Barry Lyndon”, filmado à lus do sol e vela. Cenas de batalha de arripiar os cabelos pituim da nega Maria Fulô, só em Stanley Kubrick mesmo se encontra isso!

        Abraços do Ciço.

    • Mestre d.Matt.,

      Orgulho da raça humana. Gente que dispensa elogio pelo seu caráter fílmico, apuro musical e respeito à Literatura de qualidade.

      Concordo com o mestre em assegurar que, quem quiser assistir a filmes de qualidade tem de voltar ao passado.

      Hoje tudo é porcaria com alcunha de filme.

      Forte abraço no amigo.

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